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GRUPO DE PESQUISA POR ÁREAS DE CONHECIMENTO

5. Filosofia da técnica

5.1 O “sujeito desejante”

Em “A imagem”, Jacques Aumont esclarece, já na introdução do livro, que a trata como uma forma visível (a imagem que fica). Esclarecida - rapidamente - a questão, Aumont procura articular a estética do filme com outras formas concretas de imagem visual, principalmente a pintura, a fotografia e o vídeo. Segundo Aumont, as imagens são cada vez mais intercambiáveis, o que se exemplifica com o fato de vermos filmes produzidos para o cinema que também são exibidos na televisão, da mesma forma que a pintura é reproduzida pela e na fotografia. O autor apresenta cinco artérias no livro: 1) o que é ver uma imagem, 2) o sujeito que vê a imagem, 3) a relação entre o espectador e a imagem, 4) a relação da imagem com o mundo real (ou como esse mundo real a representa no espaço e no tempo) e 5) as imagens de caráter artístico. A segunda parte do livro evoca o papel do espectador como sujeito desejante, valorizando seus afetos, suas pulsões e suas emoções. Para Aumont, essas características em uma pessoa intervêm na sua relação com a imagem. Se a tradição freudiano-lacaniana tinha por hábito “psicoanalisar” o artista como um paciente reprimido e cuja obra seria o resultado (ou sintoma) dessa repressão, agora é possível ver no trabalho desse mesmo artista não mais um sintoma de um sujeito neurótico - o autor. O que passa a valer, na opinião de Aumont, é entender a obra de um autor como uma produção organizada segundo regras que são as do inconsciente, em geral.

Dessa forma, a imagem conteria algo de inconsciente, e vice-versa. Aumont pergunta: como conceber as imagens mentais (as do inconsciente) de modo icônico? De acordo com Aumont, a imagem não é uma simples fotografia interior da realidade, mas uma representação codificada dela. É aí que entra o imaginário, como um patrimônio da imaginação. A imaginação é definida por Aumont como a faculdade criativa e produtora de imagens interiores, eventualmente exteriorizáveis, transformando-se em ficção e invenção (ao contrário do real). A isso ele chama diegese. Da forma como Lacan a entende, a palavra “imaginário” está estritamente ligada à imagem material, como na imagem especular produzida pela criança no estágio do espelho. Metz avança ao teorizar sobre a identificação primária (a relação do espectador com sua própria visão) e secundária (a relação do espectador com elementos da imagem). Aumont ainda

apresenta a noção de afeto, que, para Kant, é “o sentimento de um prazer ou de um desgosto”. Sem se voltar para as estruturas profundas de seu psiquismo, mas antes superficiais, não se poderia trabalhar com a noção do espectador enquanto uma subjetividade? Quanto às pulsões, que são os instintos remodelados (ou recalcados), para Freud, o autor de A imagem irá apresentar a noção de pulsão escópica. A pulsão escópica, esclarece Aumont, é a necessidade de ver, dividida em uma finalidade (a de ver), uma fonte (o sistema visual) e um objeto (o meio pelo qual a fonte encontra esse objeto). Antes de concluir, o autor cita a noção de studium (objetividade) e punctum (subjetividade) de Barthes, em “A câmara clara”.

São, respectivamente, a foto do fotógrafo e a foto do espectador. Aumont refere- se, também, a uma antropologia da imagem. Para ele, a imagem é sempre modelada por estruturas profundas ligadas a uma prática da linguagem, e essa linguagem pertenceria a uma organização simbólica (a cultura ou a sociedade), além de um meio de comunicação e de representação do mundo nas sociedades humanas. Mesmo universal, uma imagem será, sempre, particularizada, afirma Aumont. E um olhar único é possível, em grande parte, por causa de uma idéia de autoria que se revitaliza na indústria cinematográfica contemporânea, justamente por influência de cineastas como Glauber Rocha e Godard, oriundo dos postulados da Nouvelle Vague francesa, que influenciou o Cinema Novo no Brasil e outras iniciativas semelhantes em todo o mundo. O autor volta à cena, e Glauber Rocha volta junto, em um momento de fascínio pela tecnologia digital, fortalecendo esse mesmo mercado que ora o oprime, ora o redime. Glauber Rocha, finalmente, nos inspira a pensar: como se dá o equilíbrio entre as pulsões, do universo da subjetividade, e das coerções, do universo da objetividade (polaridade já enunciada antes e que vem do “trajeto antropológico” durandiano) na criação cinematográfica. E, convenhamos, esse problema é maior do que o Golpe de 64. O imaginário não se contenta com fórmulas prontas. Todos somos complexos (complementaridade dos antagonismos). Pela via da autoria cinematográfica, um filme pode sustentar uma idéia de arte, a da criação mental e técnica, que jamais deixará de existir no cinema, pelo simples fato de estar na origem de sua descoberta.

Os inventores que tentaram criar um aparelho que reproduzisse imagens em movimento no século XIX - Muybridge, Marey, Edison e Reynaud - são, de certa forma, autores. Lógico que não com a mesma aura que a autoria adquiriu na segunda metade do século passado. O que merece um olhar atento nos estudos do cinema é a questão da sensibilidade autoral. Um autor é aquele que se expressa no seu trabalho,

para melhor ou para pior. O expressar-se, porém, não é a simples realização de um projeto, mas antes uma necessidade interior e física (como diria Pasolini) de se comunicar. Percebe-se no trabalho de diversos cineastas, do basco Julio Medem ao bósnio Emir Kusturica, uma idéia de cinema mais própria de uma possessão do que de uma razão. E é justamente nesse ponto que a autoria se aproxima de uma sensibilidade

pós-moderna contraditorial, e não da linearidade. O cineasta, músico e professor Carlos

Gerbase, que leciona no curso de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS, defendeu uma tese em que destaca a pós-modernidade como um momento emblemático do universo cinematográfico, especulando sobre “Impactos das tecnologias digitais na narrativa cinematográfica”. Em um dos capítulos, Gerbase investiga (mas não com a intenção ou certeza de que irá encontrar uma resposta) se a pós-modernidade tem o poder de criar uma nova estética cinematográfica através dos novos equipamentos digitais. Dito de outra forma: a digitalidade promoveria algum acréscimo estético ao filme ou não passaria de mais um recurso técnico dentro de um quadro evolutivo das descobertas científicas?