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CAPÍTULO 1 MODELANDO A CIDADE

1.2 DIFERENCIANDO ÁREAS URBANAS DE ÁREAS RURAIS

No aspecto jurídico, a distinção entre área urbana e rural é fundamental para fins da organização político-administrativa e territorial do município, para o desempenho de competências ambientais e urbanísticas, bem como para estabelecer a política tributária aplicável sobre o território (sendo que a propriedade/posse urbana é fato gerador de tributo municipal, ao passo que a propriedade/posse rural é de tributo federal).

Ademais, em termos registrários e cadastrais, a titularidade de imóvel rural, por sua descrição mais dificultosa (uma vez que os limites e confrontações do bem não são referenciados por logradouros públicos) e por sua relevância para a preservação do meio ambiente, sujeita o proprietário a maiores rigores como, por exemplo, cadastramento no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra (nos termos dos §§ 1º, 3º e 6º do art. 22 da Lei 4.947/1966) e inscrição no Cadastro Ambiental Rural (nos termos dos art. 29 da Lei n. 12.651/2012).32

O Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964) prestigiou o critério de destinação como parâmetro para a definição de imóvel rural, desprezando expressamente sua localização

32 Sobre a dificuldade de certificação de poligonal georreferenciada de imóvel rural perante o Incra, antes

da implantação do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), por meio da Instrução Normativa n. 77, de 23 de agosto de 2013, a Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA) ajuizou, em 16/10/2012, ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4866), impugnado a exigência de certificação de georreferencimento pelo Incra (determinada pela Lei n. 10.267/2001). Segundo a autora, em sua petição inicial: “diante do elevado número de pedidos, decorrente da natural movimentação do mercado envolvendo os imóveis rurais, foi caracterizada a completa ausência de estrutura burocrática no Incra para dar vazão aos requerimentos. [...] O acúmulo passou a acarretar meses ou anos de demora na certificação, impedindo a efetivação de toda e qualquer operação que acarrete mudança no registro de propriedade”.

como fator de definição do imóvel como rural. Com efeito, segundo o inc. I do art. 4º do referido estatuto:

Imóvel Rural [é] o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.33

Por outro lado, com relação à definição do que seja imóvel urbano, nos termos do art. 32 do Código Tributário Nacional (CTN – Lei n. 5.172/1966), é urbano, para fins de arrecadação do imposto sobre a propriedade territorial urbana, o imóvel localizado na zona urbana do município. Em outras palavras, para fins tributários, adota-se o critério geográfico ou situacional para classificação de imóvel como urbano (dentro da zona urbana) ou rural (fora da zona urbana). Vale dizer que, para o legislador nacional, o conceito de “zona urbana” é explicitado nos parágrafos do mencionado dispositivo legal:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II - abastecimento de água;

III - sistema de esgotos sanitários;

IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.

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No mesmo sentido, o art. 93 do Decreto n. 59.428/1966: “Imóvel Rural, na forma da lei e de sua regulamentação é o prédio rústico de área contínua, localizado em perímetro urbano ou rural dos Municípios que se destine à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agro-industrial, através de planos públicos ou particulares de valorização”.

Pode-se dizer que a origem de toda cidade brasileira decorre da transformação do espaço rural em espaço apto a urbanizar (urbanizável) ou em espaço urbano. Tecnicamente, o espaço só deveria ser considerado urbano se, por sua relevância, recebesse tal reconhecimento distintivo por ato normativo municipal, a partir da satisfação de requisitos fáticos (como densidade demográfica e capacidade de recebimento de infraestrutura).34

Vale destacar, também, que o Decreto-Lei n. 271/1967 (que dispõe sobre loteamento urbano, responsabilidade do loteador, concessão de uso e espaço aéreo), estabelece, no § 3º do art. 1º, que:

§ 3º. Considera-se zona urbana, para os fins deste decreto-lei, a da edificação contínua das povoações, as partes adjacentes e as áreas que, a critério dos Municípios, possivelmente venham a ser ocupadas por edificações contínuas dentro dos seguintes 10 (dez) anos. (Destaque nosso)

Para racionalizar o fenômeno da concentração de indivíduos em um dado espaço, gestores procuram estabelecer anéis (manchas territoriais) onde seja possível ocupar com densidades populacionais maiores (geralmente zonas mais centrais), sendo que a densidade geralmente diminui à medida que esses anéis se afastam das áreas mais centrais, viabilizando que formas de uso e de ocupação menos densas antecedam as áreas integralmente preservadas. A admissão de densidades menores de ocupação e de menos infraestruturas urbanas geralmente se baseia no fato de que o próprio terreno de transição é capaz de absorver os impactos de uma ocupação pouco adensada e dispersa (SANTORO, 2014, p. 3).

Essas áreas de transição entre os espaços e usos urbano e rural, caracterizadas por áreas que, a critério do Município, venham a, possivelmente, ser também ocupadas

34

Como vimos no tópico 1.1.3, tal rigor nem sempre ocorreu, uma vez que, por um lado, já houve, no Brasil, legislação nacional (o Decreto-Lei n. 311/1938) que transformou em cidades todas as sedes municipais existentes, independentemente de suas características demográficas, estruturais e funcionais e, por outro lado, alguns Estados-membros não impunham maiores rigores para a ampliação de sua malha municipal. Tanto é que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal: “Com o advento da EC 57/2008, foram convalidados os atos de criação de Municípios cuja lei tenha sido publicada até 31-12- 2006, atendidos os requisitos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação”. (ADI 2.381- AgR, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-3-2011, Plenário, DJe de 11-4-2011.)

por edificações e maiores concentrações demográficas, são geralmente denominadas de áreas de expansão urbana ou áreas de urbanização específica.35

De todo modo, para fins de planejamento do município, é certo afirmar que a definição do que é urbano e rural deve ser feita a partir da aprovação de lei municipal pela Câmara de Vereadores (Câmara Legislativa no caso do Distrito Federal).

No tópico a seguir, serão apresentados aspectos controvertidos do planejamento urbano no Brasil, como forma de levantar problemas relevantes que, após a exposição – no Capítulo 2 – da sistemática de repartição de competências federativas trazida pela Constituição Federal de 1988, receberão análise mais detalhada no derradeiro capítulo da presente tese. Por exemplo, muito se discute se o município pode regular e fiscalizar construções sobre áreas rurais, ou se pode estabelecer restrições à exploração econômica sobre áreas rurais. Tais questões hauridas do tópico apresentado serão oportunamente tratadas.