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5 ABORDAGEM INICIAL DA AÇÃO POR IMPROBIDADE

5.1 Definição

A Constituição Federal, ao estabelecer os parâmetros para a atuação dos agentes públicos, obriga-os a observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 37, caput), além de estabelecer outras regras que concernem à Administração Pública, como aquelas atinentes a contratos públicos, ao regime jurídico dos servidores públicos e à responsabilidade civil do Estado.

Em conexão com os princípios da legalidade e moralidade, preceitua a Carta Magna que os atos de improbidade levarão à suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, na forma e gradação legal, sem prejuízo da ação penal cabível (§ 4º do art. 37).

No plano legislativo ordinário, a sanção aos atos de improbidade é disciplinada pela Lei 8.429, de 02 de junho de 1992. Excetuam-se apenas as hipóteses em que os atos de improbidade são punidos como crimes de responsabilidade (Lei 1.079/50 e Decreto-lei 201/67). Isso sem prejuízo das sanções penais em processo criminal, como reza o citado dispositivo constitucional.

Surge a preocupação metodológica com a definição da ação por improbidade administrativa, sobretudo para determinar com precisão os seus contornos e no que ela comunga ou contrasta com outras ações.

Segundo Aristóteles127, aquilo que é peculiar a uma coisa pode ser classificado em

definição e em propriedade, onde definição corresponde a descrever a essência da coisa e propriedade a tudo que dela faz parte, embora não forme a sua essência. Assim, a definição é uma frase que significa a essência de uma coisa, enquanto uma propriedade é um predicado que não indica a essência, embora pertença a ela e dela se predica de maneira conversível.

Neste sentido, podemos afirmar que a razão é o atributo que constitui a essência do homem, pois nenhum outro ser o possui em grau aproximado. A razão é algo que está presente somente no homem, constituindo a sua definição: o homem é um ser racional.

Por outro lado, Aristóteles lembra que o sono e o caminhar são propriedades do homem, já que ele dorme e caminha. Todavia, embora façam parte dos seus atributos, não são exclusivos dele, pois outros seres fazem o mesmo.

Aplicando aqui este modo de pensar, é inviável definir a ação por improbidade, pois ela nada tem que seja essencial, não tem qualquer atributo que possa ser considerado exclusivo, tendo em conta o seu objeto, rito, legitimidade de agir ou sanções.

Há outras formas na ordem jurídica nacional de combater a improbidade e de aplicar inclusive as mesmas sanções, como a ação popular (Lei 4.717/65), o julgamento por crime de responsabilidade (Lei 1.079/50), a ação civil pública (Lei 7.347/85) e mesmo as ações penais comuns, em se considerando as punições previstas no art. 92 do Código Penal.

Pode-se afirmar, pois, que na ação por improbidade nada é exclusivo, salvo a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios (incisos I, II e III do art. 12 da Lei 8.429/92), o que, contudo, não pode ser traço distintivo, visto que se trata apenas de uma sanção eventual ao ato ímprobo.

Mesmo não sendo passível de uma definição no sentido aristotélico, é insofismável que a ação por improbidade tem identidade própria. Se isso ocorre, todavia, não é porque ela tenha algum atributo exclusivo, mas sim pelo peculiar conjunto das suas propriedades.

Somente ela reúne elementos que anteriormente estavam pulverizados em ações de naturezas diversas e que, exatamente por isso, dificultavam sobremaneira a eficaz punição dos atos de improbidade.

Antes dela, apenas em julgamentos por crimes de responsabilidade era possível aplicar sanções como a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública, conforme a Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, e o Decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967. Em ações penais, só como sanções secundárias, desde que satisfeitas as condições do art. 92 do Código Penal.

Contudo, os julgamentos políticos raramente acontecem no Brasil, circunstância que torna este sistema punitivo absolutamente ineficiente para o controle da improbidade administrativa.

A punição criminal também peca pela ineficácia, sobretudo pela demora dos processos que freqüentemente desembocam na prescrição e na conseqüente extinção da punibilidade do agente, fenômeno que se agigante nas hipóteses de foro privilegiado, em decorrência da insuficiência estrutural do Superior Tribunal de Justiça e principalmente do Supremo Tribunal Federal para instruir e julgar ações desta natureza.

Justamente por isso a ação por improbidade veio a se constituir num importante instrumento para a repressão aos atos de improbidade. Esta expectativa, porém, ficou bastante frustrada diante da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal128 no sentido de excluir os agentes políticos do âmbito da ação por improbidade e submetê-los exclusivamente ao julgamento por crime de responsabilidade, em que prevalece o foro privilegiado.

Outra vantagem da lei é que, com a multa civil e a proibição de acesso a incentivos fiscais ou creditícios, foi ampliado o leque de sanções por desvios de conduta na Administração, o que pode tornar ainda mais eficaz a punição por desmandos no trato da coisa pública.

Ponto fundamental é a atribuição de legitimidade concorrente disjuntiva ao Ministério Público e ao próprio ente político interessado na punição do ato ímprobo (art. 17, caput, da Lei 8.429/92), o que confere maior efetividade à pretensão punitiva deste tipo de conduta.

A favor da ação de improbidade há também o fato de que o seu prazo prescricional, fixado em cinco anos (inciso I do art. 23), somente passa a fluir do momento em que termina o mandado, cargo em comissão ou função de confiança, o que dificulta a consumação da prescrição, se comparada com a prescrição penal.

Com efeito, no âmbito penal a prescrição começa a correr da data da prática do ato criminoso (art. 111, incisos I e III, do Código Penal), ao qual pode suceder ainda muito tempo no exercido da função ou cargo, de forma a dificultar ou até mesmo inviabilizar a verificação do ato delituoso e a sua punição.

Ainda na seara prescricional, a ação por improbidade tem a vantagem de interromper a prescrição a partir do momento em que é proposta, assim permanecendo enquanto durar o processo, como em qualquer ação de natureza civil, por força do inciso I do art. 202 do Código Civil, combinado com § 1º do art. 219 do Código de Processo Civil.

Não há nela a possibilidade de prescrição intercorrente, como ocorre nas ações penais (§ 2º do art. 117 do Código Penal), que freqüentemente provoca a extinção da punibilidade do réu em função da demora na apuração do crime ou da lentidão do processo judicial.

A reunião de todos estes elementos faz da ação por improbidade algo novo, com identidade própria, embora nada nela seja exclusivo. Distingue-se, sobretudo, por se constituir em procedimento de natureza civil, como modelo alternativo para a punição das condutas ímprobas dos agentes públicos.

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010 (páginas 98-101)