• Nenhum resultado encontrado

Repensando a relação entre (mais) presidencialismo e (mais) direitos?

Trabalhos como os de Uprimny (2011) ou Pisarello (2010) nos reafirmam a ideia de que as novas constituições mostram processos de concentração de poderes no Executivo, acompanhados de outras mudanças orientadas em dire- ções aparentemente contraditórias e relacionados, tipicamente, com o reforço de direitos, a proteção de grupos previamente desamparados, ou a abertura para maiores oportunidades de participação popular.

De modo similar, encontramos no trabalho de Negretto a ideia de que as novas constituições incluem “instituições aparentemente inconsistentes” (NEGRETTO, 2011b, p. 1.792). O autor admite, em tal sentido, que para um “observador externo” pode ser difícil explicar “reformas que promovem uma representação plural e um processo decisório consensual, com reformas que restringem a competência entre partidos e concentram o poder no Executi- vo”.39 Conforme a descrição que faz o especialista Jonathan Hartlyn com

relação ao aludido texto de Negretto, o trabalho deste último se caracteriza por enfatizar, junto às tendências à concentração do poder próprias das recen- tes reformas, certas (chamamos assim) contratendências contemporâneas diri- gidas, por exemplo, a mudar “as regras eleitorais, que não favoreceram em todos os casos a concentração no poder executivo”, ou a “introduzir elementos de democracia direta, incluindo em alguns países o direito de revogação de

mandatos ao presidente” (HARTLYN, 2011, p. 1.980). O texto em questão faria referência, além disso, aos “crescentes poderes do Congresso sobre o gabinete, o crescimento da descentralização política e a maior independência judicial com relação ao Executivo” (HARTLYN, 2011, p. 1.980). Desse modo, encontramo-nos com um reforço dos poderes presidenciais, de algum modo compensado pela aparição de vários outros contrapoderes. Além do mais, em outro trabalho (coescrito), e deixando clara sua própria posição no assun- to, Jonathan Hartlyn destacou “o crescente uso de eleições para a seleção de postos executivos no nível subnacional, e a presença crescente de elementos de democracia direta” nessas novas constituições” (HARTLYN; LUNA, 2007, p. 7).

Uma ideia que parece provir desse tipo de estudo é que, finalmente, o pre- sidencialismo regional, nos últimos tempos, foi em parte reforçado, por meio de certas cláusulas constitucionais que lhe transferiram maiores capacidades, mas, em parte, igualmente, limitado ou compensado em seu reforço, por meio da aparição desse outro tipo de reforma de caráter contrário. Nos termos de Hartlyn e Luna: “Comparando os poderes executivos formais, tal como apa- reciam no início do mais recente período democrático[...] com os poderes formais correntes (até 2006), observamos que a tendência geral nos mostra um determinado movimento de declive com relação aos poderes do executi- vo” (HARTLYN; LUNA, 2007, p. 6). A causa deste declive se deveria “à emergência de maiores (potenciais) limitações sobre a concentração do poder presidencial, em outras áreas (não legislativas) [...]” (idem). Algo similar sus- tentou Pisarello, em sua análise ilustrada sobre o constitucionalismo moderno, ao afirmar que o “neopresidencialismo” ou presidencialismo fortalecido dessa última etapa poderia ser considerado, finalmente, um presidencialismo “miti- gado por outros mecanismos de controle como o referendo revogatório, uma forma de moção de censura popular já utilizada, de fato, tanto na Venezuela como na Bolívia” (PISARELLO, 2011, p. 194).

O olhar “compensatório” proposto por esses estudos, no entanto, merece ser questionado. Também por várias razões. Primeiro, eles assumem uma

relação igualitária entre as diferentes esferas da constituição, desconhecendo

a dimensão de “poder” ali mesmo presente. A seção relacionada com a orga- nização do poder, pode-se dizer, engloba o “motor” da Constituição e, portan- to, mostra um potencial desequilibrante. Segundo, e com relação ao anterior,

tais estudos parecem descuidar do aspecto dinâmico da Constituição, apoian- do-se em uma leitura mais estática sobre ela. Quando consideramos esse aspecto dinâmico, a pergunta relevante se refere ao que se espera que ocorra, uma vez estabelecida a constituição. Presume-se, em particular, que são, habi- tualmente, os poderes estabelecidos os que têm a “chave” capaz de ativar os novos mecanismos participativos. Terceiro, e também em estrito vínculo com o aludido, os estudos citados parecem não considerar a lógica interna da Cons- tituição e, em particular, do sistema de “freios e contrapesos”. Com efeito, dito sistema englobava uma lógica interessante, destinada a impedir os abusos de uma área do poder sobre a outra. Como argumentou James Madison, em El

Federalista n. 51, seria necessário dotar cada área do poder dos “meios cons-

titucionais” e as motivações pessoais para resistir aos sólidos embates das demais. Isto é, tornava-se muito claro para Madison, bem como para os mem- bros mais esclarecidos de sua geração, que se se atribuíam poderes adicionais a algumas áreas de governo – poderes que capacitassem alguma delas para impor sua autoridade sobre as demais –, o abuso tendia a ocorrer, de modo mais claro: o poder mais forte disporia o necessário para assegurar o subme- timento dos demais. Por que, então, não considerar esta lógica na hora de pensar acerca do funcionamento possível de nosso imperfeito sistema de “freios e contrapesos”? Em quarto lugar, e finalmente, os trabalhos citados parecem deixar de lado uma visão necessária acerca da história e do contexto da prática constitucional na qual as reformas vieram a se conformar. Quando consideramos essas variáveis históricas e contextuais, podemos comprovar que na maioria dos países latino-americanos os Poderes Executivos foram situados em uma posição de privilégio, como primus inter pares dentro da estrutura de poderes. Antes de qualquer coisa, a eles foi adjudicado o controle de ferramentas institucionais que lhes facilitam seu predomínio sobre os pode- res restantes. Pior ainda, na prática, essa relação de predomínio foi reforçada graças a decisões paraconstitucionais que em muitos casos debilitaram a auto- ridade da Legislatura ou tornaram o Poder Judiciário um poder institucional- mente frágil ou diretamente dependente (DOMINGO; SIEDER, 2001, GLO- PPEN et al., 2010, PRILLAMAN, 2000). A dita história da prática permite-nos reconhecer a posição de privilégio na qual ficou o Poder Executivo – uma posi- ção que permite ao Presidente exercer seu domínio sobre as demais ferramentas constitucionais, existentes há muito tempo ou recém-incorporadas.