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Da prescritibilidade da ação de ressarcimento

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 130-133)

6 DA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO POR IMPROBIDADE

6.3 Da prescritibilidade da ação de ressarcimento

Outra pungente controvérsia diz respeito à suposta imprescritibilidade da ação de ressarcimento no caso de prejuízos causados por ato de improbidade, em face da redação do § 5º do art. 37 da Constituição Federal.

Diz este dispositivo que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, causadores de prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas

ações de ressarcimento.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é remansosa no sentido da imprescritibilidade179. O mesmo entendimento foi manifestado pelo Supremo Tribunal Federal180.

Esta tese é acolhida por respeitável parcela da doutrina181, mas rejeitada por outra182, que defende a idéia de que o § 5º não prevê a imprescritibilidade da ação de ressarcimento, mas apenas faz ressalva quanto aos prazos estipulados no direito comum para ação deste tipo.

É o caso de Ada Pellegrini Grinover183 para quem a imprescritibilidade significa um rompimento com larga tradição legislativa e mostra-se contrária aos princípios gerais que regem o instituto prescricional.

Lembra a citada autora que, tendo a mesma natureza, porquanto visa defender o interesse público (moralidade e probidade administrativa, reparação ao erário), a ação popular está sujeita ao prazo extintivo de cinco anos (art. 21 da Lei 4.717/65), que é comum a todos.

179 Recurso Especial 1.107.833/SP; Recurso Especial 1.038.762/RJ; Recurso Especial 894.539/PI.

180 Mandado de Segurança 26.210/DF.

181 Marcelo Figueiredo, Probidade administrativa, p. 247; Wallace Paiva Martins Júnior, Probidade

administrativa, p. 384; José Antonio Lisbôa Neiva, Improbidade administrativa, p. 217-218.

182 Marino Pazzaglini Filho, Lei de improbidade administrativa comentada, p. 232-233.

E, assim, conclui que a regra do § 5º do art. 37 da Constituição não estabelece taxativamente a imprescritibilidade da pretensão ao ressarcimento do erário, estando também esta pretensão sujeita aos prazos prescricionais estatuídos no plano infraconstitucional.

Trilhando caminho semelhante, Clito Fornaciari Júnior184 aponta equívoco dos tribunais brasileiros ao acolher o entendimento de que o § 5º do art. 37 estabelece a imprescritibilidade da ação de ressarcimento. Aduz que a imprescritibilidade somente ocorre de forma anômala e mediante previsão expressa em nosso sistema jurídico, o que não seria o caso.

Para este autor, seria contraditória a previsão da imprescritibilidade na Constituição para questões de ordem patrimonial, quando usa fazê-lo somente diante de questões maiores, como no caso do crime de racismo e do atentado contra a ordem constitucional (art. 5º, incisos XLII e XLIV).

A seu ver, a redação do § 5º indica, na verdade, a dispensa de um novo diploma para estabelecer a prescrição da ação de ressarcimento, diante da existência de leis para suprir a matéria ou, quando não, como limitação material do preceito que surgiria voltado somente para cuidar dos ilícitos de natureza criminal.

Sustenta Clito Fornaciari Júnior que a Lei 8.429/92 não faz distinção entre as sanções previstas no art. 12 e assim também não poderia distinguir os prazos prescricionais, de modo que o prazo de prescrição para a ação de ressarcimento também deve ser de cinco anos, como previsto no art. 23. Em última análise, este também é o prazo fixado no art. 21 da Lei 4.717/65 e no Decreto 20.910/32, o que só reforçaria a tese do prazo qüinqüenal.

Em linhas gerais, este entendimento também é esposado por Mauro Roberto Gomes de Mattos185.

Também Sérgio Honorato dos Santos186 se posta contra a tese da imprescritibilidade da ação de improbidade com objetivo de ressarcimento. Para tanto, serve-se de valores constitucionais formados por normas, dispositivos e princípios.

Entende que o § 5º do art. 37 da Carta Magna apenas autoriza que a lei específica, ao regular os prazos prescricionais, exclua as ações de ressarcimento. Assim, a essa matéria poderia ser aplicada a regra já disciplinada na lei geral, o Código Civil, o qual adota o prazo de dez anos para a prescrição, quando a lei não fixar prazo menor (art. 205).

184Prescrição das ações de ressarcimento..., p. 33-37.

185 Do instituto da prescrição como fator impeditivo à instauração do inquérito civil..., p. 37-39.

Como fundamentos para o seu entendimento, diz que: a) a imprescritibilidade é exceção no direito; b) a Constituição não afirma peremptoriamente que são imprescritíveis as ações de ressarcimento; c) o tratamento diferenciado, em prol da Fazenda Pública, viola a segurança jurídica das relações sociais e não guarda sintonia com o Estado Democrático de Direito, onde deve imperar o princípio da igualdade.

Na sinopse doutrinária que se acaba de fazer, avulta o argumento de que a imprescritibilidade é exceção em nosso sistema jurídico, diante do paradigma prescricional como instituto tranqüilizador da sociedade.

Partindo desta premissa hermenêutica, espera-se do Poder Constituinte que as exceções à prescritibilidade das ações sejam adotadas de forma expressa e indubitável, como ocorre nos crimes de racismo e nas ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLII e XLIV, da Constituição).

Não é o que acontece no dispositivo constitucional em debate, em que a imprescritibilidade é apenas deduzida, diante da afirmação textual de que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos de improbidade, ressalvadas as respectivas ações de

ressarcimento.

Nestes termos, embora a interpretação literal do § 5º do art. 37, ora em cotejo, possa realmente conduzir ao entendimento de que a ressalva às ações de ressarcimento indique a sua exclusão do regime da prescritibilidade, não parece ser a interpretação mais consentânea com a nossa tradição jurídica e nem a mais razoável sob o aspecto sistemático.

O que se verifica é que o Poder Constituinte não foi feliz ao adotar a redação deste parágrafo, provocando este estado geral de dúvidas.

De qualquer modo, pode-se chegar à conclusão de que não houve a intenção de tornar imprescritível a ação de ressarcimento em razão de danos causados por atos ímprobos, diante da interpretação sistemática dos §§ 4º e 5º do art. 37 da Constituição.

Não se pode esquecer que os referidos dispositivos criaram um tertium genus no sistema de repressão e punição judicial dos atos de improbidade, que até então se resumiam às sanções penais (crimes de corrupção, concussão e outros do Código Penal) e a ação civil de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário (Lei 3.502/58 combinada com o Código Civil).

A cominação irrestrita a qualquer agente público da suspensão dos direitos políticos e da perda da função pública foi algo bastante inovador, pois antes só eram aplicáveis a agentes

políticos em ações por crimes de responsabilidade, nos termos da Lei 1.079/50 e do Decreto- lei 201/67.

É curial que se criou algo novo, sem, no entanto, suprimir o que já existia em matéria de repressão aos atos de improbidade administrativa. Um novo regime de punição foi instituído e agregado aos já existentes.

Encontra-se aqui o fundamento para a ressalva existente não apenas no § 5º, mas também no § 4º do art. 37, onde houve a mesma preocupação.

Não foi desejo do Poder Constituinte suprimir ou substituir a esfera penal ou a cível na repressão aos atos de improbidade, mas de agregar uma terceira via, diante da clara insuficiência das outras duas.

Todavia, era preciso deixar isso claro, pois em ambos os dispositivos constava a necessidade de lei para regulamentar a matéria, o que poderia levar à interpretação de que a punição aos atos de improbidade não mais poderia ser feita através de sanções penais típicas e da via reparatória comum do Direito Civil, mas somente por meio de nova lei que viesse a tratar do assunto, o que certamente daria origem a um gravíssimo vácuo legislativo.

Por isso a preocupação do Poder Constituinte, no § 4º, de sublinhar que os atos de improbidade seriam punidos na forma da nova lei, sem prejuízo da ação penal cabível. E no § 5º, de dizer que a lei estabeleceria os prazos de prescrição para ilícitos praticados por agentes públicos, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Com estas duas ressalvas, preservou-se tanto o regime penal como o regime civil de punição dos atos de improbidade, sem quebrar a harmonia sistemática com o novo regime em vias de implantação legislativa.

Destarte, a ressalva do § 5º não teve o objetivo de instituir a imprescritibilidade para as ações de ressarcimento dos prejuízos causados por atos de improbidade, mas apenas de esclarecer que um novo regime de punição era instituído, sem prejuízo daqueles já existentes.

Por tais fundamentos, não parece acertada a tendência hoje predominante no Supremo Tribunal Federal e principalmente no Superior Tribunal de Justiça, de considerar imprescritíveis as ações de ressarcimento. Com a devida vênia, não o são e devem se submeter aos prazos prescricionais do art. 23 da Lei 8.429/92.

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 130-133)