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Procedimento administrativo e inquérito civil

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 92-96)

4 A FASE ADMINISTRATIVA DA PERSECUÇÃO

4.7 Procedimento administrativo e inquérito civil

Ao cuidar da fase administrativa de apuração dos atos de improbidade, a Lei 8.429/92 alberga duas possibilidades de procedimentos, uma delas instaurada pela autoridade do órgão onde se deu a conduta desviante e outra deflagrada no âmbito investigativo do Ministério Público.

Para nenhum destes procedimentos há minuciosa previsão dos atos a serem praticados, embora se deva reconhecer que o pouco que existe é de grande importância porque dá contornos mínimos à investigação e cria para o administrador público o dever de apurar as irregularidades que chegarem ao seu conhecimento.

Mas é fato que nem mesmo em relação à denominação da investigação o legislador foi muito preciso. A denominação não é fundamental para definir a natureza e os fundamentos da

122 Mostra-se válida a transcrição de trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence: “Não obstante, não tenho

dúvida alguma de que nem como prova, nem mesmo como elemento de informação da persecução penal a delação anônima possa ter qualquer valia, isso em função de outros princípios constitucionais do processo. Por outro lado, também reafirmo que a delação anônima não isenta a autoridade que a tenha em mãos dos cuidados para apurar a sua verossimilhança, ou a sua veracidade, e, em conseqüência, instaurar o procedimento formal”.

investigação, mas uma maior precisão do legislador quanto a esse aspecto contribuiria para tornar o texto legal mais claro.

A lei utilizou indistintamente a expressão inquérito no art. 7º e procedimento

administrativo no art. 15.

Contudo, no Capitulo V, onde estão localizadas as normas de caráter procedimental, a apuração é intitulada “processo administrativo”, circunstância que torna esta denominação preferível a inquérito.

A utilização do nome processo administrativo tem a vantagem de evitar confusões com a investigação eventualmente realizada pelo Ministério Público e que deve receber o nome de inquérito civil, em laços de coerência com a denominação utilizada no § 1º do art. 8º e no art. 9º da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85).

Ademais, a denominação processo administrativo transmite a idéia de procedimento administrativo punitivo, de caráter interno e que atua como instrumento do direito administrativo disciplinar, tendo como sujeito passivo o servidor público em acepção lata.

Distingue-se o processo administrativo da denominada sindicância, definida por Ada Pellegrini Grinover123 como “meio de apuração sumária, prévia em relação ao processo

administrativo e destinada a colher elementos informativos para a instauração, ou não, do processo administrativo ‘stricto sensu’”.

Bem observa aquela autora que a sindicância, embora não tenha, geralmente, caráter punitivo, não deixa de ser uma espécie de processo administrativo, havendo até mesmo casos em que a legislação prevê a possibilidade de resultar em aplicação de penalidade.

É o que ocorre, por exemplo, o inciso II do art. 145 da Lei 8.112/90, que institui o Regime Jurídico Único dos servidores públicos da União. Neste dispositivo, é prevista a hipótese de aplicação de advertência ou suspensão de até trinta dias ao servidor, sendo-lhe garantida, porém, a ampla defesa, conforme dispõe o caput do art. 143.

No que diz respeito aos aspectos formais do processo administrativo previsto na Lei 8.429/92, o legislador não entendeu necessário descer a maiores detalhes, limitando-se a indicar a sua forma deflagração (art. 14), a sua condução por uma comissão (art. 15) e algumas comunicações a serem feitas ao Ministério Público, ao Tribunal ou Conselho de Contas e à procuradoria do órgão interessado (art. 15 e 16).

O texto legal é bastante frugal quanto às questões procedimentais e sem dúvida exige esforço exegético doutrinário e jurisprudencial para ser compreendido em toda a sua extensão, sem dúvida muito maior do que transparece à simples leitura dos citados dispositivos.

Ressalta a Lei de Improbidade, no § 3º do seu art. 14, que em se tratando de atos imputados a servidores públicos federais, o procedimento a ser adotado na apuração administrativa é aquele previsto dos art. 148 a 182 da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais). Exceção é feita aos servidores militares, que devem observar normas próprias.

A respeito dessa remissão legal, cabem duas observações, sendo uma delas a incompreensível ausência de menção aos art. 143 a 147 da Lei 8.112/90, que também integram as regras do processo administrativo disciplinar, aplicável aos servidores públicos federais civis, e congregam normas importantes, inclusive o dever agir de ofício para instaurar o procedimento se a autoridade tiver ciência de irregularidade no serviço público (art. 143).

Esta omissão legislativa, contudo, não tem o condão de tornar inaplicável a parte omitida, pois além de ser parte indissociável do procedimento, constitui, em alguns dos seus aspectos, corolário de regras e princípios constitucionais, como a moralidade e eficiência administrativa (caput do art. 37 da CF), de modo que fica suprida a omissão.

Por outro lado, o legislador teria sido bastante feliz se tivesse previsto expressamente a possibilidade da aplicação supletiva deste procedimento aos órgãos administrativos que não contem com procedimento previsto em lei própria, como certamente ocorre com inúmeros municípios de menor porte e que não raramente se ressentem da falta deste tipo de medida legislativa.

A previsão de aplicação suplementar ou subsidiária das apontadas normas facilitaria ainda mais o combate aos atos de improbidade, afastando a possibilidade de eventual inércia investigativa sob o pretexto de inexistir previsão legal para o respectivo procedimento.

Entretanto, haja ou não regras próprias e específicas, qualquer ato de improbidade pode ser delatado e deve ser apurado no âmbito administrativo, pois assim o autorizam os art. 14 e 15 da Lei 8.429/92.

Os atos procedimentais não precisam observar regras rígidas, bastando que se observem os princípios constitucionais aplicáveis ao caso, sendo absolutamente legítimo que, em última análise, se adote, de forma supletiva, o procedimento aplicável aos servidores públicos federais, e até mesmo, naquilo que se fizer necessário, a Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Inadmissível é que o administrador público deixe de apurar denúncias de atos de improbidade que cheguem ao seu conhecimento, hipótese em que ele próprio poderá estar incorrendo em conduta ímproba, a teor do inciso II do art. 11 da Lei 8.429/92, que considera ato de improbidade retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.

Importante ressaltar que ao investigado ou indiciado sempre deverão ser garantidos o contraditório e a ampla defesa, como determina expressamente o inciso LV do art. 5º da Constituição Federal.

Também deverão ser respeitados os princípios da publicidade (caput do art. 37 da CF) e da motivação dos atos administrativos.

Isso implica em proporcionar ao investigado o pleno conhecimento das suspeitas que pesam sobre ele e também em dar-lhe oportunidades para que faça sua defesa e apresente suas provas, sempre com prazos razoáveis, de acordo com a necessidade de cada situação.

Todo o procedimento deverá estar documentado por escrito e organizado em forma de autos processuais, iniciando-se com o ato da autoridade que determinar a abertura da investigação (portaria, resolução, ordem de serviço etc), seguida do documento que contém a representação contra o ato ímprobo. A partir daí, devem ser encartados os demais atos de documentação, como notificação do servidor para se defender, intimações de testemunhas, termos de depoimentos, despachos da autoridade processante e certidões eventualmente lançadas nos autos.

O desfecho do procedimento administrativo deve ser feito com o relatório da comissão processante, onde será lançado um resumo dos fatos e das providências adotadas durante o procedimento, culminando com a indicação das providências que eventualmente forem necessárias, como a proposta de aplicação de penalidade administrativa e o encaminhamento de cópias ao Ministério Público para o fim de ajuizar ação por improbidade ou ação penal.

Anota Ada Pellegrini Grinover124 que, no Estado de Direito, a administração pública está sujeita aos princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, que devem preceder toda e qualquer imposição de pena. Neste contexto, a ação administrativa deve ser informada por um mínimo denominador comum, observando-se as seguintes linhas fundamentais: a) a publicidade dos procedimentos; b) o direito de acesso aos autos administrativos; c) a condenação do silêncio, com sanções aos responsáveis; d) a obrigação de motivar; e) a obrigatoriedade de contraditório e ampla defesa na formação de atos pontuais restritivos de direitos e de atos compositores de conflitos de interesses.

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 92-96)