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Método e parâmetro para análise da intervenção estatal: o processo de justificação constitucional segundo o critério da proporcionalidade

3 AUTONOMIA DOS PAIS

3.6 RESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS À DEFINIÇÃO DA ÁREA DE PROTEÇÃO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

3.6.1 Método e parâmetro para análise da intervenção estatal: o processo de justificação constitucional segundo o critério da proporcionalidade

Para se aferir se uma intervenção estatal, na área de proteção de direito fundamental, é constitucional necessário é saber, no que toca ao aspecto material, se ela foi ou não proporcional, observando, pois, o princípio do devido processo legal em sua acepção substantiva.241 Para tanto, deverá o jurista lançar mão de algumas ferramentas metodológicas que permitirão embasar ou, ao contrário, afastar a justificativa apresentada pelo poder público para a ação limitadora de liberdade.

Segundo Martins e Dimoulis, a análise da proporcionalidade de uma intervenção do

de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2014/Lei/L13010.htm#art1>. Acesso em: 12 ago. 2016.

239 Código Penal, art. 217-A.

240 Nesse sentido, DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 130.

241 Como informa Leonardo Martins, numa análise histórica da evolução do aspecto substancial do devido

processo legal na Alemanha do início do século XX, os direitos fundamentais, em sua acepção clássica, eram entendidos e protegidos como simples reserva de lei. Isso se devia ao fato de a classe burguesa se vê representada bem no parlamento germânico. Porém, com a pulverização da representação democrática no pós-I Guerra Mundial, os direitos fundamentais evoluíram de garantias de reserva de lei para garantias de reserva de lei proporcional. MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012, p. 181; 183.

Estado junto à vida dos particulares implica um processo trifásico.242 Na primeira etapa, proceder-se-á à análise do objeto tutelado pelo direito fundamental, em que se deverá responder à questão: no que consiste a área de proteção do direito fundamental em jogo? Na segunda fase, analisar-se-á a intervenção estatal em si, a fim de saber sob que forma e em que contexto a mesma ocorreu. Por fim, na terceira etapa, dar-se-á a aplicação da proporcionalidade propriamente dita, em que será aferida a intervenção à luz desse critério, para indagar se a intromissão estatal é justificada – ou seja, proporcional – ou não.

Quanto à primeira fase, relativa à definição da área de proteção do direito fundamental, neste estudo o direito fundamental à convivência familiar será o referencial de análise. Entretanto, tal objeto, como já se afirmou, irá ganhar uma dimensão bilateral para se referir tanto ao direito dos filhos – tal como estabelece o art. 227 da Constituição – como também ao de seus pais. A convivência familiar ganha, pois, uma dimensão de reciprocidade, e a intervenção estatal deverá levar em conta esse direito dentro de uma perspectiva bidirecional, de genitores e prole, e não apenas de um dos lados. Necessário, então, será saber se e em que medida nossa ordem jurídica admite tal abordagem mutual.

Sobre a segunda fase, relativa à análise da intervenção estatal em si, é de se ver que ela pode se dar em abstrato, pelo legislador, ou in concreto, pela via administrativa ou judicial para ordenar o exercício dos direitos, limitando-os. São quatro as hipóteses autorizadoras da intervenção243:

a) o comportamento restringido está fora da área de proteção do direito analisado: é o caso do exemplo já dado quando da análise do direito à convivência familiar, onde, na sua área de proteção, estão as relações familiares marcadas por laços de consanguinidade ou pela afinidade e afetividade244, não se situando ali as atitudes de abuso e maus-tratos entre os seus membros, como clarificam os arts. 226, § 8º; e 227, parte final, da Constituição;

b) a própria Constituição autoriza o legislador a, posteriormente, com a edição de norma infraconstitucional, restringir o direito fundamental: é o caso do direito ao sigilo das comunicações telefônicas, em que a Constituição autoriza a edição

242 MARTINS,op. cit., p. 130.

243 A divisão das hipóteses aqui realizada é feita a partir da obra do professor Leonardo Martins. Na verdade, o

juscientista apresenta três hipóteses, mas, aqui, por mera preferência pessoal, opta-se por elencá-las em quatro, dividindo o seu terceiro caso em dois – “c” e “d”, acima. Cf. MARTINS, Liberdade... 2012, p. 181; 183.

244 Nesse sentido, o ECA, art. 25, que, no caput, refere-se aos laços formais de parentesco e, no seu parágrafo

posterior de lei para regular a possibilidade de sua quebra, desde que mediante ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução de processo penal;245

c) para compatibilizar interesses de pessoas em rota de colisão: caso, por exemplo, do art. 17 do Estatuto do Idoso, que faculta ao ancião, no gozo de suas faculdades mentais, o direito de escolher o tratamento que julgar mais favorável a si. Aqui, tanto a lei, abstratamente, privilegia a vontade do idoso, como, no caso concreto, o aplicador da norma – que tanto pode ser um juiz de direito como a equipe médica do caso – haverá de dar prevalência à vontade do ancião manifestada de forma lúcida, ainda que em desacordo com a de seus familiares; d) para os casos em que o que está em rota de colisão é o direito de um indivíduo,

de um lado, e o interesse público do outro: é o caso das correspondências remetidas aos presidiários, para as quais se admite, no caso concreto, a sua violabilidade por razões de segurança pública.

Quanto à terceira fase, relativa à aplicação da regra da proporcionalidade propriamente dita, segundo Martins, ela se constitui de quatro elementos:246

a) licitude do propósito perseguido com a intervenção; b) licitude do meio utilizado;

c) adequação do meio utilizado; d) necessidade do meio utilizado. 247

Tais elementos têm caráter de sucessividade e prejudicialidade com relação aos demais, de forma que, se uma intervenção tiver propósito ilícito (por exemplo, segregar pessoas por conta da cor de sua pele), a análise dos restantes elementos será dispensada. Da mesma forma, se uma invasão se der em virtude de um legítimo propósito, mas o meio utilizado for ilícito – por exemplo, a elucidação de crimes (propósito lícito) mediante tortura (meio ilícito) –, não haverá por que seguir na análise da adequação e da necessidade do meio utilizado e assim por diante.

Quanto ao terceiro elemento, o da adequação do meio utilizado, ele refere-se ao

245 CF, art. 5º, XII.

246 Nesse sentido, MARTINS, Leonardo. op. cit., p. 141 et seg.

247 Não abraçamos o conceito de proporcionalidade em sentido estrito adotado por maior parte da doutrina no

Brasil. Como, porém, este assunto refoge ao objeto deste estudo deixamos de o analisar aqui. Para a leitura de uma posição contrária à proporcionalidade em sentido estrito, cf. MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. Para uma posição favorável, cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

“controle de viabilidade (isto é, da idoneidade técnica) de que seja em princípio possível alcançar o fim almejado por aquele(s) determinado(s) meio(s)”.248 É, pois, a relação de causa e efeito entre o meio e o fim perseguido, pela qual se responde à pergunta: o meio utilizado é viável para alcançar o fim perseguido? Se estivermos diante de uma ação em abstrato por parte do Estado (o caso das atividades legiferantes, como o ora analisado), a pergunta se dará nestes termos: o meio utilizado é viável em tese para alcançar o fim perseguido? Se, porém, estivermos diante de uma ação concreta por parte da administração, a indagação se dará assim: o meio utilizado foi efetivamente adequado para alcançar o fim perseguido?

Quanto ao quarto e último elemento da proporcionalidade, relativo à necessidade, o mesmo vem a ser a “opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito objeto da restrição”.249 Nesse sentido, e considerando que, no que toca aos direitos da liberdade, a ascensão do Estado de Direito visou a permitir uma intervenção excepcional do governo junto à vida dos particulares – e, mesmo assim, de forma democraticamente justificada (daí a incorporação do qualificativo Democrático a esse modelo de Estado),– essa “excepcionalidade” da ação governamental importa também asseverar que o meio utilizado há de ser o menos gravoso para a autonomia humana.

São estas, pois, as ferramentas de que nos valeremos para, no capítulo 6, construir a metodologia de análise do tema escolhido para ilustrar o debate em torno da autonomia da criança relacionada a de seus pais, propondo respostas. Necessária agora outra consideração, desta feita de ordem epistemológica, sobre o peculiar caráter que a intervenção governamental, no âmbito da família, importa para a ciência do direito.

3.6.2 O desafio epistemológico inerente à análise das intervenções estatais no direito à

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