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Da legitimidade para provocar o controle interno do ato ímprobo

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 82-85)

4 A FASE ADMINISTRATIVA DA PERSECUÇÃO

4.3 Da legitimidade para provocar o controle interno do ato ímprobo

No caso de ocorrência de atos de improbidade administrativa, a Administração deverá agir de ofício com o fim de prevenir ou reprimir condutas irregularidades. Mas, poderá também atuar mediante a provocação de pessoa estranha ao serviço público.

Por disposição legal, a eventual comunicação de conduta ímproba deverá ser feita através de representação à autoridade administrativa para que seja instaurada a investigação de caráter interno dos fatos denunciados, conforme o caput do art. 14 da Lei 8.429/92.

Cumpre sublinhar que a instauração da investigação administrativa poderá ser deflagrada também por requisição do Ministério Público, nos termos do art. 22 da Lei de Improbidade.

Não obstante, a lei faculta a qualquer pessoa a comunicação do fato irregular à autoridade competente, para que promova a devida investigação da conduta a ela denunciada.

No que diz respeito à validade da representação à autoridade, nenhuma qualidade especial é exigida da pessoa que a efetua, nem mesmo a capacidade civil para a prática de atos jurídicos em geral, regulada pelos art. 3º a 5º do Código Civil.

Tal afirmação poderá soar contraditória com o art. 14 da Lei 8.429/92, na medida em que seu § 1º dispõe que a representação conterá a qualificação e a assinatura do denunciante, denotando que se trata de ato jurídico solene cuja validade dependeria da plena capacidade civil do seu autor.

Entretanto, a interpretação mais cuidadosa do mencionado dispositivo não autoriza a conclusão de que somente pessoas absolutamente capazes e alfabetizadas terão legitimidade para efetuar representação.

A lei contém, na melhor das hipóteses, uma pressuposição fundada na expectativa de que, no mais das vezes, a denúncia será feita por pessoas nestas condições.

Mas daí a concluir que incapazes ou analfabetos não possam efetuar a representação vai uma enorme distância.

Imagine-se, por exemplo, uma denúncia de corrupção oferecida por uma pessoa com pequeno grau de retardo mental ou analfabeta, trazendo provas ou indícios do ilícito (um vídeo, por exemplo). Uma pessoa nestas condições não possivelmente poderá assinar o termo de depoimento prestado à autoridade, caso em que, segundo a interpretação literal dos §§ 1º e 2º do art. 14, a autoridade teria que rejeitar de plano a representação.

Todavia, a rejeição da denúncia, em tais circunstâncias, certamente irá contra o interesse público, em nome de um formalismo que não se sustenta.

Embora transpareça do texto legal que a representação deva ser solene, formal e praticado por agente capaz, um pouco mais de reflexão sobre a natureza jurídica deste ato conduzirá a conclusão diversa.

Com efeito, a plenitude para os atos da civil (art. 5º do Código Civil) somente é indispensável nos casos em que eles possam produzir efeitos contra o declarante da vontade, ou seja, nos chamados negócios jurídicos.

A plena capacidade é irrelevante quando se trata de ato que constitui apenas a comunicação de um ato ilícito de ordem civil, penal ou administrativa. É que nestes casos estamos diante de um fato jurídico, que nem mesmo necessita do concurso humano para produzir efeitos.

Por fatos jurídicos, na lição de Sílvio Rodrigues114, são aqueles eventos provindos da atividade humana ou de fatos naturais, capazes de ter influência na órbita do direito, por criarem, ou transferirem, ou conservarem, ou modificarem, ou extinguirem relações jurídicas.

Constata-se que até mesmo fatos naturais, sem qualquer interferência humana, são capazes de produzir efeitos jurídicos. É o caso de um raio que destrói um bem objeto de contrato de seguro. Nenhuma interferência humana ocorreu neste caso, mas o evento natural poderá dar origem à indenização, se assim for permitido pela avença.

Em sentido semelhante, não importa de que modo a irregularidade chegou ao conhecimento da autoridade. Pode ter sido pelo ato voluntário de uma pessoa, pela boca irracional de um cão ou pela força do vento.

O ato de improbidade acarreta conseqüências de ordem administrativa, civil e penal. Por si, é um fato jurídico. Se chegar ao conhecimento da autoridade, pouco importa o meio. Cabe a ela apurá-lo.

É o que ocorre, na órbita criminal, quando um incapaz efetua notitia criminis como vítima de um delito, notadamente aqueles praticados com violência contra a pessoa. A incapacidade da vítima não constitui, absolutamente, empecilho à configuração do delito. Ao contrário, poderá ser até mesmo um elemento do tipo penal, como ocorre na presunção legal de violência nos crimes contra a liberdade sexual, a teor do art. 224 do Código Penal.

Da mesma forma, se um incapaz ou analfabeto promove a denúncia de um ato de improbidade, a autoridade administrativa deve colher o seu depoimento e dar início às investigações, a não ser que os fatos narrados pelo denunciante não façam o menor sentido ou sejam notoriamente desmentidos pelas circunstâncias em que são apresentados.

Por tais fundamentos, a ausência de capacidade ou de alfabetização do autor da representação não pode ser motivo para a sua rejeição pela autoridade, se os fatos por ela apresentados são plausíveis e indicadores de conduta ímproba.

No que toca às responsabilidades pelo oferecimento da representação, cabe o alerta de que o denunciante deverá atuar com cuidado, pois caso se verifique que a notícia era falsa e que isso era do conhecimento do autor da representação, estará sujeito a processo criminal.

Sobre isso, o art. 19 da Lei 8.429/92 prevê pena de seis a dez meses de detenção, cumulada com multa, para aquele que dolosamente promover representação contra agente público que sabe inocente.

Contudo, tendo-se em conta o princípio lex posterior derogat priori (§ 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil), tal dispositivo foi parcial e tacitamente revogado pelo art. 1º da Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000, que deu nova redação ao art. 339 do Código Penal e incluiu entre as condutas típicas do crime de denunciação caluniosa o ato de dar causa à instauração de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém,

imputando-lhe crime de que o sabe inocente.

A pena, neste caso, será muito mais grave, pois consistirá em reclusão de dois a oito anos e multa.

Houve parcial revogação porque o enquadramento no art. 339 do Código Penal somente ocorrerá nos casos em que a conduta indevidamente atribuída ao agente público constituir crime, na expressa dicção do art. 399 do Código Penal.

É sabido, no entanto, que nem todas as condutas que a lei considera ímprobas são tipificadas como crime, o que, em regra, acontece nas condutas culposas previstas no art. 10 da Lei 8.429/92, hipótese em que a falsa imputação de improbidade deverá subsumir-se ao art. 19 da mesma lei.

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 82-85)