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CAPÍTULO 4 A DINÂMICA RELAÇÃO ENTRE AUTONOMIA E

4.2 O OCASO, DE LEGE FERENDA, DOS LOTEAMENTOS FECHADOS

4.4.1 Do tratamento assimétrico conferido pelo Estatuto da Cidade

Ao regulamentar os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelecer diretrizes gerais da política urbana brasileira, a Lei n. 10.257/2001 tratou de diferenciar Municípios, usando como critério de discrímen a existência, ou não, de plano diretor municipal.

É certo dizer que nem toda cidade brasileira é obrigada a ter plano diretor, aprovado pela respectiva Câmara de Vereadores, para regular sua política de desenvolvimento e de expansão urbana. A propósito, levando-se em consideração apenas o texto da Constituição Federal de 1988 (art. 182, §1º), o plano diretor é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes.

Segundo dados do IBGE,160 no conjunto do País, em 2013, dos 5.570 municípios constantes da pesquisa, 50% (2.785) dos municípios declararam ter plano diretor, 13,7% (763) estavam elaborando o plano e 36,2% (2.019) não o possuíam. Mesmo em 2013, levando-se em conta apenas os municípios com mais de 20.000 habitantes, dos 1.718 que necessitavam elaborar o plano diretor, conforme previsto no Estatuto da Cidade,

160 Cfr. Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC realizada pelo IBGE, em 2013. Disponível

cujo prazo era até 30 de junho de 2008, restaram 178 (10,4%) que ainda não o haviam feito; destes, no entanto, 108 (6,3%) afirmaram que o Plano estava em elaboração.

A própria Constituição Federal determina que a existência de plano diretor é fator de discrímen, condicionando a imposição, pela autoridade municipal, de sanções decorrentes da não edificação, da subutilização ou não utilização da propriedade urbana à prévia inclusão, no plano diretor, de zonas em que tais sanções serão cabíveis. Vejamos o inteiro teor do caput e respectivo §4º do art. 182 da Constituição Federal:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Com relação ao Estatuto da Cidade, a norma infraconstitucional estabelece, no art. 41, que o plano diretor é obrigatório para um espectro maior de cidades, a saber: (a) com mais de vinte mil habitantes; (b) integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; (c) onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no §4º do art. 182 da Constituição Federal; (d) integrantes de áreas de especial interesse turístico; (e) inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; e (f) incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.

Acresce que o Estatuto da Cidade, em diferentes artigos, autoriza a utilização de instrumentos jurídicos de política urbana apenas para Municípios que prevejam tais

modalidades em lei municipal baseada plano diretor (direito de preempção;161 outorga onerosa do direito de construir e do direito de alteração do uso;162 das operações urbanas consorciadas;163 da transferência do direito de construir).164

Ademais, Municípios que possuírem planos diretores suficientemente detalhados (que prevejam requisitos estabelecidos no Estatuto da Cidade) estarão dispensados de elaborar projeto específico para ampliação do perímetro urbano. Com efeito, dispõe o art. 42-B do ECid, incluído pela Lei n. 12.608/2012, que:

Art. 42-B. Os Municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano após a data de publicação desta Lei [11/04/2012] deverão elaborar projeto específico que contenha, no mínimo:

I - demarcação do novo perímetro urbano;

161 Lei n. 10.257/2001. Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência

para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. § 1o Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência. § 2o O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado na forma do § 1o, independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel.

162

Lei n. 10.257/2001 - Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. § 1o Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno. § 2o O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana. § 3o O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área. Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

163

Lei n. 10.257/2001, Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas. § 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. § 2o Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas: I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. III - a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas. (Incluído pela Lei n. 12.836, de 2013)

164 Lei n. 10.257/2001 - Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário

de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de: I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural; III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. § 1o A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput. § 2o A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à aplicação da transferência do direito de construir.

II - delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais;

III - definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais;

IV - definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda;

V - a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido;

VI - definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural; e

VII - definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público.

§ 1º O projeto específico de que trata o caput deste artigo deverá ser instituído por lei municipal e atender às diretrizes do plano diretor, quando houver.

§ 2º Quando o plano diretor contemplar as exigências estabelecidas no caput, o Município ficará dispensado da elaboração do projeto específico de que trata o caput deste artigo.

§ 3º A aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo perímetro urbano ficará condicionada à existência do projeto específico e deverá obedecer às suas disposições.

A propósito da importância do plano diretor, Victor Carvalho Pinto (2014b) ensina que a matéria reservada ao plano diretor não pode, por sua vez, ser veiculada por outros atos legislativos. Os planos urbanísticos devem ser elaborados por meio de procedimento que institucionalize o urbanismo, de modo a assegurar sua fundamentação técnica e legitimação política. “Ainda que devam ser aprovados pela Câmara Municipal, os planos não se confundem com leis em sentido material, pois carecem de generalidade e abstração. Quando muito, podem ser considerados leis de efeitos concretos, ou seja, atos administrativos revestidos de forma legal”.

Reputamos que os referidos dispositivos do Estatuto da Cidade, tanto aqueles que ampliam o rol das cidades submetidas a plano diretor quanto os que disciplinam instrumentos de política urbana, são compatíveis com nosso texto constitucional, uma vez que o inc. VIII do art. 30 da CF estabelece que os Municípios devem promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Entendemos que a discriminação contida no Estatuto da Cidade obedece à correlação lógica entre o fator de discrímen

(especificidades Municipais e aplicação de instrumentos urbanísticos) e a desequiparação procedida (exigência de plano diretor), bem como está em consonância com os interesses protegidos na Constituição (exigência de planejamento).165

Antes de passarmos ao próximo tópico, vale a pena apresentar o interessante debate sobre a possibilidade de um Município instituir instrumento de política urbana que não esteja previsto em lei federal. Indaga-se: considerando que o Estatuto da Cidade estabelece, no inc. V do art. 4º, rol de institutos jurídicos e políticos entre outros instrumentos da Política Urbana, seria válida norma municipal que criasse novo instituto jurídico urbanístico?

A esse respeito, entendemos que, em tese, sim! No silêncio de vedação federal ou estadual e desde que não subverta as regras do Estatuto da Cidade, poderá ser considerada válida a atitude legiferante do Município, em decorrência das peculiaridades locais, da função social da propriedade e a competência para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 06 de março de 2008, sob a relatoria do Min. Eros Grau, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 387.047/SC, teve a oportunidade de declarar, por unanimidade, a constitucionalidade da Lei n. 3.338/1989, do Município de Florianópolis/SC, que, à míngua de legislação federal a respeito, havia instituído outorga onerosa do direito de criar solo. Segundo consta da ementa do julgado, a constitucionalidade da lei municipal decorre do fato de ter instituído instrumento próprio da política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, bem como do fato de ser instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade.