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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 DEFICIÊNCIA DE VITAMINA D E OUTROS FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR

2.4.1 Deficiência de Vitamina D e Hipotireoidismo

Segundo dados da American Tyroid Association (2016 apud AMINO et al., 1988), 20 milhões de americanos tem doença tireoidiana, com as mulheres apresentando 5 a 8 vezes mais doenças da tireóide que os homens. Considera-se que 90% dos casos de hipotireoidismo são causados por auto-imunidade, sendo a Tireoidite de Hashimoto a mais frequente e com alta prevalência entre os idosos (AMINO et al., 1988). Desde que o primeiro caso descrito de associação de hipotireoidismo com doença cardiovascular, em 1878, por Greenfield (1878), após achado de sinais de aterosclerose no coração em necropsia de paciente com mixedema, muitos estudos abordando este tema foram desenvolvidos até a compreensão dos mecanismos de regulação do hormônio tireoidiano sobre o metabolismo lipídico e homocisteína, efeitos sobre a reatividade vascular e pressão arterial, e modulação de outros fatores ateroscleróticas que puderam esclarecer parcialmente o papel do hipotireoidismo como fator de risco cardiovascular (CAPPOLA, LADENSON, 2003).

São vários mecanismos pelos quais o hipotireoidismo eleva o risco cardiovascular, tais como pelo aumento do colesterol LDL, da lipoproteína A e da apolipoproteína B, aumento da pressão arterial diastólica por aumento da rigidez arterial, hipercoagulabilidade, atuação na musculatura lisa vascular com vasoconstricção e também aumentando a resistência à insulina e aos riscos do tabagismo (CAPPOLA, LADENSON, 2003). Desta forma, pela alta prevalência de IC na população idosa (CURTIS et al., 2008), sendo um relevante problema de saúde pública, tornando-se imprescindível investigar os fatores de risco para tal condição (KALOGEROPOULOS et al., 2010), o ACC/AHA recomendam o rastreio de dosagens hormonais tiroidianas para avaliar situações que possam desencadear ou exacerbar a IC, como o hipo ou hipertireoidismo (JESSUP et al., 2009).

Efeitos do hormônio tiroidiano triiodotironina (T3) no coração e vasculatura periférica incluem diminuição da resistência vascular sistêmica (RVS) e aumento da frequência cardíaca em repouso, a contratilidade ventricular esquerda, da volemia, diminuição da resistência nas arteríolas periféricas através de um efeito direto sobre

as células do músculo liso vascular (VSM), reduzindo a pressão arterial média, atua nos rins, ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona, aumenta a absorção de sódio renal (KLEIN, DANZI, 2007), liberação de óxido nítrico pelas VSM, reduzindo a RVS (VARGAS et al, 2006). No hipotireoidismo, a complacência arterial é reduzida, como resultado da redução da disponibilidade do óxido nítrico, o que leva a um aumento da RVS (TADDEI et al., 1997).

Os efeitos relatados do hipotireoidismo no sistema cardiovascular vão desde elevação da pressão arterial diastólica por aumento da RVS, redução do débito cardíaco até derrame pericárdico nos casos mais graves (LARSEN et al., 2015), aumento do risco de IAM e calcificação aórtica (HAK et al., 2000). Quanto às arritmias, o hipotireoidismo pode cursar com bradicardia sinusal, aumento do intervalo QT e achatamento ou inversão da onda T, associados a baixa voltagem difusa de todos os complexos, taquicardias ventriculares do tipo "torsade de pointes" e episódios de fibrilação ventricular repetidos (FREDLUND, OLSSON, 1983). Deste modo, a FA persistente esteve relacionada com hipotireoidismo subclínico em 55,7% dos pacientes submetidos à ablação de FA. A pressão média atrial esquerda foi significativamente maior nos pacientes com hipotireoidismo subclínico que nos eutiroideos (SAIRAKU et al., 2016).

O hipotireoidismo subclínico é caracterizado por uma concentração elevada de hormônio estimulante da tireóide (TSH) sérico (acima de 4,5 e menor que 20 mUI/L) com níveis de T4 e T3 normais (COOPER et al., 2012;GHARIB et al., 2005), representando a fase inicial da disfunção tireoidiana que tende a evoluir para o hipotireoidismo clínico, com taxa de progressão de cerca de 3% ao ano (FATOURECHI, 2001), sendo muito comum em idosos, com prevalência de até 10% (BIONDI, COOPER, 2008).

A associação entre risco cardiovascular e hipotireoidismo subclínico foi bem analisada em estudo transversal com 1.149 mulheres oriundas do estudo de Roterdam, onde foi detectada prevalência de hipotireoidismo subclinico em 10,8%, assim como associação com aterosclerose aórtica e IAM, em relação às mulheres eutiroideas e quando presente a tireoidite, esta prevalência aumentou. No entanto, apenas a tireoidite sem alterações da função tireoidiana não aumentou o risco de aterosclerose aórtica nem de IAM, sugerindo que o risco cardiovascular está mais relacionado à disfunção tireoidiana do que aos mecanismos imunológicos e apontando o hipotireoidismo subclínico como um fator de risco para DAC similar aos

fatores de risco tradicionais (HAK et al., 2000). Desta forma, torna-se importante a detecção precoce do hipotireoidismo subclínico em decorrência de sua associação ao risco aumentado de DAC e mortalidade cardiovascular, como bem demonstrada em metanálise com 14.449 indivíduos de 10 estudos populacionais (OCHS et al., 2008).

Ressaltando a relevância da pesquisa de hipotireoidismo subclínico como fator de risco cardiovascular, Rodoni et al. (2010), em grande estudo analisando associação entre esta disfunção tiroidiana e doença cardiovascular, em 55.287 participantes, oriundos de 11 coortes prospectivas nos EUA, Europa, Brasil, Japão e Austrália, com desfechos de doença cardiovascular e mortalidade cardiovascular, encontraram que o hipotireoidismo subclínico foi associado com aumento de doenças cardiovasculares e mortalidade cardiovascular, principalmente quando os níveis de TSH estavam igual ou maior que 10 ml/U/L. Entre as alterações cardíacas mais frequentes no hipotireoidismo subclínico encontram-se a disfunção diastólica ventricular esquerda, a redução da fração de ejeção ventricular esquerda e prejuízo na capacidade cardiopulmonar ao exercício (MAINENTI et al., 2010; KAHALY, 2000).

Muitos estudos correlacionaram o hipotireoidismo com a deficiência de vitamina D (AGBAHT et al., 2014; ANTICO et al., 2012; BOZKURT et al., 2013; DJUROVIC et al., 2015; GUNGOR et al., 2016; MAC KAWY; AL-AYED; AL- RASHIDI., 2013; METWALLEY et al., 2016; TAMET et al., 2011; YLMAZ et al., 2015), principalmente quanto à auto-imunidade, pelas propriedades desta vitamina na regulação do sistema imune, sendo implicada na fisiopatologia da Tireoidite de Hashimoto (BOZKURT et al., 2013; SZYPER-KRAVITZ; MARAI; SHOENFELD et al., 2005). Em pesquisa realizada avaliando-se a associação entre níveis séricos de vitamina D com Tireoidite de Hashimoto, foi detectada prevalência de baixos níveis de vitamina D nestes pacientes (TAMET et al., 2011), assim como foi demonstrada associação entre auto-imunidade tireoidiana em 548 pacientes obesos, com dosagens séricas de TSH, Anti-TPO e 25(OH) D, no intuito de avaliar presença de síndrome metabólica, resultando em associação inversa entre níveis de 25(OH)D com grau de obesidade, porém não houve associação com síndrome metabólica, detectando-se maior prevalência de auto-imunidade com hipotireoidismo em obesos, mas sem síndrome metabólica (AGBAHT et al., 2014).

O papel da vitamina D no desenvolvimento e progressão da Tireoidite de Hashimoto foi pesquisado por Bozkurt et al. (2013), avaliando 180 pacientes com Tireoidite de Hashimoto, porém eutiroidianos, investigados com ultrassonografia da tireóide, anticorpo anti-tireoide peroxidase (anti-TPO), anti-tireoglobulina (anti-TG) e 25(OH)D, comparando-se com controles saudáveis. Os autores encontraram que os níveis séricos de 25(OH)D nos pacientes com Hashimoto eram mais baixos que nos controles, do mesmo modo que o grau de deficiência de vitamina D foi correlacionada com a duração da tireoidite, com o volume da tireóide e com os níveis de anticorpos, sugerindo desta maneira que potencialmente a vitamina D tem papel determinante no desenvolvimento da Tireoidite de Hashimoto e na sua progressão para o hipotireoidismo (BOZKURT et al., 2013).

A vitamina D associada à Tireoidite de Hashimoto também foi abordada no estudo de Mansournia et al. (2014), onde foi encontrado que os níveis mais elevados de 25OHD séricos foram associados com uma diminuição do risco de Tireoidite de Hashimoto (HT), de modo a que cada 5 ng / ml em aumento dos níveis de 25OHD, houve um decréscimo em 19% de probabilidades de Tireoidite de Hashimoto.

O estudo de Mackawy, Al-Ayed e Al-Rashidi (2013) indicou que os pacientes com hipotireoidismo sofriam de hipovitaminose D com hipocalcemia e que os níveis de vitamina D estavam associados com o grau e severidade da disfunção tiroidiana, sugerindo a adequada suplementação com vitamina D3, assim como a triagem dos níveis séricos de vitamina D e cálcio em todos pacientes com hipotireoidismo.

Quando analisada a função diastólica em pacientes com deficiência de vitamina D e hipotireoidismo subclínico, encontrou-se nestes pacientes uma maior deterioração da função diastólica do VE, pelas alterações na regulação do cálcio intracelular e estímulo à resposta inflamatória (YLMAZ et al., 2015). A vitamina D também foi associada com hipotireoidismo e aterosclerose, como demontrada recentemente por Gungor et al. (2016) onde pacientes com hipotireoidismo tinham níveis mais elevados de marcador endoCAM (endotelial cell adhesion molecule) para aterosclerose em conjunto com deficiência de vitamina D.