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CAPÍTULO 3 LOTEAMENTOS FECHADOS E CONDOMÍNIOS

3.3 DO CONDOMÍNIO URBANÍSTICO OU CONDOMÍNIO DE LOTES

3.3.5 Das Leis Complementares n.s 710/2005 e 803/2009 do Distrito Federal

Além das designações “condomínios urbanísticos” e “condomínios de lotes”, podemos encontrar, no Brasil, norma de índole municipal, editada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, que aborda o fenômeno ora analisado dentro de “Projetos Urbanísticos com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas”.

Trata-se da Lei Complementar distrital n. 710/2005, segundo a qual se considera unidade autônoma a “unidade privativa que compuser Projeto Urbanístico com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas” – PDEU (cfr. inc. VI do art. 3º). Na

dicção do art. 2º, a norma incorpora as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal, estabelecendo as condições para os PDEU.

Nos termos do art. 5º da referida lei, ficam sob a responsabilidade do condomínio: I - a manutenção das redes de infraestrutura instaladas nas áreas do projeto, desde que não transferidas para o Poder Público por solicitação do órgão competente; II – a manutenção e limpeza das vias e outras áreas de uso comum dos condôminos; III – o custo com a energia elétrica consumida nas áreas do projeto, seja nas unidades autônomas, seja nas áreas de uso comum dos condôminos; IV – o custo com os serviços de água potável, esgotos e drenagem de águas pluviais; e V – a coleta de resíduos sólidos e guarda em compartimento fechado ou o tratamento e deposição dos mesmos resíduos, conforme indicado pelo Poder Público. Para a viabilização patrimonial do condomínio, a norma explicita que a Convenção de Condomínio, que será registrada no Ofício de Registro de Imóveis competente, deverá conter as mencionadas obrigações.

Com relação ao encastelamento da comunidade, o art. 6º da referida norma assim dispõe:

Art. 6º Ficam estabelecidas as seguintes diretrizes especiais para os Projetos Urbanísticos com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas:

I – permissão de cercamento dos limites externos do empreendimento, de acordo com a regulamentação a ser expedida

II – permissão de colocação de guarita na via principal de entrada do empreendimento, para controle do acesso, desde que não haja qualquer impedimento à entrada de policiamento, fiscalização e servidores de concessionária de serviços públicos, devidamente identificados.

A lei distrital traz as dimensões mínimas para as unidades autônomas como sendo 125m2 (art. 11), mas, tal como as outras leis municipais acima referidas, não faz referência às áreas máximas.

No que tange à tramitação do projeto de lei que deu origem à lei complementar ora em comento (PLC n. 113/2005 DF), houve um dispositivo relevante, que constava da redação final aprovada pela Edilidade Distrital, e que foi vetado pelo Sr. Governador do Distrito Federal. Trata-se do art. 9º do Projeto de Lei Complementar n. 113, de 2005, cuja redação era a seguinte:

Art. 9º Somente será admitido o Projeto Urbanístico com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas em zonas urbanas específicas, delimitadas pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal e nos Planos Diretores Locais.

Por meio da Mensagem n. 259/2005-GAG,118 o então Governador do Distrito Federal alegou que o referido art. 9º não merecia sanção por, basicamente, dois motivos: (1) a redação era fruto de emenda parlamentar que desconsiderou o fato de que as zonas urbanas são delimitadas e instituídas pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal, mas não, propriamente, pelos Planos Diretores Locais, pelo que o disposto no art. 9º, supostamente, apresentar-se-ia de difícil consecução, já que vinculava exigência a documento que não iria tratar sobre a matéria a ele remetida; e (2) o Estatuto da Cidade estabelece como diretriz para o desenvolvimento urbano a simplificação da legislação relativa ao parcelamento, uso e ocupação do solo, pelo que o art. 9º estaria em desacordo com tal premissa.

O fato é que a regra vetada mostrava-se mais conectada a um adequado sistema de planejamento territorial integral, uma vez que previa a necessária conexão que projetos urbanísticos devem guardar com as previsões do plano diretor. Como visto, a adoção de normas urbanísticas municipais desvinculadas do plano diretor pode comprometer a correta política de desenvolvimento e de expansão urbana e, de certa forma, mitiga a máxima eficácia do comando constitucional contido no § 1º do art. 182 da Constituição Federal, segundo o qual o plano diretor é o instrumento basilar.

Vale mencionar que a referida lei complementar distrital desafiou controle de constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT, por meio da ADI n. 2007.00.2.006486-7, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Sustentou o autor, basicamente, que “a lei

118 O argumento utilizado pelo Governador para vetar o art. 9º do PLC 113/2005 na Mensagem de Veto n.

259/2005-GAG não se apresenta convincente. Em trecho do Motivos de Veto, o Sr. Governador chega a confundir o dispositivo que estava sendo vetado (o qual remetia ao Plano Diretor apenas a delimitação da zona urbana em que seriam autorizados os ditos condomínios) e, com certa impertinência, assevera que,

in verbis: “o Projeto de Lei Complementar n. 113/2005 trata de projetos urbanísticos, que são os projetos

de organização interna do lote, a forma de ocupação do lote urbano, ou seja, no caso em tela, a forma da disposição das unidades autônomas e áreas comuns. Desta forma, se constitui em procedimento distinto do processo de parcelamento do solo, no âmbito do qual é feita a divisão de uma área, com a criação de lotes, vias e praças. Portanto, o que interessa vincular ao zoneamento urbano é o projeto de parcelamento que irá criar o lote, que é regido, inclusive, por legislação específica sendo que a Lei Federal n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979, determina que só pode ocorrer em zonas urbanas e de expansão urbana”. As inconsistências da exposição de motivos do veto poderiam, em tese, ser objeto de controle constitucionalidade. A esse respeito, cfr. cfr. MENDES (1998, p. 296-297).

complementar distrital guerreada tratou de assunto que, supostamente, somente poderia ser tratado no PDOT ou em PDL, sendo que a pretensão de estabelecimento de Projetos Urbanísticos com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas – PDEU deveria ter sido objeto da revisão do PDOT ou deveria constar dos Planos Diretores Locais – PDL das respectivas regiões administrativas. Sendo assim, por não observar a sistemática supostamente estabelecida pela Lei Orgânica do Distrito Federal para o assunto, a referida lei complementar distrital padeceria de inarredável vício de inconstitucionalidade formal.

Em sessão de julgamento de 15 de abril de 2008, sob a relatoria do Des. Dácio Vieira, a Corte Especial do TJDFT, por maioria de votos, julgou improcedente o pedido, tendo o acórdão recebido a seguinte ementa:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Distrital N. 710/2005 - Projetos Urbanísticos com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas - PDEU - Estabelecimento de Condomínios Fechados - Verificação de instrumentos básicos no tocante ao ordenamento territorial e de desenvolvimento urbano no âmbito do Distrito Federal no art. 325, I, 'c' da Lei Orgânica do Distrito Federal - Ação julgada improcedente.

(Acórdão n. 310389, 20070020064867ADI, Relator: Dácio Vieira, Conselho Especial, Data de Julgamento: 15/04/2008, DJE: 16/07/2008)

Irresignado com a decisão do TJDFT, o Parquet interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, tendo o processo (RE 607.940) sido distribuído, em 19 de janeiro de 2010, para a relatoria do Min. Ayres Britto. Em 10 de dezembro de 2010, foi reconhecida a repercussão geral, sendo que, em 19 de abril de 2012, em decorrência da aposentadoria do primeiro relator, o processo passou para a relatoria do Min. Cezar Peluso, o qual – igualmente por ter se aposentado – passou a relatoria do referido recurso para o Min. Teori Zavascki.

Em sessão plenária do dia 29 de outubro de 2015, por maioria de votos, o STF negou provimento ao recurso, tendo fixado a seguinte tese:

Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor.

Vale destacar que o STF não chegou, com o devido vagar, a analisar a constitucionalidade material da referida lei complementar que autoriza o fechamento de empreendimento constituído por unidades autônomas, mesmo porque tal tema não foi objeto de argumentação na petição inicial do MPDFT, tampouco na decisão recorrida proferida pelo TJDFT.119

Na ocasião do julgamento do referido RE 607.940, o Supremo Tribunal Federal fez referência à necessária compatibilização de normas urbanísticas municipais com as diretrizes fixadas no plano diretor como forma de densificar o princípio do planejamento territorial, caracterizado pela integralidade, compatibilidade e globalidade. Em 2009, foi editada a Lei Complementar distrital n. 803 (o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT –, ora vigente, o qual revogou o antigo PDOT, que havia sido aprovado pela Lei Complementar distrital n. 17/1997). O atual PDOT (expedido oito anos após o Estatuto da Cidade) prevê, em seus arts. 45 e 78, que:

Art. 45. O condomínio urbanístico será admitido como forma de ocupação do solo urbano com base no art. 8º da Lei federal n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, sendo composto por unidades autônomas de uso privativo e áreas comuns condominiais.

§ 1º A aprovação de projetos e o licenciamento para construção em condomínios urbanísticos obedecerá à legislação em vigor no Distrito Federal.

§ 2º A área mínima da unidade autônoma será de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e a frente mínima será de 5m (cinco metros), à exceção daquelas inseridas em ZEIS, que poderão ter dimensão inferior, e na Zona de Contenção Urbana, cuja dimensão consta do art. 78 desta Lei Complementar.

Art. 78. A Zona de Contenção Urbana deverá compatibilizar o uso urbano com a conservação dos recursos naturais, por meio da recuperação ambiental e da proteção dos recursos hídricos, além de conciliar o uso habitacional com o uso agrícola, de acordo com as seguintes diretrizes:

119

A decisão proferida na sessão de 29 de outubro de 2015 foi divulgada no DJe nº 36 de 25/02/2016. A ementa do acórdão – redigida pelo Min. Teori Zavascki – expressa que, supostamente, a lei distrital é formal e materialmente constitucional, nada obstante a íntegra do acórdão evidencie que os ministros não chegaram a analisar com o devido vagar os problemas jurídicos que envolvem a validade de condomínios urbanísticos. Na própria ementa, faz-se referência a “loteamentos fechados”, mas a lei em discussão trata de condomínio urbanístico. A respeito da juridicidade e conveniência de, excepcionalmente, se admitir a revisão do julgamento, mesmo em controle concentrado, que tenha se posicionado pela constitucionalidade de uma dada norma, cfr. BENÍCIO (2000).

I – permitir o uso habitacional de densidade demográfica muito baixa, conforme os seguintes parâmetros de parcelamento:

a) área mínima do lote de 100.000m² (cem mil metros quadrados); b) as ocupações devem ocorrer de forma condominial, respeitado o limite de 32% (trinta e dois por cento) do total do lote do condomínio para as unidades autônomas e 68% (sessenta e oito por cento) do total do lote do condomínio para área de uso comum;

c) as unidades autônomas devem ser projetadas, preferencialmente, de forma agrupada, respeitada a proporção máxima de 4 (quatro) unidades habitacionais por hectare;

d) área mínima da unidade autônoma de 800m² (oitocentos metros quadrados);

e) no máximo 8% (oito por cento) da área comum do lote do condomínio poderão ser destinados a equipamentos de lazer do condomínio.

Como se pode perceber, no Distrito Federal, a designação “condomínio urbanístico” surgiu em 2009, todavia a possibilidade de parcelamento do território urbano por meio de condomínios constituídos por unidades autônomas já estava prevista, por exemplo, na Lei n. 353/1992 (primeiro Plano Diretor de Ordenamento Territorial aprovado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal), cujo art. 19 admitia, nos Setores de Mansões Park Way (SMPW), de Mansões Dom Bosco (SMDB) e de Mansões do Lago Sul (SML), a instituição de condomínios por unidades autônomas, na forma de alínea “a” do art. 8º da Lei federal n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, tendo todos área comum com a zeladoria, circulação, equipamentos de lazer e serviços.120

Com relação à área máxima do lote para o parcelamento por meio de condomínios urbanísticos, o inc. V do art. 43 da Lei Complementar n. 809/2009 (com redação dada pela Lei Complementar n. 854/2012), estabelece que, para novos parcelamentos urbanos, fica estabelecida a área máxima do lote igual a 60.000m2

120

Por força da Lei n. 495, de 20/7/1993, foram acrescidos ao rol (SMPW, SMDB e SML) duas novas localidades, a saber: Setor de Mansões Isoladas (SMI); e nas Chácaras (CH) do Setor de Habitações Individuais Sul. No PDOT atual (LC distrital n. 803/2009), ao tratar de Zona Urbana de Uso Controlado I (composta por áreas predominantemente habitacionais de muito baixa densidade demográfica, com enclaves de baixa, média e alta densidades, inseridas em sua maior parte nas Áreas de Proteção Ambiental) consta o seguinte dispositivo, no parágrafo único do art. 69: “A aprovação de projetos de fracionamento para instituição de condomínios por unidades autônomas do Setor de Mansões Park Way (SMPW), do Setor de Mansões Dom Bosco (SMDB), das chácaras do Setor de Habitações Individuais Sul (SHIS) e do Setor de Mansões do Lago Norte (SMLN) fica condicionada à consulta prévia ao órgão ambiental distrital, que estabelecerá as diretrizes ambientais para a ocupação, quando incidentes sobre Áreas de Preservação Permanente e Zonas de Vida Silvestre das APAs”.

(sessenta mil metros quadrados) para habitação coletiva ou condomínio urbanístico, exceto nas áreas integrantes da Estratégia de Regularização Fundiária.121

Verificados exemplos de normas municipais que fazem explícita referência aos condomínios urbanísticos ou condomínios de lotes, passemos, então, a analisar, no quarto e último capítulo, mais detidamente, as objeções e os aspectos controvertidos referentes a essas duas modalidades de comunidades segregadas, a fim de verificar a compatibilidade de normas municipais com o ordenamento urbanístico brasileiro.

121 Vale destacar que o §5º do art. 317 e o art. 320 da Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF)

estabelecem que o PDOT terá vigência de 10 anos, passível de revisão a cada 5 anos (a despeito de o Estatuto da Cidade autorizar revisão a cada 10 anos, ex vi do disposto no §3º do art. 40 da Lei n. 10.257/2001), sendo que só serão admitidas modificações no plano diretor de ordenamento territorial, em prazo inferior a 5 anos, “para adequação ao zoneamento ecológico-econômico, por motivos excepcionais e por interesse público comprovado”. Em virtude de o TJDFT, no julgamento da ADI n. 2009 00 2 017552-9 – TJDFT, DJe de 31/5/2010, ter declarado a inconstitucionalidade de vários dispositivos da LC distrital n. 803/2009, fez-se urgente a aprovação de norma que viesse a preencher as lacunas decorrentes do referido julgamento. Foi, por isso, sancionada a Lei Complementar n. 854/2012.

CAPÍTULO 4 A DINÂMICA RELAÇÃO ENTRE AUTONOMIA E