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Os Projetos de recuperação da memória de autores nacionais e o Barão

Como dito anteriormente, concordando com SALIBA (op.cit.), também descon- fio, fundado nas pesquisas de campo, que deve haver muito mais material pulveriza- do pela imprensa e nos porões dos centros de documentação pública, museus e acervos privados, sobre e de autores praticamente esquecidos (e alguns até inédi- tos para nós) do que se imagina: isso ocorre com o Barão e com a maioria dos autores brasileiros conhecidos e reconhecidos. Na medida em que não há um traba- lho insistente de recuperação da documentação e do patrimônio histórico nacional através de pesquisa e conservação com políticas públicas específicas e ostensivas, os trabalhos existentes ocorrem lenta e aleatoriamente, e ao sabor dos interesses de pesquisadores isolados, assim como através dos sacrifícios de alguns poucos “preservacionistas” conscientes da importância da memória histórica para a ciência e para o país.

A isso, somamos os períodos de destruição de arquivos, impostos pelos longos períodos de repressão política e censura: na época colonial, no império, na regência, no segundo reinado, no estado novo e na ditadura militar de 1964, dando à docu- mentação e ao patrimônio histórico brasileiro uma característica fundamentalmente fragmentária, levando as pesquisas, mormente nos temas e assuntos mais antigos, a trabalhar sobre traços e indícios. Temos um patrimônio histórico nacional ameaça- do constantemente pela depredação, pela falta de conservação adequada e pela “pirataria” nacional e internacional.

Ainda temos que lembrar que muito do acervo histórico nacional está no exteri- or, em coleções particulares, museus e centros de pesquisa histórica, e, também, em bibliotecas como a de Washington DC/EUA, onde há uma sistemática antiga de compra e arquivamento de tudo que se publica em todos os países do globo. A recente exposição de arte plumária Tupinambá realizada pelo governo da Dinamarca no Brasil, coleção que é única e inexistente nos museus indígenas nacionais, atesta que alguns tesouros culturais brasileiros residem no exterior, e, dependendo do tema da pesquisa, a busca de dados fora das fronteiras brasileiras será de suma importância.

Assim, além da fragmentação documental, o pesquisador, muitas vezes, terá que recorrer a acervos estrangeiros para complementar seu trabalho. Mas, talvez isso não baste para que os objetivos da pesquisa sejam alcançados e, no desenrolar dos conhecimentos acerca de temas propostos, os estudos históricos da vida públi- ca e privada contemporânea ao período de vida de autor, trarão a diretriz pertinente para os caminhos que a pesquisa deverá tomar. Dessa maneira, fica estabelecida uma relação de complementaridade entre os estudos de autores e os estudos da vida pública e privada; onde, traços, marcas e indícios contidos nos acervos (particu- lares ou não) poderão adquirir grande significado ao serem confrontados com os estudos de caso históricos.

No caso do “legado” de Aparício Torelly, tivemos uma preocupação grande em não descartar um papel sequer, por mais insignificante que fosse, já que poderiam significar uma pista ou pegada do que estamos a buscar. Não é o caso que citei acima, de acervos brasileiros no exterior, mas constatei, também, que, para pene- trar numa face fundamental de nosso trabalho — que é a vida e a obra de Andrés Guevara —, em algum momento posterior e em vista do prosseguimento das pes- quisas, terei que, obrigatoriamente, lançar mão de acervos argentinos: já contatei o jornal Clarín e resta-me uma pesquisa complementar junto às bibliotecas e universi- dades argentinas para levantar mais dados sobre esse talentoso artista.

Na medida em que a ciência será sempre inacabada, não pretendo dar à minha pesquisa a pretensão de ser um trabalho completo ou definitivo, senão que juntar e organizar o maior número possível de elementos para que novos pesquisadores, contando com os elementos trazidos pelo presente trabalho, possam ir adiante e agregar novos conhecimentos ao tema.

Perspectivas para o futuro

Face aos prolegômenos explicitados anteriormente, e sabendo que a heran- ça documental, finda as pesquisas, será sempre dada a partir de um determina- do momento; como pesquisador envol- vido nessa árdua batalha que é a pre- servação da memória nacional, não po- deria me contentar com o simples de- pósito do acervo reunido num museu ou centro de pesquisa, encerrando, as- sim, o meu trabalho. Dessa maneira predico uma atitude de fomento a no- vas pesquisas, sem estar estritamente atrelado aos interesses de pesquisado- res isolados. Ou seja, depois de todo este esforço por mais de uma década, os resultados obtidos deverão ser difun- didos, assim como a existência do acer- vo divulgada.

O caminho que me parece óbvio para que esta empreitada tenha continuidade parte do próprio acervo e, para mim, a estratégia de geração contínua de novos produtos, a partir do próprio acervo, é

que fará com que os objetivos sejam cumpridos.

Como citei acima, a parceria com a TV Senac nos presenteou com a restau- ração e digitalização do acervo fotográfi- co do “legado”, mais um documentário que será exibido diversas vezes em ca- deia nacional. Esse aporte publicitário é que poderá suscitar o interesse de ou- tros pesquisadores, já que os centros de documentação não fazem propaganda acerca dos acervos em disponibilidade para pesquisa. No contexto da realidade atual, puramente mercadológica ou liga- do à esfera do consumo, somente a moda, a publicidade e a divulgação mas- siva criarão o ambiente motivacional necessário para o prosseguimento das pesquisas, assim como para o estabele- cimento de parcerias com a iniciativa privada no financiamento dos projetos e produtos.

Assim, o Projeto Barão, como atitude estratégica, pretende implementar uma

série de ações, para que o autor e o tema, sigam sendo pesquisados, a saber: 1 - Apresentação do projeto (IEB/Projeto Barão) de restauração documental,

organização e catalogação ao MinC, haja visto a dificuldade de cooptar a iniciativa privada para este tipo de ação pouco pública ou pouco visível aos olhos do mercado, mas essencial para a manutenção do acervo;

2 - Criação e publicação urgente de um catálogo das peças mais significativas do “legado”, ou seja, desenhos e obras de arte; para que o público cliente tenha noção da extensão e do valor histórico e artístico das peças ali contidas;

3 - A partir do catálogo analógico, a decorrência imediata é a criação do catálogo digital, o qual poderá ser configurado e publicado como uma sala de visita anexa ao site do IEB-USP, tendo os interessados, a possibilidade de fazer consultas on-line. Além do serviço oferecido, esta ação também comporta objetivos propagandísticos; 4 - Não contente, ainda pretendo criar um site que seria um ”fã clube” do Barão, contendo o sumário da biografia e da obra, o citado catálogo do acervo artístico acrescido de reproduções do jornal A Manha e dos Almanhaques (já que o catálogo

contempla apenas as obras de arte avulsas), e criando ainda fóruns de debates, chats e trocas de informações sobre o autor e o tema, e também incentivando rela- ções com outras iniciativas semelhantes, como por exemplo, o Museu do Quadri- nho (fundado pelos cartunistas Jal e Gual com apoio do MinC). Esse tipo de iniciati- va, além gerar toda uma série de produtos “vendáveis”, poderá, inclusive, comerci- alizar publicidade no caso do site ter um nível de visitação compatível. A idéia é que este tenha um faturamento que dispense patrocinadores e mecenas, conferindo- lhe uma autonomia financeira que lhe dê sobrevida ao esgotamento do assunto na esfera pública e possa, no futuro, fomentar a pesquisa de outros autores ligados ao tema. Em suma, isso daria ao site a característica de ONG, a necessária ponte entre ciência, memória e mercado que a realidade contemporânea demanda para a acele- ração do desenvolvimento científico e cultural do país;

5 - E, por último, no ensejo de realizar um velho sonho, o Projeto Barão preten-

de retomar o projeto das Antologias d’A Manha, não apenas como produto comerci- al, mas, principalmente, como modelo para que novas antologias sejam realizadas sobre publicações de relevo e de grande significado histórico.

Concluindo, antes de pensar que o Projeto Barão possa servir de modelo para

outros projetos semelhantes de recuperação da memória de autores nacionais (digo isso porque este teve um desenvolvimento aleatório, sem planejamento e projeto pregresso, o que me desagrada), gostaria de enfatizar o desdobramento deste e o aspecto ideológico desta iniciativa no que tange à resistência a aculturação coerciva, subliminar e violenta que os meios de comunicação globalizados impõem sobre as culturas regionais e nacionais, extinguindo-as e/ou depredando-as: o grande veículo da alienação e da doutrinação capitalista que torna os povos dóceis à dominação econômica e cultural. Na próxima parte trataremos desse assunto com mais vagar ao discutir as questões metodológicas.