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CAPÍTULO 3 LOTEAMENTOS FECHADOS E CONDOMÍNIOS

3.2 DO LOTEAMENTO FECHADO

3.2.1 Da Lei n 8.736/1996 do Município de Campinas/SP

Em Campinas/SP, a Lei n. 8.736/1996, que trata de Loteamentos Fechados, estabeleceu, em seu art. 3º:

A permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação somente será autorizada quando os loteadores submeterem a administração das mesmas à Associação dos Proprietários, constituída sob a forma de pessoa jurídica, com explícita definição de responsabilidade para aquela finalidade.

A norma não traz maiores detalhes sobre os requisitos para a constituição da referida pessoa jurídica, fazendo com que fique latente a litigiosidade quanto à liberdade

associativa e à não disposição de algum proprietário em contribuir com as despesas comunitárias. Esse aspecto controvertido será oportunamente analisado mais adiante.

No art. 13 da referida norma local, está expresso que: “Será permitido à Associação dos Proprietários controlar o acesso à área fechada do loteamento”. No mesmo ano, por força da Lei municipal n. 9.147/96, foi incluído parágrafo único a esse artigo, dispondo que: “Para que a Associação promova o controle referendado no caput do presente artigo, poderá construir guaritas em suas entradas, com metragem máxima de 20 metros quadrados, desde que, não interfira no trânsito externo do loteamento”.

Consta, ainda, no art. 16 da referida Lei municipal n. 8.736/1996, que: “Após a publicação do decreto de outorga da permissão de uso, a utilização das áreas públicas internas ao loteamento, respeitados os dispositivos legais vigentes, poderão (sic) ser objeto de regulamentação própria da entidade apresentada pela Associação dos Proprietários, enquanto perdurar a citada permissão de uso”.

Vale destacar que, em abril de 2007, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de apreciar a constitucionalidade da referida norma e, por decisão monocrática do Min. Sepúlveda Pertence, o Agravo de Instrumento n. 489.340/SP foi desprovido, tendo servido como fundamento a circunstância de que o Município tem competência, nos termos da Constituição Federal e da Constituição Estadual de São Paulo (art. 181), para legislar sobre “zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes”.106

Como bem observou o julgador, “na hipótese, o Município de Campinas aprovou lei (Lei n. 8.736, de 1.996), outorgando permissão de uso de áreas públicas de lazer e vias de circulação, para constituição de loteamentos fechados naquele município. É de observar que o art. 18, inciso II, daquela lei, dispõe que o fechamento não pode interromper o sistema viário da região”.

O Min. Sepúlveda Pertence deixou expresso, também, que “a municipalidade, além dos poderes que tem para autorizar o fechamento questionado, por força da lei ‘in

106 O referido agravo de instrumento fora interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso

extraordinário que desafiava acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que manteve sentença de indeferimento de pedido deduzido por cidadão contra o Município de Campinas em ação popular.

quaestio’, bem assim o uso das vias de circulação, com essa autorização não acarretou lesão ou prejuízo algum ao erário público. Na verdade, utilizou-se regularmente do instituto da 'permissão de uso', dentro dos ditames legais”.

Com relação ao fechamento de loteamentos no Município de Campinas/SP, vale destacar que consta do atual Plano Diretor municipal (Lei Complementar municipal n. 15/2006), que, dentre a legislação urbanística vigente que deverá ser revisada e complementada, incluem-se as leis de loteamentos fechados e cinturões de segurança (art. 16, inc. V).

A propósito da constitucionalidade da lei campinense, o Tribunal de Justiça de São Paulo já foi instado a se pronunciar sobre o tema, no julgamento da ADI 065.051- 0/8-00, quando fora arguida pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo a suposta incompatibilidade da Lei campinense n. 8.736/1996 com a Constituição do Estado de São Paulo, porque, supostamente, (a) conteria autorização genérica ao Prefeito para modificar, ao seu bel-prazer, a destinação original de bens de uso comum do povo, o que caracterizaria delegação de poderes; e (b) autorizaria a desafetação de áreas de loteamento definidas como verdes ou institucionais. Por isso, no entendimento do proponente legitimado, a lei municipal estaria por violar os art. 5º e seu § 1º; o art. 19, IV, V e VII; e o art. 180, VII, da Constituição do Estado de São Paulo.107

Os pedidos deduzidos na mencionada ação foram julgados improcedentes, por maioria de votos, pelo Órgão Especial (Rel. Des. Luiz Elias Tâmbara, julgado em: 05/02/2003).

107 São essas as normas constitucionais estaduais indicadas como parâmetro para o controle de

constitucionalidade na ADI 065.051-0/8-00: Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. § 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. Art. 19 - Compete à Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente sobre: IV - autorização para a alienação de bens imóveis do Estado ou a cessão de direitos reais a eles relativos, bem como o recebimento, pelo Estado, de doações com encargo, não se considerando como tal a simples destinação específica do bem; V - autorização para cessão ou para concessão de uso de bens imóveis do Estado para particulares, dispensado o consentimento nos casos de permissão e autorização de uso, outorgada a título precário, para atendimento de sua destinação específica; VII - bens do domínio do Estado e proteção do patrimônio público; Art. 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão: VII - as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados. (Inc. VII com a redação que vigorava à época)

Vejamos a ementa do acórdão:

ADIN – Lei n. 8.736, de 09/01/1996, do Município de Campinas. Confere poderes ao Prefeito para autorizar o fechamento do tráfego de veículos nas ruas, através de decreto e transpassar àqueles que se beneficiaram com a adoção dessa medida a responsabilidade pela construção de portarias, limpeza e conservação das ruas e realização de serviços de coleta de lixo, regulamentando as condições de acesso, fiscalizando o uso do solo, além de permitir a desafetação de áreas verdes e institucionais. Alegada violação do disposto nos artigos 5º e seu § 1º, 19, incisos IV, V e VII e 180, inciso VII, da Constituição do Estado de São Paulo – Inexistência de afronta aos indigitados dispositivos – Pedido julgado improcedente (ADIN n. 065.051-0/8-00, julg.: 05 fev. 2003, Rel. Des. Luiz Tâmbara).

Vale destacar, porém, que, nada obstante a causa petendi aberta que caracteriza o julgamento em controle abstrato de constitucionalidade,108 o Procurador-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em novembro de 2015, ajuizou nova Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), distribuída sob o n. 2271020-14.2015.8.26.0000, indicando como requeridos o Presidente da Câmara Municipal de Campinas e o Prefeito Municipal de Campinas, com o intuito de ver declarada a inconstitucionalidade da mesma Lei campinense n. 8.736/1996. A nova petição inicial109 articula argumentos de inconstitucionalidade formal (uma vez que a referida norma urbanística deveria ter observado a imprescindível participação comunitária em seu respectivo processo legislativo)110 e material. O pedido liminar, em face da inexistência de periculum in mora, restou indeferido pelo relator Des. Carlos Bueno em 18 de dezembro de 2015. Os

108 Pelo princípio da abertura da causa de pedir, como bem ensinam Bernardes e Ferreira (2012, p. 415), o

órgão julgador aprecia com elasticidade a adequação abstrata do preceito impugnado em face de quaisquer dos padrões normativos que integram o bloco de constitucionalidade. Diferentemente do princípio da substanciação adotado nos processos subjetivos, o tribunal não fica adstrito às causas de pedir que lhe tenham sido apresentadas pelo requerente. A respeito da juridicidade e conveniência de, excepcionalmente, se admitir a revisão do julgamento, mesmo em controle concentrado, que tenha se posicionado pela constitucionalidade de uma dada norma, cfr. Hercules Benício (2000). Com relação ao eventual elastecimento do princípio da causa de pedir aberta ao julgamento de recursos extraordinários, cfr. Bernardes e Ferreira (2012, p. 377)

109 A petição inicial que deu origem à ADI 2271020-14.2015.8.26.0000 está disponível em:

<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/Controle_Constitucionalidade/Adins_PG J_Iniciais2015/2719CBB3F0BCCB4BE050A8C0DD0152E5>. Acesso em: 1º fev. 2016.

110 A Constituição do Estado de São Paulo (art. 180, inc. II) dispõe que, no estabelecimento de diretrizes e

normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes. A propósito, consta do inc. XII do art. 29 de nossa Constituição Federal que o Município reger-se-á por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e preceitos, dentre outros, o da cooperação das associações representativas no planejamento municipal.

fundamentos e aspectos controvertidos ventilados nas ADIs supramencionadas serão oportunamente analisados mais adiante.

3.2.2 Das Leis Complementares n.s 121/2005 e 238/2011 do Município de Taubaté/SP

Outro exemplo de lei municipal que trata de loteamentos fechados é a Lei Complementar n. 121/2005 de Taubaté/SP, que enxertou os arts. 65-A a 65-G na Lei Complementar municipal n. 7/1991, para autorizar, a critério da Administração Municipal, o fechamento de loteamento e rua sem saída situados em zonas habitacionais que a referida lei especifica.

Um dos requisitos dispostos na lei local para a autorização de fechamento do loteamento é a anuência de 80% (oitenta por cento) dos proprietários do lote e a constituição de associação representativa de tais proprietários. A fórmula idealizada pelo legislador municipal está expressa no art. 65-B da Lei Complementar taubatense 7/1991:

Art. 65-B. O pedido de fechamento deverá ser formulado:

I - por, pelo menos, oitenta por cento dos proprietários dos imóveis existentes na área, através de requerimento, acompanhado obrigatoriamente de:

a) declaração expressa de anuência ao fechamento por oitenta por cento dos proprietários dos imóveis situados no perímetro do loteamento ou de rua sem saída, que se pretende fechar nos termos autorizados pela presente Lei Complementar;

b) prova de constituição de pessoa jurídica representativa dos proprietários de imóveis localizados dentro do perímetro abrangido pelo pedido de fechamento (...)

Com relação ao acesso de não proprietários, o art. 65-E prevê que pedestres ou condutores de veículos não residentes nas respectivas áreas fechadas terão acesso garantido mediante simples identificação ou cadastramento, não podendo, em nenhuma hipótese, ocorrer restrição a tal acesso.

Ainda no Município de Taubaté/SP, a Lei Complementar n. 238, de 10 de janeiro de 2011, que institui o Plano Diretor Físico do Município de Taubaté/SP, contém, no seu Anexo V, de forma mais minudente, o disciplinamento sobre

“Loteamentos Fechados”. No que tange à circulação de não proprietários, está expresso no art. 7º e no § 1º do art. 9º que:

Art. 7º. O acesso de pedestres ou condutores não residentes nas respectivas áreas fechadas será garantido mediante simples identificação ou cadastramento, não podendo, em nenhuma hipótese, ocorrer restrição ao mesmo (sic).

Art. 9º,

§1º A entidade representativa dos proprietários deverá garantir a ação livre e desimpedida das autoridades e entidades públicas que zelam pela segurança e bem-estar da população nos limites da área fechada.

As referidas leis complementares municipais (121/2005 e 238/2011) não passaram despercebidas pelo criterioso Parquet estadual e desafiaram controle de constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da ADI 2220453-13.2014.8.26.0000. Em sessão de 08 de abril de 2015, a Corte de Justiça paulista, por seu Órgão Especial, julgou, em votação unânime, sob a relatoria do Des. Borelli Thomaz, improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, fazendo constar na ementa que a legislação municipal, “embora esbarrando em temas de Direito Civil e Urbanístico, não se afastou de primado maior, as situações peculiares ao âmbito de ação legislativa do Município”.

Verificados, em linhas gerais, os loteamentos fechados, passemos, pois, ao tratamento de outra modalidade de constituição de comunidades residenciais segregadas bastante controversa no Brasil.