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GRUPO DE PESQUISA POR ÁREAS DE CONHECIMENTO

3.2.3 Danielle Perin Rocha Pitta

Aluna de Durand na graduação em Grenoble, a partir de 1967, Danielle Rocha Pitta conta que, no mestrado, podia escolher entre um professor especializado em Auguste Comte e outro em Gilbert Durand: “Não tive dúvidas. Foi então que iniciei a leitura das ‘Estruturas Antropológicas’, que me seduziram”. Ela entende imaginário da mesma forma que Durand, isto é, “o conjunto de imagens que constitui o capital pensado da humanidade, assim como uma função psíquica em constante atividade mediando o nosso relacionamento com o universo”. A contraposição ao cartesianismo foi o que a levou a estudar o imaginário, uma vez que o cartesianismo, segundo ela, pelo menos o que é divulgado nos meios acadêmicos, “supervaloriza a razão, principalmente no que diz respeito ao conhecimento: a razão seria o único meio válido de conhecimento”. Ora, diz Danielle, já a fenomenologia vai mostrar a importância da intuição, e Bachelard, então, vai falar em fenomenologia poética. O antropólogo, que observa outras culturas, sabe que o conhecimento passa por dimensões diversas através, justamente, do imaginário, que caracteriza uma cultura como um todo. A razão sozinha elabora métodos que dão resultados “desencarnados”, desencantados, afirma a

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Professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com doutorado pela Université de Grenoble e pós- doutorado pela Sorbonne - Paris V. Coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre o Imaginário, que existe há 34 anos. Pesquisa o imaginário e o simbolismo, além de métodos do imaginário e da cultura regional. Preside a Associação Ylê Setí do Imaginário. Organizadora de “Ritmos do imaginário” (Editora Universitária UFPE, Recife, 2005) e “Iniciação à teoria do imaginário de Gilbert Durand” (Atlântica Editora, Rio de Janeiro, 2005).

antropóloga. E o lado positivo da tese de Durand, continua Danielle, é fornecer um método para se trabalhar no campo do simbólico sem entrar numa perspectiva reducionista. “Trata-se da mitodologia, que inclui mitocrítica, mitanálise e o teste AT-9 com suas derivações, que pode ser aplicada em qualquer campo de saber.” Danielle utilizou aquele método na sua tese, assim como trabalhos nos Grupos de Estudo sobre o Imaginário.

Ela diz que aplicar fórmulas para obter dados estatísticos é bem mais fácil e rápido do que trabalhar no campo do simbólico, e que o tipo de conhecimento que se obtém também muda. “Nas culturas afro-brasileiras, o conhecimento é adquirido em sete etapas de sete anos cada: ou seja, em 49 anos de estudo. Oneroso, não é?”. Para ela, tudo depende do que se quer: se for para fazer uma tese com o mínimo de trabalho e o máximo de “rendimento” no tempo, então melhor seguir o método quantitativo; se for, porém, para obter um conhecimento aprofundado de uma realidade qualquer, só passando pelo simbólico e pela mitodologia. Consegue-se, por este método, compreensão, inclusive, para a própria vida.

Vida que, no caso dela, passa por uma questão crucial, a da marginalidade ou não do imaginário no campo acadêmico. Os ciclos do imaginário que ela organiza, a cada dois anos, podem tirar o imaginário da marginalidade? Podem e muito, confessa Danielle. “Por outro lado, as ‘bacias semânticas’ existem, e acredito que a teoria deva seguir o seu caminho. Quando se tornar oficial e institucionalizada, será substituída por outra, marginal por sua vez... são os ritmos da vida”. Ainda em relação ao status do imaginário no meio acadêmico, Danielle diz que não se sente excluída, e sim marginalizada, e “felizmente”. “Pois se assim não fosse não estaríamos mudando nada. Propor uma nova ciência (novo espírito cientifico, novo espírito antropológico, novo espírito pedagógico) incomoda, e muito, o status quo.” Vai de cada um, segundo ela, escolher uma carreira confortável, ou uma luta acirrada. Questão de gosto. Apesar da marginalização, o imaginário ganha espaço na contemporaneidade. Será por causa dos ventos pós-modernos que sopram, principalmente, no Brasil? Para Danielle, o que acontece no centro de uma cultura não está restrito a um campo ou outro da vivência, porque tudo estaria interligado. “A noção de pós-moderno surge, como bem mostra Maffesoli, a partir de uma saturação dos valores da modernidade. Entre eles, o valor atribuído à razão.” Danielle opina que o Ocidente procede a uma autocrítica em que a avaliação das conseqüências para a humanidade de uma sociedade pautada na eficácia

de produção material é central: “Começou com os hippies, como mostra Martine Xiberras”. Então, as coisas estão ligadas, raciocina.

Ela concorda que as situações são bem diferentes entre o Brasil e a França. Na França, bem mais do que no Brasil, segundo ela, impera ainda a valorização da razão, e o espaço alocado ao imaginário é muito marginal. No Brasil, porém, a recepção é muito maior devido à mestiçagem cultural que valoriza aspectos diversos da vivência, afirma Danielle: “Principalmente quando se trata do povo, pois que as elites (academia inclusive) foram formadas no exterior”. Em sala de aula, observa a antropóloga, as teorias sobre o imaginário representam um sopro de vida, uma alegria, no meio de tantas teorias esclerosadas pelo excesso de racionalismo. “É o que dizem os estudantes.” Danielle relata que os franceses, agora, estão investindo no estudo sobre imaginário em função, justamente, do que ela dizia acima, ou seja, da saturação dos valores que marcaram a modernidade. “O Brasil, como diz Maffesoli, sempre foi pós-moderno, pois sempre teve conhecimento de dimensões do viver que passam pela emoção, pelo sentimento, pela transcendência... e não somente pela razão”. O diálogo entre Brasil- França é salutar, no entender dela. “Para mim, a cultura brasileira tem qualidades extraordinárias, tais como: a capacidade de diálogo com a diferença, o respeito pelo outro, a capacidade de compreensão.” E isso, acrescenta Danielle, não em conseqüência de uma análise, mas em conseqüência da empatia que consegue estabelecer com o outro. Danielle, que é francesa, confessa: “Não poderia mais viver na França, onde continua prevalecendo um tipo de relacionamento que privilegia o julgamento e as conseqüentes medidas de exclusão”.

De que maneira a questão da autoria (no cinema, principalmente, em relação aos filmes de arte feitos por um Bergman, um Godard ou um Tarkovski) tem relação com o imaginário? O que aconteceu no intervalo da concepção de autoria entre o Cinema Novo e a contemporaneidade? É possível observar hoje uma autoria clássica, só que em outro o tempo? O tempo em que o artista autoral vive mudaria seu modo de ser, e não a qualidade autoral do seu trabalho? Para Danielle, a produção artística sempre está

enraizada (grifo nosso): na cultura e na sociedade, no tempo e no espaço. Logo, toda

produção cultural vai ser ação ou reação àquilo que está em vigor no grupo ao qual o artista pertence. “Na medida em que o real começa a ser questionado, a percepção do artista muda, sem dúvida.” Qualidade autoral, para ela, é outro capítulo; implica julgamento de valor. Logo, não seria o papel da antropologia. Em relação ao “trajeto antropológico” aplicado ao cinema, Danielle é clara: cultura não é instinto. “O que

ocorre, segundo Durand, no caso do cineasta ou de outro artista, é que o intercâmbio estabelecido entre as “pulsões subjetivas” e as “intimações (e não coerções) do meio cósmico e social”, se faz através da originalidade única do artista, que cria novas perspectivas de vida”. Danielle explica que estas perspectivas não estão alheias ao movimento imediato da cultura na qual ele está inserido, e, no caso, à passagem e às tensões entre modernidade e pós-modernidade. “O ‘trajeto’ tem pólos: entre eles existe não um equilíbrio, mas uma tensão, responsável pela dinâmica social”, finaliza.