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DELIBERAÇÃO PÚBLICA AMPLA E VIGOROSA

BALANÇOS E PERSPECTIVAS

DELIBERAÇÃO PÚBLICA AMPLA E VIGOROSA

I: DEMOCRACIAS AUTORITÁRIAS OULIBERAISRESTRITIVAS

II: DEMOCRACIAS REPRESENTATIVAS TIPO REPUBLICANO

III: DEMOCRACIAS POPULISTAS E PLEBISCITÁRIAS

IV: DEMOCRACIAS DELIBERATIVAS PARTICIPATIVAS

DELIBERAÇÃO PÚBLICA AMPLA EVIGOROSA

Desse modo, no item I encontramos democracias que poderíamos chamar autoritárias, que se caracterizam por recorrer à legitimação popular e ao princípio da maioria, e, nesse sentido, se dizem da tradição democrática, mas limitam consideravelmente tanto os direitos de cida- dania (por exemplo, por razões de educação ou renda), como os espaços de participação, que geralmente se reduzem à eleição de alguns funcio- nários, igualmente essas perspectivas políticas restringem as possibili- dades de discussão, pois a política é vista mais como uma forma de agregação e negociação de interesses do que de deliberação pública em busca da construção de ideias comuns de justiça. Algumas visões libe- rais restritivas podem também caber neste item.

O item II, por sua vez, pode situar regimes políticos que restringem a par- ticipação e os direitos de cidadania, mas que estimulam um debate público

vigoroso, ao menos entre os representantes eleitos. Alguns pontos de vista, como os que se depreendem das reflexões de Edmundo Burke ou em certas interpretações dos constituintes estadunidenses, assumem essa opção, pois, se, por um lado, restringem a participação, por outro, conferem às instâncias de representação não unicamente uma função de agregação de interesses, mas também de discussão e deliberação coletiva para formação de ideias comuns de justiça.

O item III corresponde aos regimes que poderíamos qualificar como demo- cracias populistas, ou, inclusive, plebiscitárias, pois ampliam consideravel- mente os espaços e as dinâmicas de participação, mas tendem a minimizar as dinâmicas deliberativas.

Finalmente, o item IV, que incorpora uma visão forte e ambiciosa de demo- cracia, pois pretende, ao mesmo tempo, ampliar a cidadania e os espaços de participação, mas igualmente busca fortalecer a deliberação pública.

De certa forma, o constitucionalismo recente na América Latina buscaria chegar ao item IV, pois não apenas amplia os espaços de cidadania e de par- ticipação, como também fortalece ou, inclusive, exige a deliberação pública transparente para a tomada de certas decisões. Com efeito, muitas das formas recentes ampliaram o número de funcionários eleitos popularmente e, além disso, incorporaram novos mecanismos de democracia direta, como o plebis- cito, o referendo ou a consulta popular. Igualmente, algumas delas fortalece- ram os mecanismos de controle para o cidadão, pois não apenas estabelece- ram a revogatória do mandato para certos funcionários eleitos, mas também previram outras formas de participação cidadã, como a fiscalização, para con- trolar um grande número de atividades administrativas. Alguns juízes cons- titucionais, por seu turno, como a Corte Constitucional da Colômbia, enfati- zaram que um dos propósitos do projeto constitucional é promover a deliberação pública para sustentar as decisões coletivas. Por essa razão, a Corte Constitucional daquele país declarou inconstitucionais várias leis, inclu- sive duas reformas constitucionais que aparentemente contavam com a maio- ria suficiente, mas cujo assunto aprovado o Congresso afastou do debate e da discussão pública.50 A Corte insistiu nessas sentenças em que as sessões do

Congresso não eram “um espaço em que simplesmente se formalizam ou referendam decisões e negociações que foram feitas fora das câmaras e às costas da opinião pública”, visto que em uma democracia genuína “a validade

de uma decisão majoritária não está unicamente voltada a sua adoção pela maioria, mas também que esta tenha sido publicamente deliberada e discutida, de tal maneira que as distintas razões para justificar a dita decisão tenham sido debatidas, ponderadas e conhecidas pelos cidadãos” (Sentença C-816 de 2004, Fundamentos 137 e 138).

Segundo a nossa interpretação, o constitucionalismo recente defende, desse modo, uma democracia muito forte, pois aspira que esta seja não apenas repre- sentativa, mas também participativa e deliberativa. Porém, isso não é tudo, várias Constituições, em especial as mais recentes, como a boliviana e a equatoriana, reconheceram e fortaleceram formas de democracia comunitária, fortemente vinculadas às autonomias dos povos indígenas e outras comunidades éticas. Por isso, alguns autores falam de formas de “demodiversidade” ou de “democracia intercultural”, que articulam a democracia representativa, a participativa e a comunal, de maneira que se trata de “uma das formulações constitucionais sobre a democracia mais avançadas do mundo” (SANTOS, 2010, p. 110).

3.3 Um constitucionalismo forte: o neoconstitucionalismo

Por outro lado, as reformas constitucionais recentes na América Latina tenta- ram substanciar a força normativa da constituição. A maior parte das Cartas Magnas aspira ser o texto que efetivamente governe a vida em sociedade, pelo que elas incluem mecanismos de justiça constitucional que assegurem que suas promessas de direitos e bem-estar não sejam meramente retóricas, mas sim mandatos normativos com eficácia prática. Nesse sentido, as reformas constitucionais dos anos 1990 fazem a América Latina entrar no que alguns autores chamam de “neoconstitucionalismo” (CARBONELL, 2003; CAR- BONELL; GARCÍA, 2010), ou conforme outras terminologias, como as usa- das por Ferrajoli (2001), Estados de Direito constitucionais e não puramente legais. Estamos, pois, diante de formas de constitucionalismo forte. Todas essas expressões indicam que estamos ante a ordenamentos que não se limi- tam a estabelecer limites ao Estado ou a projetar as instituições, mas que reconhecem uma ampla gama de direitos e princípios e impõem metas ao governo e também estabelecem formas de justiça constitucional mais ou menos fortes para que esses mandatos se cumpram.

Uma breve caracterização do neoconstitucionalismo pode ser útil para que se compreenda do que estamos falando, para isso retomamos um esquema

desenvolvido em texto anterior (RODRÍGUEZ; UPRIMNY, 2007). As cons- tituições podem ser classificadas com base em duas variáveis básicas: i) sua força normativa e ii) seu conteúdo. Desse modo, com relação à primeira vari- ável, existem duas opções: podemos entender a constituição ou como uma norma vinculante e aplicável ou como um documento político de grande importância, mas que não tem realmente forma normativa. A posição adotada perante essas possibilidades opõe as duas tradições clássicas do constitucio- nalismo liberal do século XIX. A tradição europeia, e em especial a francesa, tendia a conceber a constituição como um documento político sem força nor- mativa, pois entendia as cartas constitucionais como documentos políticos importantes, mas que não eram vinculantes, no sentido de que não tinham mecanismos para assegurar que a lei ou as decisões do poder executivo res- peitassem a constituição, o que se devia ao temor que tinham os constituintes franceses a um eventual governo de juízes. Em contraposição, está a visão normativa da constituição, segundo a qual esta já não é meramente um docu- mento político, mas uma norma que vincula especialmente o legislador e, por via indireta, o executivo, e que, por conseguinte, tem de ter algum mecanismo de proteção de sua supremacia e de seu caráter normativo. Da ideia da cons- tituição como norma se segue, portanto, a ideia da necessidade de alguma forma de justiça constitucional. Essa concepção normativa da constituição foi desenvolvida essencialmente pelo constitucionalismo estadunidense.

Por outro lado, do ponto de vista de seu conteúdo, encontramos a oposição entre as visões mais procedimentais da constituição e as mais valorativas ou densas em direitos. A visão procedimental defende que a constituição, mais que estabelecer uma ordem de valores que tem de ser aplicada, consagra uni- camente um marco de atuação dos poderes públicos e dos particulares, isto é, regulamenta instituições e procedimentos, mas não assinala imperativamente o rumo que devem seguir as autoridades e os particulares, por isso, é conhe- cida mais como constituição procedimental, constituição marco ou constitui- ção limite. As constituições mais valorativas ou densas em direitos, por sua vez, não se limitam a projetar instituições e estabelecer procedimentos, mas consagram uma ordem de valores a ser realizada e um conjunto de direitos a ser atendido. Por isso alguns as chamam constituições-programa, já que a constituição contém, em sua origem, uma agenda que tem de ser atendida pelas autoridades.

Pois bem, se cruzarmos as duas variáveis, é possível construir uma tipolo- gia de quatro modelos de constituição resumida no seguinte quadro:51

UMA TIPOLOGIA DAS CONSTITUIÇÕES

PROCEDIMENTAL