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5 INTERVENÇÕES ESTATAIS NO DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

5.4 A SOLIDARIEDADE E O ASPECTO PROMOCIONAL DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

O estudo do direito pelo prisma das ilicitudes tem posição destacada na jusciência contemporânea. Arnaldo Vasconcelos vê na obra de Hans Kelsen a fonte de que deflui tal

solidariedade deixa de se referir a uma virtude interna e passa a ser externamente controlado – sendo, portanto, uma não-virtude.

tendência. Para o professor cearense:

Normativista ortodoxo, Kelsen estuda o Direito a partir da norma jurídica, que o constitui. Em oposição ao imperativismo de Karl Binding, ao qual se opõe frontalmente, a norma kelseniana assuma a forma de juízo hipotético, expresso nos seguintes termos: dada a não-prestação, deve ser a sanção; dado o fato temporal, deve ser a prestação. Comporta esse juízo desdobramento em duas normas: a primária, jurídica por excelência, e mediante a qual se prevê a sanção; e a secundária, despida de qualquer interesse para o Direito, e através da qual se prediz a realização voluntária da prestação. Kelsen inverte a solução do problema. A maneira exclusiva, portanto, de uma conduta penetrar no mundo do Direito é ser-lhe imputada uma sanção, donde o destaque ímpar ao ilícito. E nisso consistiu o giro doutrinário do fundador da Teoria Pura. Como ele, e depois dele, o ilícito vai ocupar posição intra-sistemática no Direito. Antes de aparecer como negação do Direito, assim erroneamente identificado pelos tempos afora, passa o ilícito a ser pressuposto dele; “e, então – diz Kelsen – mostra-se que o ilícito não é um fato que esteja fora do Direito e contra o Direito, mas é um fato que está dentro do Direito, e é por este determinado, que o Direito, pela sua própria natureza, se refere precisa e particularmente a ele”.562

De fato, não é inexpressivo o número de juristas para os quais o direito, enquanto ciência, só tem relevância se se referir ao estudo da violação das normas jurídicas. Para Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis, por exemplo, “Do ponto de vista jurídico-dogmático, os direitos fundamentais tornam-se relevantes somente quando ocorre uma intervenção em seu livre exercício”.563 De pouca efetividade seriam, pois, as reflexões teóricas se se limitassem a descrever o conteúdo das regras de direito, sem, contudo, estudar as tensões decorrentes das lides que se desenvolvem diariamente em torno da (in)aplicação da lei.564

Por esse prisma, a jusciência refere-se a uma teoria da decisão em cujo cerne se destaca o momento da juris-dicção, ou seja o instante em que o Poder Judiciário diz qual é a norma aplicável ao caso concreto e, dentre as pretensões resistidas, qual é a justa do ponto de vista do ordenamento legal.565

Mesmo sem descurar do importante papel desempenhado pelas normas de direito como um escudo protetor dos bens fundamentais, concorda-se com as críticas feitas por Vasconcelos ao apego da jusciência ao momento sancionatório da norma. Tão importante quanto à violação da lei deve ser também para a ciência jurídica o estudo dos momentos em

562 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Geral do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 36-37. 563 DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 123.

564 Ainda segundo Martins e Dimoulis: “[…] Um estudo de direitos fundamentais que se limite à interpretação

dos conceitos implicados e, na melhor das hipóteses, de sua estrutura sistêmica, é insuficiente e, em face dos problemas concretos (patologia), absolutamente inútil”. DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 124.

565 Para Hamesser, a teoria do direito é, em primeira linha, “o debate da polarização entre norma posta e

sentença judicial”. Apud MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional: leitura jurídico- dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. p. 7-8.

que a norma é deliberamente promovida tanto por particulares como por agentes públicos. E isso porque o direito pode funcionar não só em estado reativo, mas também como um canal indutor da promoção das liberdades. Para tanto, as normas jurídicas podem criar mecanismos e instituições que promovam tanto os direitos em si como também colaborem para o perfazimento das obrigações imperfeitas a eles atreladas e que potencializam a fruição dos bens fundamentais.

A alusão a um aspecto promocional dos direitos fundamentais não se confunde aqui com seu caráter prestacional, relativo ao enfoque positivo das liberdades, mas a engloba e ultrapassa. Isso porque a não-prestação estatal do aspecto positivo de uma dada liberdade representa a violação da norma, dado o caráter cogente com que surge no texto legal a obrigação ativa do Estado. É o caso dos direitos à educação ou à saúde públicas a cujas prestações o Estado é constitucionalmente vinculado.

A ideia de promoção dos direitos fundamentais, por sua vez, estabelece uma relação de continência com a de prestação governamental – a primeira contém a segunda –, pois aponta para um agir estatal que vai além do mínimo existencial e refere-se aos esforços para exaurir o potencial transformador da norma de direito.

A questão, portanto, que se assoma na promoção dos direitos fundamentais é que, nesse prisma, o só fato de não existir uma violação a um bem jurídico não quer dizer que o estado potencial da norma de direito já foi exaurido ou satisfatoriamente realizado. O fato de não haver uma violação de direitos não quer dizer que o estado atual de coisas seja suficiente ou que não haja injustiças espalhadas pelo mundo. Pois injustiças podem haver que não aparecem no filtro de identificação da norma de direito.

No caso da criança e do adolescente, como visto quando da análise de sua autonomia pela ótica do desenvolvimento566, a expansão de suas liberdades fundamentais – e, portanto, seu empoderamento – depende em grande medida da integração entre os direitos de proteção e provisão com os direitos de participação. E os direitos de participação, por sua vez, guardam forte ligação com o aspecto promocional das políticas voltadas para o público infantojuvenil.

É muito pouco, por exemplo, para a proteção integral imaginar que a garantia da dignidade infantil e o seu direito de participação se veem preservados com a criação de um título específico no Código Penal para tratar dos crimes sexuais contra os vulneráveis. Apesar da importância da norma penal para a tutela, como ultima ratio, da integridade física e psíquica do ser infantil, o fato é que muitas crianças ainda são vítimas de abuso à sua

sexualidade por conta do despreparo informacional para com seus direitos básicos, sua sexualidade, sua integridade física e ainda sobre a existência de uma rede de proteção que se coloca à sua disposição e não é composta apenas por órgãos públicos (Polícia, Conselho Tutelar, Ministério Público etc.), mas também por pessoas de sua confiança, tais como seus familiares e professores.567

Dessarte, conformar-se o direito com o estabelecimento de um sistema de persecução penal tal qual o que se tem no Brasil – que investiga indistintamente os crimes sexuais praticados contra adultos e petizes –, é muito pouco para uma abordagem realmente protetiva dos direitos infantojuvenis. Isso porque, se tais delitos já causam considerável dano à integridade física e psíquica de um adulto, mais ainda o fazem em se tratando da criança e do adolescente, que, além do dano decorrente do crime, deverão sofrer novos prejuízos, ao passar por oitivas, acareações, perguntas e investigações feitas por profissionais e um sistema de justiça despreparado para lhe dar os devidos cuidados terapêuticos e jurisdicionais.

Repare-se então que, no tema em análise, não se vislumbra qualquer violação, no sentido liberal clássico, a um direito fundamental do petiz, já que não se tem ainda no Brasil nenhuma regra específica de direito estabelecendo, por exemplo, um sistema de persecução penal e oitiva diferenciada para as crianças e adolescentes vítimas de violência.568 Entretanto, pelo prisma promocional, o sistema de proteção penal da criança e do adolescente no Brasil é ainda muito falho, pois estruturado a partir de um modelo adultocêntrico de embate de teses – e, mesmo assim, com não poucas áreas de desproteção para as vítimas em geral.

567 Patrícia Balbinotti discorre sobre o impacto psicológico da violência na vida da criança e do adolescente,

demonstrando como isso a expõe, não raro, a uma cadeia de desproteção. Tal cenário colabora para a perpetuação da “síndrome do segredo”, a qual “Consiste na ocultação da verdade dos fatos, tanto pela criança quanto pelos próprios familiares (quando cientes), com o intuito velado de manter inalterada a rotina doméstica”. Em seu estudo, a autora identifica o sentimento de culpa da vítima, associada ao medo das consequências da violência para si e seus familiares como um dos fatores de desproteção. (Cf. BALBINOTTI, Patrícia. A violência sexual infantil intrafamiliar: a revimização da criança e do adolescente vítimas de abuso. Direito e Justiça – Revista de Direito da PUCRS, v. 35, n. 1, jan./jun., 2009. Porto Alegre: Faculdade de Direito Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, p. 5-21. Disponível em:<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/view/8207/5894>. Acesso em: 6 jul. 2016). Tal quadro demonstra a necessidade de preparo para a acolhida da criança e do adolescente em casos de violência, bem como de práticas de prevenção ao dano. Tal prevenção começa, sobretudo, por meio de técnicas informacionais que, através de esclarecimentos quanto à integridade e intangibilidade de seu corpo, bem como quanto à identificação de pessoas e atores de proteção, empoderem o petiz.

568 A propósito, existe no Brasil um Projeto de Lei da Câmara (PLC nº. 35, de 2007) que busca estabelecer um

procedimento específico, no âmbito do processo penal, para a colheita do depoimento infantojuvenil. Todavia, tal projeto encontra-se parado. Há uma forte resistência em face do mesmo por parte do Conselho Federal de Psicologia. Sobre o relatório de audiência pública ocorrida no Senado que pontuou os rumos e os porquês desta iniciativa de lei. (Cf. BRASIL. Senado Federal. Resumo de audiência referente à Audiência Pública realizada no Senado Federal no dia 1º de julho de 2008, sobre o procedimento relativo à inquirição judicial de crianças e adolescentes, para instruir o Projeto de Lei da Câmara no 35, de 2007. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/comissoes/cas/ap/AP20080701_Resumo- DepoimentoSemDano.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2016.

A partir de uma abordagem promocional dos direitos infantojuvenis, o Conselho Nacional de Justiça expediu a Recomendação 33, de 23 de novembro de 2010, cujo objeto se refere à proposta de criação, no âmbito do Poder Judiciário, de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais.569 Trata-se, pois, de um ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, em virtude da ausência de uma norma legal determinando ao Poder Judiciário o estabelecimento de formas especiais de colheita do depoimento infantojuvenil – quando então tería-se uma obrigação de cunho prestacional –, tem cunho eminentemente promocional.

A ideia de proteção integral da criança e do adolescente aponta, sobretudo, para a necessidade de ações preventivas de resguardo de suas liberdades fundamentais, e tal prevenção dá-se eminentemente no campo das políticas de Estado que se antepõem à prática do ilícito e, portanto, dão destaque ao aspecto promocional dos direitos.570

Assim, a abordagem liberal clássica, apesar de sua inegável relevância e atualidade para a teoria jurídica, não dá conta suficientemente do aspecto promocional das políticas, pois limita seu foco ao estudo das violações ou intervenções diretas na área de proteção de um direito, e isso é muito pouco quando se está diante de omissões violadoras ou faltas que, mesmo não sendo de per si lesivas a bens fundamentais, restringem sobremodo o exercício de direitos – sobretudo, quando em enfoque os de crianças e adolescentes.

É a inquietação decorrente da necessidade de promoção dos direitos que faz com que se desenhem políticas em torno de temas sensíveis para a liberdade humana. São essas políticas que propõem o agir estatal antes da ocorrência do ilícito, por meio da investigação dos motivos de sua incidência em determinadas áreas, para então propor caminhos e soluções inteligentes e criativas. De igual modo, o móbil promocional estimula ainda o Estado a acompanhar, partilhar e replicar experiências exitosas em temas relevantes para a vida social.

O agir preventivo não se refere apenas aos órgãos do Executivo ou do Legislativo, mas podem também se referir a ações realizadas pelos órgãos da justiça, tanto em nível processual – caso da tutela inibitória571 –, como também extrajudicialmente, como forma de

569 Cf. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 33, de 23 de novembro de 2010. Recomenda

aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Depoimento Especial. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em: 24 jun. 2016.

570 Não à toa o plano nacional que trata da garantia do direito à convivência familiar da criança e do adolescente

chama-se Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

571 Sobre o caráter preventivo e inovador da tutela inibitória, por se voltar a um momento anterior à ocorrência

discutir com a sociedade e demais órgãos do poder público estratégias de prevenção de danos.572 Por esse prisma, os órgãos governamentais de justiça deixam de ser expectadores passivos das violações perpetradas contra os direitos humanos e passam a ter um desempenho proativo e preventivo para com a sua garantia, como demonstra, dentre outras instituições, o perfil promocional de atuação do Ministério Público conferido ao órgão pela Constituição de 1988.573

A promoção dos direitos implica ainda, dentre outras questões, o monitoramento, inclusive, pelos órgãos de justiça, das previsões e gastos orçamentários, o que envolve um tipo de acompanhamento para o qual nem a sociedade, nem as instância de controle, nem a ciência do direito estão devidamente preparados.574

Tem-se, então, que muito da “vontade de Constituição”, com que trabalha Hesse575, refere-se à ideia de promoção dos direitos, quer dizer, a uma predisposição do agente público ou privado para guiar seu agir, conforme a Lei Fundamental, dando-lhe efetividade por meio de suas ações. E é justamente nesse prisma promocional que os agentes e as instituições públicas serão avaliados pela população.

A investigação do aspecto promocional do direito não se trata, portanto, de um mero estudo descritivo, de obviedades ou desprovido de qualquer relevância. Antes, pelo contrário, implica uma pesquisa complexa e de extrema relevância para a vida social, que importa, inclusive, no reconhecimento das limitações da juridicidade para a promoção da felicidade humana e, daí, no próprio redimensionamento do papel do Estado perante a vida dos particulares – o que remete, novamente, à ideia do Estado subsidiário.

ação que atua antes da violação da norma. (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/luiz%20g%20marinoni(2)%20- %20formatado.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2016.) Para o autor, “A ação inibitória é conseqüência necessária do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial”. Ibid.

572 Nesse sentido, o Projeto Transformando Destinos do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte,

que visa a levar para o espaço municipal a discussão e a definição de estratégias intersetoriais de enfrentamento ao uso abusivo de drogas. Disponível em: <http://www.mprn.mp.br/portal/transformandodestinos>. Acesso em: 22 jun. 2016. E: <http://www.mprn.mp.br/portal/inicio/noticias/7499-mossoro-forum-realizado-no-mprn-discute-politicas- sobre-drogas>. Acesso em: 22 jun. 2016.

573 Dentre as funções constitucionais do Parquet brasileiro está a de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes

Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”. (Grifos nossos). CF, art. 129, II.

574 Como informam Sustein e Holmes na sua clássica obra “The cost of rights: why liberty depends on taxes” (O

custo dos direitos: por que a liberdade depende de impostos), ao analisar as implicações orçamentárias para as liberdades clássicas como os direitos de propriedade e de expressão: “Os gastos públicos com a Polícia ou o Corpo de Bombeiros contribuem essencialmente para o ‘perímetro de proteção’ que torna possível usufruir e exercer nossos direitos constitucionais e de outras espécies” (tradução livre). No original: “The public costs of police and fire departments contribute essentially to the ‘protective perimeter’ that makes it possible to enjoy and exercise our basic constitutional and other right”. HOLMES; SUSTEIN, op. cit.

A subsidiariedade da ação governamental, como visto, aponta para um Estado que não alimenta expectativas de ser o provedor principal dos bens materiais e imateriais de que necessita o ser humano para a construção de sua liberdade, porém se sabe indispensável para ajudá-lo nessa tarefa. Para tanto, o poder público pode tanto agir diretamente – quer por meio de intervenções limitadoras de outros direitos, quer por meio de suas prestações –, como indiretamente – pela organização do poder social disperso para a construção do bem comum –, ou, por fim, simplesmente, não intervindo, para dar margem à definição do projeto de vida pelos cidadãos diretamente interessados.

A incompletude do Estado – e, portanto, de suas prestações –, reforça a importância da dimensão promocional subsidiária das liberdades fundamentais, pois, num contraponto à redução do “fardo moral” com que o direito labora na obra de Habermas576, as normas jurídicas, se fossem as únicas responsáveis pela harmonização social, carregariam um insustentável fardo – o fardo jurídico – de ser panaceia para os problemas do mundo. E, portanto, a subsidiariedade aponta para uma necessária e salutar relação complementar entre moral e direito; éticas do cuidado e da justiça; solidariedade e juridicidade; Estado e sociedade como responsáveis pela garantia e promoção dos direitos fundamentais.

A ideia de subsidiariedade leva o Estado a confiar na sociedade para a promoção consigo dos direitos fundamentais, o que o conduz ao valor político da solidariedade como forma de complementar – e não substituir, como já dito no tópico anterior – as obrigações decorrentes da juridicidade, pois os laços sociais firmam-se com base nestes dois sistemas, de

576 Em Habermas, o direito surge como elemento de estabilização social numa sociedade pós-moderna que já

não conta com um ethos único, de natureza consuetudinária ou transcendental, para a regulação das condutas intersubjetivas. Às normas jurídicas cabe então esse papel de ordenar a vida em sociedade, que outrora competia exclusivamente à moral – e que para ela consistia nesse fardo moral. Como informam Keinert, Hulshof e Melo a relação que se estabelece entre o direito e a moral na obra do filósofo alemão é de complementaridade, em que ao primeiro cabe compensar as fraquezas regulatórias da norma moral: “Podemos entender assim a relação sociológica complementar entre moral e direito como uma compensação em que o direito aliviará a pessoa moral das altas exigências a que está submetida para julgar e agir moralmente, reduzindo-a a uma pessoa de direito”. (KEINERT, Maurício Cardoso; HULSHOF, Monique; MELO, Rúrion Soares. Diferenciação e complementaridade entre direito e moral. In: NOBRE, Marcos; TERRA, Ricardo (Org.). Direito e democracia: um guia de leitura de Habermas. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 80.) No que toca ao direito, a estabilização social por si pretendida não se baseia tanto na força, mas antes disso na legitimidade da norma jurídica: “A positividade do direito não pode fundar-se somente na contingência de decisões arbitrárias, sem correr o risco de perder seu poder de integração social. O direito extrai sua força muito mais da aliança que a positividade do direito estabelece com a pretensão à legitimidade”. (Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneicheler. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1997, p. 60.) Essa legitimidade em Habermas, segundo informa Góes, dá-se no encontro discursivo dos atores sociais, cambiando as cosmovisões individuais para dar lugar à alteridade; migrando “do subjetivismo da consciência monológica à intersubjetividade da linguagem dialógica”. GOÉS, Ricardo Tinôco de. Democracia deliberativa e jurisdição: legitimidade da decisão judicial a partir e para além da teoria de J. Habermas. Curitiba: Juruá,

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