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O Design de Página d’A Manha: Os anúncios de uma nova arte gráfica

Temos, portanto, um primeiro traço, indício ou regra sobre o esqueleto estrutu- ral do discurso da peça gráfica no jornalismo: a organização hierárquica das leituras dadas por tamanho e variação das famílias de fontes utilizadas. Por exemplo, Man- chetes: fonte X, corpo 48, super condensado; Títulos: fonte Y, corpo 22, um pouco condensado; Subtítulos: fonte Z, corpo 18, menos condensado; Textos…; etc). Essa organização formal de enunciados e textos vis-a-vis seus conteúdos, com certeza, é automático no trabalho diário das redações, e indica o que se chama de trabalho editorial; que nada mais é que o processo de enfatismo-exclusão (corte editorial) que situa a publicação junto às áreas de interesse de seu público.

Não podemos reduzir o trabalho editorial à este aspecto apenas, pois este é muito mais amplo e complexo que a estrutura formal do discurso ou que o corte editorial da publicação. Esta estrutura organizacional lógica e induzida das leituras, que mencionamos até aqui, é uma característica inerente e histórica desta lingua- gem e nos servirá de base para os estudos indiciais e comparativos.

Ou seja, por ser um aspecto comum à todas publicações de imprensa, além de criar o parâmetro comparativo, nos levará ao princípio taxonômico, classificatório. Iremos comparar coisas estruturalmente iguais ou semelhantes, para dai chegar à sua diversidade ou tipologia e variantes. A segmentação do público criou os diver- sos gêneros de imprensa: o A Manha é pioneiro da imprensa nanica de humor

No plano plástico, pode-se criar, através da composição de imagem(s), um im- pacto altamente emocional e também humorístico. Das combinações de texto e imagem é que surgirá a composição geral da peça gráfica. Ali, o texto pode ser lido como imagem, por exemplo. A desproporcionalidade dos objetos da página poderão criar figuras de linguagem ou efeitos (humorístico ou não) diversos. Sem dúvida, este é um campo significante privilegiado na obra gráfica: um plano de leitura que aproximará a explicação deste fenômeno de toda a sua complexidade.

Preconizo que a composição de texto e imagem no suporte gráfico gera um terceiro campo significante, distinto do dos texto e das imagens individualmente considerados, quando aplicados neste suporte. A imagem (plástica) expressa no produto gráfico final tem um campo conotativo e perceptivo interdependente de seu material bruto de criação (textos + imagens), mas também enseja um plano conotativo e perceptivo independente de seus elementos constitutivos; podendo, inclusive, alterar completamente o sentido destes.

Como dissemos anteriormente, signos visuais e símbolos alfabéticos em discur- so no suporte gráfico formam uma totalidade dialética, significante em si própria e analisável por seus aspectos específicos. Analogamente às idéias de Luis Tatit no livro Semiótica da Canção (vide bibliografia), onde este diz que letra e música conju- gadas na mesma criação geram o fenômeno da entonação, sendo esse o campo significante privilegiado da Canção enquanto discurso; entendo que na Arte Gráfica dá-se o mesmo: não há bom conteúdo que resista a uma péssima criação gráfica, pois os objetivos da mensagem não se completam. E os Artistas Gráficos têm essa noção, clara ou intuitivamente: a solução estética, encontrada na combinação de texto e imagem, para otimização da recepção e do entendimento da mensagem, assim como da memorização desta tornando-a inesquecível, não é prioridade ape- nas para a publicidade, mas de todas as representações gráficas; como qualidade desejável e que valora o trabalho do Artista.

Me remetendo a HOLLIS (op.cit.), digo agora que o Design Gráfico é uma lin- guagem (e não uma espécie de linguagem apenas); de gramática precisa (e não imprecisa) e determinada pelos movimentos estéticos e artísticos de cada tempo histórico; e com um vocabulário dado (e não em contínua expansão) e decorrente de seus elementos formadores básicos e da alfabetização visual da sociedade estuda- da naquele momento histórico. Nunca ninguém se preocupou em fazer um dicioná- rio da criação gráfica, por que ele é praticamente desnecessário; mas, com certeza, ele é possível, simples e composto por poucos elementos. O que vemos por ai são dicionários para a criação gráfica, como manuais profissionais ou acadêmicos, cole- tâneas e compilações, anuários e afins: é a natureza essencialmente pragmática da Arte Gráfica, cujo objetivo principal é gerar produtos (comerciais, institucionais ou artísticos) e não obras, que a talha dessa forma.

Por analogia, se lembrarmos que o idioma alemão cria constantemente novas palavras e conceitos unindo palavras já existentes, poderíamos dizer que o “ale- mão” tem um vocabulário em constante expansão, não? Mas isso parece um equí- voco, pois seu material bruto é dado. O que constato é uma recombinação de ele- mentos básicos conhecidos e domiciliados num vocabulário igualmente conhecido, gerando novos conceitos, novos significados. Esse formato modular do idioma ale- mão, de extrema racionalidade, é capaz de atender às demandas da realidade social pela criação de novos conceitos com facilidade; os quais são necessários e solicita- dos por um contexto histórico dado.

Na essência da criação gráfica, também encontraremos elementos básicos e imutáveis que se combinam e se recombinam de maneiras diferentes e originais, dando novos significados a novos contextos. Mas, na essência formal do discurso gráfico, seus elementos constituintes nunca mudam; sendo o seu ferramental de- terminado pelos meios e modos de produção e reprodução gráfica disponíveis no momento histórico enfocado, frente às técnicas empregadas. Isso me leva a crer que há indicações para uma semiologia e uma semântica da Arte Gráfica como for- ma de sistematização do conhecimento formal desta linguagem e de seu discurso. E, acredito que a chave para a compreensão desta linguagem está naquela dico- tomia que MEGGS (op.cit.) aponta no Renascimento: enquanto a pintura implantava a perspectiva figurativa como convenção pictórica e depois migra em busca de no- vas convenções formais para expressão do discurso visual; a Arte Gráfica (Tipogra- fia) cuida da ordenação do mundo com a sistematização e difusão do pensamento lógico, seqüencial e dedutivo; e, da linguagem simbólica socialmente convenciona- da — e depois transforma-se no maior instrumento do desenvolvimento científico e cultural, com a difusão da informação, e como interface de trabalho e criação. Essa é uma característica fundamental que diferencia as Artes Gráficas das outras Artes Plásticas: a sua expressão sempre é simbólica e reduzida, convencionada e sabida. Mas na realidade não é bem assim e tudo acontece misturado, junto e ao mes- mo tempo, demonstrando a fragilidade de nossas metodologias.

A linguagem do produto jornalístico, pelo menos em seus destaques, capas, manchetes, está muito mais próxima da linguagem do cartaz do que de qualquer outra obra visual. Na publicidade, por suas características essenciais, essa relação é mais facilmente compreendida. BOB GILL, em seu “Esqueça todas as regras sobre design que você aprendeu, inclusive as deste livro”, nos mostra claramente que copiar, emprestar, roubar está bem na arte gráfica: utilizar uma gravura do séc.XV para fazer propaganda de um negócio no séc. XX está bem, desde que cumpra sua função comunicacional. Ou seja, se acertar o seu target na mosca, o objetivo estará cumprido! Mesmo que a peça gráfica traga uma mentira histórica, um embuste, sua composição plástica consegue transmitir a mensagem perfeitamente e com grande eficácia em relação aos seus materiais constitutivos. E sem precisar de uma analo- gia direta com o referente: a impressão e a sensação podem dominar o significado, e cumprir o objetivo sem problemas.

Na imprensa, por ser um veículo gráfico, isto também é verdade; e as “figuras e ferramentas de linguagem” utilizadas predominantemente na criação da publica- ção indicarão o seu tipo e o seu público alvo. Dai não será difícil entender que nas publicações humorísticas sejam privilegiadas as relações lúdicas, o exagero e todas os expedientes que alterem a relação padrão ou de normalidade convencionada pela sociedade e pelo mito do discurso verossímil da imprensa. Adiante, através de análises de fontes primárias, tratarei desse assunto com mais detalhes. O que me interessa ressaltar aqui é que o espectro de escolhas técnicas que determinam o “tipo” da publicação, no plano dos sentimentos deverão ensejar uma coerência emocional em seu perfil. Se lembrarmos da “trucagem mecânica” de Bergson, o deslocamento das ferramentas do espectro gráfico pertinente criará sempre esse efeito: essa brincadeira, puramente gráfica, tipográfica e/ou visual, que é recorrente nas publicações de Aporelly. Esses artifícios do Humor, recheados de armadilhas, piruetas lúdicas e choques que excitam o pensamento lógico, pontuarão todas as linguagens que ele invadir na qualidade de 4ª pessoa do singular, como quer DELEUZE.

E completaria dizendo que, a comparação freudiana da linguagem do humor à dos sonhos é puramente formal: o que se presta à analogia é a ausência de lógica e de racionalidade, apenas. Essa irracionalidade ilógica tem um parâmetro comparati- vo nos sentimentos e nas sensações que vêm à tona através da memória dos so- nhos, da memória que brota do inconsciente como referência perceptiva. Em suma, é mais um artifício do humor enquanto “singularidade de superfície”, que se agarra a qualquer aspecto humano para “desfiar o seu rosário”, sem dar maiores explica- ções, e sem se aprofundar ou se fixar em nada. Esse “truque” é uma metáfora, uma recriação; que brinca com a natureza cíclica e fechada do pensamento lógico linear, nos dando a mesma sensação onírica de estranhamento ou perplexidade.

Voltando ainda à ordem hierárquica das leituras, estou supondo que cada nível de leitura vai contribuindo para o clima geral da publicação e acrescentando dados e novos elementos para o sentido completo daquela manifestação. Volto a lembrar que estou explicitando esta ordem de leituras (acima sugerida) como artifício lógico, um modelo, para dissertar sobre o tema.

Assim, suponho que existam diversas leituras e planos de percepção; os quais recebem interpretações e seleções de leituras — primeiramente, em função da his- tória de vida e dos hábitos do leitor, e depois e em grande parte, por seu nível cultural e social. Dizemos, em grande parte, porque não podemos reduzir os fenô- meno perceptivos e cognitivos somente aos aspectos que aqui abordamos. E nem desprezar o trabalho editorial, o qual induz, lógica e premeditadamente, esses níveis e ordens de leitura.

Outra suposição que faço aqui também, é que o Humor é completamente des- compromissado com a linguagem de que se utiliza e, por isso, usufrui de liberdade criativa total, aspecto sempre a ser considerado.

Imbuído da idéia de começar meus apontamentos pelo mais legível na obra, fiz um levantamento dos cabeçalhos d’A Manha, algumas manchetes e algumas ca-

pas, as quais reproduzo e comento a seguir. Este será o marco zero do questiona- mento sobre as fontes primárias; e através disso, farei as inferências, caso a caso, apontando os elementos e relações que julgo serem pertinentes para a abordagem que ora realizo.

Escolhi os cabeçalhos do jornal por sua riqueza de elementos gráficos, ou seja, uma parte significativa e importante para a apresentação da publicação. Depois, abordo os desenhos e a Fotografia no A Manha, como elementos fundamentais

para as Artes Gráficas. Sempre no afã de identificar os elementos da peça gráfica que pegam o leitor pela risada e que, também, definem o A Manha como uma

publicação humorística. É por ai que vou trilhar.

Ao lado, vemos o “nosso querido diretor” enfermo, na versão de Guevara para o A Manha em 1927 (observe o

“Haja o que houver, aconteça o que acontecer, Estaremos com o vencedor!”

(manchete d’A Manha publicada durante a revolução de 30)

Fios, iluminuras, ornamentos repetitivos