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Fundamentos da política educacional na Constituição Republicana de

2.4 MATRIZES DA EDUCAÇÃO REPUBLICANA BRASILEIRA

2.4.2 Fundamentos da política educacional na Constituição Republicana de

Mesmo que o povo não tenha participado ativamente da Proclamação da República, a promulgação da Constituição de 1891 pode ser considerada um marco importante para que o Brasil rompesse com o regime monárquico. Mesmo sendo promulgada mediante forte influência da oligarquia rural, ela aboliu qualquer forma de concessão de títulos de senhorio pelo Governo a pessoas da sua confiança; instituiu a Federação Brasileira formada pela União dos Estados Membros, dos Municípios e do Distrito Federal; estabeleceu o rompimento do Estado com a igreja e determinou certas competências113 administrativas e legislativas aos Estados Membros e aos Municípios, como forma de descentralização do poder de administrar e legislar.

Assim, com o estudo do presente tópico, objetiva-se conhecer as diretrizes educacionais elencadas na Constituição Republicana de 1891 e em que medida elas poderão constituir-se em fundamentos para uma possível tradição à educação ambiental escolar brasileira.

O texto está estruturado sob três enfoques distintos, mas complementares entre si. Primeiramente, o estudo vinculou-se à análise das diretrizes educacionais positivadas na Constituição Republicana de 1891 e o papel desempenhado pelo Constituinte do mesmo ano na positivação das diretrizes da educação brasileira a ser desenvolvida pelo Governo Republicano. Posteriormente, priorizou-se a análise de algumas normas infraconstitucionais regulamentadoras daquela Constituição, no intento de verificar o papel do Estado e a influência da sociedade no desenvolvimento das políticas educacionais republicanas. A terceira abordagem é sobre as questões de meio ambiente e da educação ambiental, visto que, nesse período, o Brasil já enfrentava os reflexos e a decadência de um modelo de

econômico, começa „a aplicar na prática somente os aspectos da teoria liberal‟ que mais lhe interessa, denegando a distribuição social da riqueza e excluindo o povo do acesso ao governo”.

113“O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do

Estado federal é o da predominância do interesse, segundo a qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que, aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local (Grifos do autor) [...]. Competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções” (SILVA, 2005, pp. 478-479).

desenvolvimento rural e urbano iniciado no período colonial e se estendeu em toda fase imperial, o que custou a degradação do meio ambiente.

Tudo isso, num momento histórico em que a nossa República estava criando as condições para sua estruturação e, ao mesmo tempo, criando as bases que poderiam se caracterizar numa espécie de tradição educacional republicana brasileira e a definição do papel a ser exercido pelo educador no contexto da republicana, que estava dando os seus primeiros passos.

Brayner (2008, p. 46) entende que o “[...] principal papel do professor e do educador não é simplesmente, facilitar um conhecimento acumulado (ou à sua construção), mas apresentar o mundo a quem nele chega [...]”, ou seja, apresentar as virtudes e os ideais republicanos, bem como as bases em que deveria fundar-se a República Brasileira a fim de construir a cidadania nacional.

Diante dessa questão, Cury (2001-A, p. 70) alerta que é importante saber se “[...] houve algo de novo na educação que possibilitasse a construção de uma nova cidadania [...]”, ou seja, o que o Brasil estabeleceu sobre a educação nacional, com a implantação da República e o sistema de Governo Presidencialista, mediante a promulgação da sua nova Constituição. A respeito do assunto Renault (1987, p. 13), as coisas pouco avançaram com a República, pois, “A política da educação, por seu turno, mantém alijados o adestramento mecânico e o manual”.

O Congresso Constituinte, que era formado por uma base voltada ao republicanismo norte-americano, apesar de haver uma forte influência positivista fundamentada em Augusto Comte, realiza os trabalhos relacionados às matérias que integrarão o texto constitucional. No tocante à educação nacional:

A Constituição Republicana promulgada diz, em seu art. 35, que “incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: [...] n°2- animar, no país, o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e o comércio sem privilégios que tolham a ação dos governos locais; n° 3 criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; n° 4 prover à instrução secundária no Distrito Federal”. Entretanto, já no art. 34 impõe-se como privativo do Congresso Nacional (n° 30) o de legislar sobre o ensino superior no Distrito Federal (CURY, 2001-A, p. 76).

Dessa norma, decorre o papel a ser exercido pelo Governo Federal, que se restringe a animar a educação, sem, contudo, retirar a competência dos Estados Membros em desenvolver a educação. Trata-se de uma espécie de federalismo educacional, que descentraliza para o âmbito dos Estados Membros. Outro aspecto

a ser levado em consideração é o ensino oficial. Todo o ensino deverá ser regulamentado a partir das diretrizes do Distrito Federal ou do Congresso Nacional (CURY, 2001-A, p. 76).

Por sua vez, Cury (2001-A, pp. 76-77) destaca o art. 11 da Constituição de 1891. Ela estabelece que é vedado à União e aos Estados “[...] estabelecer, subvencionar ou embargar o exercício dos cultos religiosos”. Daí decorre o art. 72, parágrafo 6°, que “[...] será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”. Dessa forma, o Congresso Constituinte tomou posicionamento pela liberdade de culto religioso no país114. Este dispositivo constitucional extingue a religião católica como religião oficial do Império e caracteriza o Estado Brasileiro como um Estado laico, fator necessário para uma República constituída por governos democráticos.

Já o seu artigo 72, parágrafo 12, estabelece a liberdade de manifestação do pensamento a ser exercido pela imprensa e pela tribuna sem que seja estabelecida a censura nas manifestações. No entanto, cada um responderá na forma da lei, pelos abusos que porventura venha a cometer no exercício das suas liberdades individuais.

Sendo assim, o Congresso Constituinte preocupou-se em introduzir no conteúdo da norma, a liberdade de ensino mediante o art. 72 parágrafo 24. “É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”. Se por um lado, essa norma Constitucional prevê a liberdade de ensino, por outro, ela está possibilitando a existência de uma rede de ensino privado sem que tenha regulamentação oficial (CURY, 2001-A, p. 77).

Segundo o autor (2001-A, p. 77), “Como se pode inferir do conjunto destes artigos e do próprio espírito liberal-federativo da Constituição de 1891, há um silêncio a respeito da gratuidade. Em troca, determina-se a laicidade e garante-se a liberdade de profissão e de seu exercício”.

A respeito da gratuidade do ensino previsto na Constituição Imperial de 1824, é omitida pela Constituição Republicana de 1891, mas atribuída para o âmbito dos Estados. Esse episódio deve-se ao seu caráter liberal individual de que a educação, seguida da liberdade de exercício profissional decorrente dela, seria uma conquista

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Ao mesmo tempo, determina que as escolas públicas em todos os seus níveis de ensino ficam proibidas de introduzir um credo religioso nos seus currículos, extinguindo as relações entre Estado e

de cada um por intermédio dos seus próprios méritos, sem que fosse subvencionada pelo Poder Público mediante o seu financiamento (CURY, 2001-A).

Dessa forma, a República Brasileira, mediante sua primeira Constituição, exclui a massa dos libertos, dos indígenas e filhos dos trabalhadores de baixa renda do acesso à educação escolar, principalmente pela inexistência do ensino gratuito. De outra forma, como menciona o autor citado, o Governo Imperial, nos seus últimos dias, sofreu violenta pressão dos grandes proprietários a respeito da indenização pelos seus escravos libertos, fator que esvaziou os cofres públicos. Sendo assim:

De qualquer modo, não se pode dizer que a Constituinte de 1891 haja ignorado a educação escolar. Mas a se deduzir do seu conjunto, pode-se afirmar que a tônica individualista, associada a uma forte defesa do federalismo e da autonomia dos Estados, fez com que a educação compartilhasse, junto com outros temas de direitos sociais, os efeitos de um liberalismo excludente e pouco democrático (CURY, 2001-A, p. 80).

O Congresso constituinte de 1891, ao definir as diretrizes republicanas para a educação nacional, silencia quanto a suas contribuições para a formação da cidadania republicana e à construção de uma nação livre, soberana e democrática, onde o indivíduo seja dotado de competências e saberes necessários para decidir sobre suas vidas e seus caminhos. Os Deputados e Senadores “descuidaram-se” da criação de mecanismos legais, para o enfrentamento do problema da falta de acesso e permanência na escola. A escola continua sendo um privilégio para os filhos das classes mais ricas115 (Grifo nosso).

A concessão de privilégios em plena era da Constituição Republicana e democrática, que estabelecia a igualdade de todos perante a lei, era porque o Poder Público e os senhores da terra, na afirmação de Pesavento (1990, p. 40), “[...] assim agiam, porque o sistema político implantado permitia que as diferenças sociais se ampliassem e estabelecera duas classes de cidadãos: os que tinham direitos e os que só tinham deveres”. Para os primeiros eram concedidas as vantagens da lei. Para os demais, somente as obrigações estabelecidas pela norma.

igreja. Por outro lado, a Constituição não veda o exercício do credo religioso em escolas confessionais existentes no Brasil.

115Sinal disso é que “[...] em 1894, enquanto a população é de 216.655 alunos, a frequência é de

17.472, ou cerca de 8%, segundo o relatório de Alberto de Oliveira, diretor da Instrução Pública no Estado do Rio de Janeiro” (RENAULT, 1987, p. 119).

Com a descentralização do ensino, promovida pela Constituição de 1891, o Governo116 do Rio Grande do Sul promove sua reforma na educação.

A reforma do ensino primário, consubstanciada pelo Decreto de 1897, pautou-se pela garantia da estabilidade e aptidão profissional e moral do professorado, pela fiscalização severa e permanente, pela laicidade, liberdade e gratuidade do ensino, seguindo os moldes positivistas que orientavam a ação do governo gaúcho. O governo de feitura positivista movia-se pela compreensão de que a moral e a educação eram os principais elementos de garantia de ordem social, suavizadores de conflitos e veículos de acomodação dos indivíduos à sociedade (PESAVENTO, 1990, p. 81).

No tocante às questões de meio ambiente, o Congresso Constituinte silencia sobre as diretrizes ambientais voltadas ao ambiente urbano, rural e os locais de trabalho. A autora acentua a falta de higiene urbana na capital Gaúcha por volta dos anos de 1895 e a proliferação de doenças decorrentes desse problema ambiental. Para tanto:

Identificava-se basicamente a Intendência Municipal como responsável pelo desleixo, sujeira e abandono das ruas (22 dez.1895) e pela condescendência com as empresas que deveriam retirar o lixo (20 fev. 1896). As águas paradas e lixo acumulado eram focos de miasmas e o estado sanitário já péssimo da cidade tendeu a agravar-se em 1897, com o surto de varíola trazido pelas tropas que haviam regressado de Canudos e que já havia feito vítimas na Rua Baronesa do Gravataí (12 dez. 1897 Gazetinha, Porto Alegre) (PESAVENTO, 1990, p. 49).

A mesma autora afirma que a Intendência do Município de Porto Alegre, como forma de enfrentamento aos problemas advindos da produção do lixo urbano domiciliar e industrial, em 1898, municipaliza o recolhimento e acondicionamento do lixo e passa a oferecer estes serviços à população urbana. Da mesma forma, desde 1895, o Governo Gaúcho cria laboratórios de bacteriologia e química, oferecendo esses serviços à população a fim de criar condições de melhorias na saúde pública.

Quanto aos problemas ambientais que a República Brasileira enfrenta, Renault (1987) menciona que no início de 1896, a situação do Rio de Janeiro, capital da República, encontra-se em situação de precariedade. Essa situação se verifica

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Entretanto, apesar da existência dessa legislação, as denúncias a respeito dos problemas educacionais na capital eram frequentemente publicadas pela imprensa local. Em 16 de julho de 1895, a Gazeta da Tarde denuncia o descaso com os menores de rua, que deveriam estar frequentando uma escola. De igual forma, é o caso da farsa dos exames preparatórios. Estudantes

também em outras cidades do Brasil. Na Capital da República, a companhia de esgoto urbano, a City Improvements, diante da sua dificuldade financeira, interrompe seus trabalhos de instalação do esgoto em vários bairros da cidade, como na Praia do Russel, em Botafogo e na Ladeira de São Bento. Mesmo assim, a população paga altas taxas pela prestação de serviço público precário.

A expectativa da reforma educacional a ser positivada na Constituição de 1891, não foi suficiente para trazer à discussão os temas nacionais de relevância, como é o caso da educação ambiental na escola republicana brasileira. Nem mesmo as questões de meio ambiente e a função socioambiental, como requisito da função social da propriedade rural foram suficientes para mobilizar o Congresso Constituinte a fim de incluí-la naquela Constituição. Parece que a educação ambiental e as questões ecológicas de um modo em geral, não tiveram importância naquele momento de transição do Império para a República.

Renault (1987) informa que, por volta de1890, são escassas as fontes sobre o ensino no Brasil. A ausência de faculdades de filosofia, ciências e letras, aumenta o desinteresse pelo estudo nessas áreas, fator que não ocorreu no mundo ocidental. A falta de recursos orçamentários para desenvolver a educação republicana é uma realidade presente no Brasil. Se por um lado, alguns colégios destinados aos filhos das classes ricas recebem investimentos públicos em materiais, por outro, pouco foi feito para renovar e atualizar os métodos de ensino a fim de adequar o sistema educacional à realidade republicana que o Brasil estava assumindo nesse período.

Segundo Cury (2001-B) a Constituição de 1891 não facilitava a introdução de emendas. Mesmo que o seu artigo 90 das Disposições gerais previa essa possibilidade, a aprovação de projetos de emenda dependia de um processo legislativo muito complexo. Mesmo assim, um grupo de 111 Deputados governistas apresentou um Projeto de Emenda Constitucional – PEC em 2 de julho de 1925, propondo emendas que envolvia uma série de matérias, dentre elas a educação brasileira. O projeto foi aprovado e incorporado ao texto constitucional no dia 7 de setembro de 1926. Importa salientar que, as mudanças constitucionais ocorridas nesta ocasião e as promovidas posteriormente, não foram objeto de estudos da presente pesquisa, que considera como tradição educacional brasileira os eventos ocorridos no período colonial, imperial e a instalação de República.

que apresentam uma carta de alguma pessoa influente sobre o Estado eram aprovados sem o mínimo de conhecimentos exigidos (PESAVENTO, 1990).

Embora essa Constituição tenha promovido a repartição de competências administrativas e legislativas para o âmbito dos Estados Membros e dos Municípios brasileiros, no entender de Venâncio Filho (2001, p. 117), “[...] em matéria de educação, pouco progredimos com ela, embora o fortalecimento dos poderes estaduais sobre a matéria permitia a eclosão dos movimentos renovadores que se instaurou a partir de 1930”.

Mesmo assim, com a eclosão de movimentos voltados a uma nova compreensão de educação para o Brasil, segundo Rocha (2001, p. 120) “As reformas de ensino introduzidas pela Revolução de 1930 restringiram-se ao nível do ensino para as elites: o secundário e o superior. O Estado Novo, em educação, não é outra coisa senão a reação da velha tradição patrimonialista contra as inovações modernizantes que vinham se introduzindo na sociedade brasileira desde os anos de 1920 até a primeira metade dos anos de 1930”.

Por sua vez, o Congresso Constituinte de 1891 perdeu a oportunidade de constitucionalizar diretrizes que pudessem proporcionar as primeiras condições à implantação daquilo que Brayner (2008, p. 71) convencionou chamar de “republicanismo escolar”, no caso da presente pesquisa, o republicanismo escolar ambiental, assunto que será tratado nos capítulos posteriores.

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3 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO UM PARADIGMA EMERGENTE DA