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GRUPO DE PESQUISA POR ÁREAS DE CONHECIMENTO

4. O jogo da pós-modernidade

4.2 Jean-François Lyotard

As entrevistas com pesquisadores brasileiros do imaginário acentuam um mesmo questionamento, levantado por Bachelard: “Como pode o homem, apesar da vida, tornar-se poeta?” (1988, p.10). Trata-se de uma questão das mais pertinentes. Aqui, o autor de “A poética do devaneio” explicita a natureza humana de aprisionamento a um corpo físico que sonha, uma situação emblemática na sociedade pós-moderna. A pós- modernidade não é uma evidência, e sim um prisma: por mais que tentemos definir o que nela predomina, mais nos afastamos de sua complexidade. Daí a importância do imaginário neste estudo, pois dele não se espera um método de análise quantificável. Caberia, então, já que “pós-moderno” ainda é uma expressão bastante polêmica, um breve apanhado (abaixo) sobre o pensamento de autores contemporâneos a respeito desse assunto, começando pelo filósofo francês Jean-François Lyotard, um dos teóricos que alavancaram a discussão sobre a pós-modernidade. Segundo ele, o problema é de natureza epistemológica, isto é: o que define o saber? O autor de “A condição pós- moderna” observa diversas maneiras de se ver o social. A partir desse pressuposto, ele abre a discussão para situações que desestruturam a dialética tese-antítese-síntese. Os metarrelatos já não significam muita coisa. Há, na pós-modernidade, uma desconfiança em relação aos instrumentos do saber. Aliás, como afirmar que um saber é verdadeiro? Abrimos parênteses para outro autor, antes de voltarmos aos ensinamentos de Lyotard. Trata-se de Paul Feyerabend (“Contra o método”), que já mostrou como diversas descobertas científicas podem ter sido fruto do acaso.

“Fatos, operações e resultados que constituem as ciências não têm uma estrutura comum” (FEYERABEND, 1993, p.7). Com isso, o filósofo austríaco critica o saber tradicional, aquele assentado no reducionismo. Ao lado de Karl Popper e de Thomas Kuhn, Paul Feyerabend é considerado um dos principais renovadores da história das ciências no século XX. Atacou duramente a pretensão de neutralidade das pesquisas científicas, cujo sucesso entendia como decorrente de fatores políticos e retóricos, ao invés de um suposto progresso do conhecimento racional e, puramente, objetivo do

esse critério adotado, na nossa opinião, por Juremir Machado da Silva, e que seguimos para este capítulo: restringir para realçar.

mundo. O autor de “Adeus à razão” (1987) criou o princípio do tudo vale: retirar elementos para análise ou construção dos lugares de onde bem se entender e que pareçam mais adequados para a exposição daquela idéia. O paradoxo suscitado pela reflexão de Lyotard, portanto, é o de que tudo é passível de análise, mas nem tudo estaria de acordo com determinada ética. A ética social. Para Gerbase (2003, p.17), Lyotard está “na linha de frente do pensamento pós-moderno” (aquele que desconfia das totalizações racionais e científicas da era moderna, características do estruturalismo) pelo fato de ele ter sido o autor da idéia da morte dos metarrelatos da modernidade (o sujeito racional, o progresso e a universidade como instituição do saber). Conforme Gerbase, Lyotard “retirou do homem sua estabilidade lingüística (ou a ilusão de estabilidade)” (2003, p.17). A desconstrução da modernidade por Lyotard afeta o modo pelo qual o artista se vê. Como é trabalhar em outro momento histórico, não mais se enquadrando na postura de gênio característica de uma cultura que, anteriormente, idolatrava seus artistas?

Lembremos que a pós-modernidade, segundo definição de Vattimo, se caracteriza por “uma mudança radical no modo de vivenciar a história e o tempo” (1996, p.106). O artista sofre ou não um golpe no self diante do descortinamento de um novo mundo, de um novo homem? Trata-se de uma história e de um tempo que não mais refletem com precisão a idéia de uma obra completa, acabada e até autônoma, porque, na criação, aparecem motivações exteriores ao indivíduo. Pertencendo, agora, a uma rede o artista se depara com outra realidade. Se antes via um horizonte seguro, um crescimento profissional, uma valorização pela obra como modelo, hoje não: a tentativa é transitar do implícito ao explícito, e vice-versa. Podemos tomar o explícito como sendo a porção racional (terra) e o implícito, não-racional (éter). Dois termos antagônicos - raiz e éter - formam, uma vez juntos, novas significações. As palavras raiz e éter já não fazem sentido se lidas separadamente. Unir, aliás, é a característica pós- moderna, como, por exemplo, a junção do arcaico com a tecnologia de ponta. Qualquer pensamento originário da modernidade corre o risco de se esvaziar caso reivindique o mesmo status do pós-moderno. O grau intuitivo num artista, já que é disso de que também tratamos, pode ser variável. Porém, aquele artista identificado com uma expressão pessoal que se transforma, a posteriori, num estilo, age, naturalmente, de acordo com seus instintos.

É o que Nietzsche chamaria instinto estético, em contraposição a um instinto

modernidade? E essa “consciência de si” pode ser ou não prejudicial para a criação de uma obra, seja um filme, um quadro ou um livro? Em “A condição pós-moderna”, Lyotard opina que o saber pós-moderno “refina nossa sensibilidade para as diferenças e reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável” (1989, p.13). Com isso, os valores modernos começam a ser questionados, inclusive no que diz respeito à obra de arte. Não há como não estabelecer uma cesura entre estes dois tipos de manifestações, a que diz respeito ao utilitarismo, típico da modernidade, e a que diz respeito ao dispêndio, típico da pós-modernidade. O aspecto que Lyotard aborda é o de que o saber científico não é todo o saber. Assim, a obra de arte culta não seria toda a obra de arte. Talvez no terreno artístico a analogia não seja tão simples. O importante, aqui, é o fato de que se estabelece uma crise entre o conhecimento dito científico e o que Lyotard chama de narrativo, apesar de, segundo ele, não haver pensamento por oposições em relação ao saber pós-moderno. Lyotard diz que “enquanto o saber narrativo toma o científico como uma variedade entre as culturas narrativas, o saber científico interroga- se sobre a validade dos enunciados narrativos” (1989, p.61), adotando, apesar de ele mesmo denunciar, um raciocínio por oposição incongruente com a natureza da pós- modernidade. Lyotard não é um pensador pós-moderno, e sim um pensador da pós- modernidade. Nem por isso, a conjuntura exposta por ele pode ser desprezada como reflexão teórico-didática.