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Sobre o processo industrial no qual o jornal A Manha era realizado já temos uma

certa noção: este era feito inteiramente no sistema tipográfico e rodado através de impressão tipográfica rotativa. Mais à frente falarei sobre a questão do desenho de página. Nesse sistema de impressão, a coisa deveria funcionar da seguinte manei- ra: o jornal já era todo pré-formatado com o número fixo de colunas por páginas, fios, ornamentos, pé e cabeçalho. A cada edição trocava-se os linotipos e os clichés. Vez ou outra deveria haver uma reforma no visual, seguida de um número grande de repetições do mesmo gabarito. Não havia exatamente um projeto gráfico, senão que um plano original rascunhado à lápis e produzido pelos tipógrafos através de um gabarito padrão já conhecido e aceito; imbuído na expectativa e no hábito, do leitor e do editor também.

N’A Manha, por ser um jornal semanal e de humor, esta liberdade deveria ser

maior; mas o custo deveria subir com mudanças constantes. Parece que o que contou realmente foi o arrojo, o talento e a criatividade dos profissionais que esta- vam à frente da publicação. Com isso, no A Manha poderemos observar vários

expedientes e iniciativas pioneiras, com certeza vindas do dedo arguto de Andrés Guevara e da ousadia de Apporelly.

Mas, a força do texto do Barão é tal que passa desapercebido pelo leigo a manei- ra inusitada como o desenho d’A Manha se apresenta em sua própria época. E isso

se dá porque Apporelly abria espaço para o seu parceiro Andrés Guevara, mesmo que através de intervenções esporádicas e, por longos períodos, inconstantes, fazer seus balões de ensaio naquelas páginas. Ali, Guevara pôde implementar algumas técnicas de diagramação, que são basicamente técnicas projetivas. A isso, naquele momento, devemos unir o clima de furor que o movimento modernista implantou na década de 20, “sacudindo a tradição”. Como exemplo do clima da época, pode- mos mostrar abaixo, a página 11 do exemplar nº 1 d’A Manha, de 13 de maio de

No exemplo da página anterior, numa época em que o rebuscado jar- gão positivista ainda era dominante na imprensa nacional, com certeza, aqui- lo foi uma novidade — a página total- mente em branco, com iluminuras for- mando as bordas desta, e apenas um ponto de exclamação e outro de inter- rogação ao centro: ou, estava-se tiran- do sarro de alguém… . Por isso, não devemos interpretar esse choque com uma finalidade estética, modernista ou seja lá o que for, senão que com obje- tivos críticos e humorísticos. Apporelly estava aproveitando o clima cultural de rompimento estético generalizado para realizar suas críticas e suas pia- das. Essa ambiguidade formal, que é explícita ao nível do texto, é outra das constantes na obra gráfica de Aparício Torelly. Ele sempre se valeu disso para fazer suas troças — ninguém sabia o que era sério ou não em seu discurso, escrito ou falado ou desenhado. E funcionou muito bem, lhe rendendo enorme sucesso e po- pularidade.

Entretanto, mesmo nos meios mais capciosos, esta característica ainda não é muito bem compreendida. Volto ao mesmo assunto. O próprio Millôr Fernandes já afirmou que o Barão era uma farsa (e era mesmo!). Enquanto, no mesmo “Pas- quim”, Fortuna e Jaguar souberam, com outros olhos, ver outro valor naquele que inventou o besteirol e abriu espaço para o desenho econômico de Guevara. O Barão é, e continua sendo, uma grande fonte de inspiração para as novas gerações. O pessoal do Casseta & Planeta que o diga: cotidianamente, bebem nesta fonte.

O cartum ao lado está publicado no Almanhaque 1955 1º semestre, porem não está assinado por Guevara, que sa- bia se valorizar muito bem. Por isso, estou supondo que é uma criação da dupla. Ademais, o casamento é um dos temas constantes no Barão, desde seu primeiro livro — o Pontas de Cigarros de 1916 — e também, o traço de Guevara é realmente inconfundível.

Parece que ai encontramos um grande filão de trabalho: especular sobre esta ambiguidade do discurso, que sempre foi a tônica principal do Barão. Esta, acompa- nhada de sua fina ironia e de todas as figuras de linguagem que são capazes de mexer nos pontos mais basais de nosso imaginário arquetípico, arrancou e arranca gostosas risadas de seus “caríssimos leitores”, até hoje.

Essa atmosfera d’A Manha ajudou a criar o espaço laboratorial para o refinado

design de Andrés Guevara, que pôde ali, fazer algumas intervenções pioneiras, as- sim como impor plenamente seu desenho econômico, limpo e genial. Este mesmo desenho, que influenciou toda a geração dos modernos desenhistas brasileiros, entre eles Nássara e Cássio Loredano — discípulos confessos, viu seu criador desfilar seu talento em projetos gráficos revolucionários; premiados internacionalmente, e com- parados aos melhores do mundo nos anos 40 e 50. É o caso dos jornais Clarín em Buenos Aires, da Folha Carioca e do Última Hora no Rio.

Talvez esta liberdade criativa tenha aproximado mais Guevara do Barão, além da amizade. E essa proximidade também influenciou os métodos de trabalho, sendo os dois, pioneiros das duplas de criação — dos anos 20 aos 50 — no cartum, na Charge e na publicidade (exemplos abaixo e na página seguinte).

O anúncio ao lado foi publicado no A Manha

No cartum acima, publicado no Almanha- que para 1949, temos o procedimento

típico: um cria a piada, o outro o desenho. À direita, temos outro expediente de uso freqüente n’A Manha desde os anos 20:

a fotografia retocada à guache gerando a caricatura ou o cartum.

À esquerda, em parceria com Otávio, a publicidade da loja Ducal publicada no

Almanhaque 1955- 2º semestre; onde

o Barão também aparece como garoto propaganda.