realizada na sede do IMESP em 05 de Dezembro de 2001
Carlos Nicolaievski (CN) …(A Manha) começou imprimindo na própria A Noite. José Mendes André (JA) — Lá com o Chateaubriand.
CN — Não era do Chateaubriand, não me lembro quem era o dono. Era A Noite e
depois de um certo momento saiu A Manhã. Daí o nome d’A Manha, ouviu. Então,
saiu na mesma organização d’A Noite saiu A Manhã…
Sergio Papi (PP) — Com a direção do Mário Rodrigues…
CN — … exato, tinha muita gente de esquerda trabalhando n’A Manhã e tudo mais;
inclusive o Barão trabalhava n’A Manhã.
PP — Sim, sim…
CN — E quando ele resolveu fazer o seu jornal, ele o chamou de A Manha. PP — Certo, parodiando A Manhã. E o Guevara também trabalhou n’A Manhã. CN — Muito pouco.
PP — Tem uma capa do A Manhã ai que aparece o Guevara segurando um cachorri-
nho…
CN — É. (Risos) Mas muito pouco, viu.
“Nesta vida tudo é passageiro, menos
o cobrador e o motor ne iro”
,frase de outrem, que Apporelly sempre publicava n’A Manha
quando a Light aumentava o preço das passagens de bonde.
Ilustração d’A Manha
nos anos 20.
JA — Na versão que a gente conhece, o Barão e o Mário Rodrigues trabalharam
juntos, por um curto período, n’O Globo. Mas não se davam muito com o pessoal da redação. Conta-se que, pouco tempo depois de aberto O Globo, faleceu o Sr. Irineu Marinho (em 1925) — fundador d’O Globo e pai de Roberto Marinho —, e Mário não retornou à redação naquele dia: resolveu abrir A Manhã. Convidou o Barão no mes- mo dia, e ele aceitou o convite e começou a publicar ali. No ano seguinte o Barão ficou independente e fundou A Manha (Nº1-13/05/1926). Ela vinha num formatinho
… puxa vida eu ia trazer para o Sr. ver, mas esqueci… era feito num formatinho A4.
PP — O azul, né!…
CN — Não esqueça que eu nasci em 26. Eu não vi isso. PP — O Sr. sabe da história.
CN — Isso. Eu sei da história.
PP — O Sr. entra em contato com ele na década de 40, não é? CN — Eu entro em contato com ele em 1946.
PP — Já é a terceira fase d’A Manha.
CN — Meu contato: Av. Rio Branco, 257 - 17ª andar; eu trabalhava numa agência de
notícias que era vizinha do Barão.
PP — Agência Nacional, não?
CN — Não, agência do Partido Comunista. PP — Foi aí que o Sr. conheceu meu pai. CN — Seu pai…
PP — Benito Papi.
CN — Não, teu pai era da Editora Vitória. PP — Isso, da Vitória e da Amizade.
CN — Eu acho que a Vitória era no mesmo prédio, num andar mais embaixo. PP — E o meu tio era da Agência Nacional, o Luis Francisco Papi.
CN — É, esse eu não me lembro.
PP — Era um jornalista lá d’O Globo, mas era da Agência Nacional também. CN — O Benito é que sempre estava na Vitória.
PP — Vou falar do Sr. pra ele. Ele fez agora 77 anos, continua forte, advogando — Tá
forte. Se especializou em falências. Depois que faliu a gráfica dele. Ele chegou a ter uma gráfica, a Gráfica Editora Livro, cresceu, ficou grande; depois, segundo ele, perseguido pelo regime militar aquilo foi de roldão, (risos), não herdei nada, não herdei a gráfica (mais risos). Ele se especializou, com 40 e tantos anos foi fazer Direito, se especializou em causas de falência e hoje vive disso.
CN — A vida é curiosa, né (risos). PP — Dá cada volta…
CN — Mais ou menos em 1947, sou gaúcho, eu vim de Porto Alegre e arranjei o
trabalho lá na Interpress: era o nome da agência. E vim a ser vizinho do Barão.
JA — O Sr. veio com aquela turma do “Com tereré não resolve” que acampou no
Rio…
PP — Isso foi nos anos 30.
CN — Não, mas eu tive um primo que estava lá… (risos). Foi quando amarraram os
cavalos no Obelisco.
JA — E lá em Bagé, onde o Sr. se criou, como era a fama do Barão, com é que o
povo falava dele?
CN — Olha, em Bagé, eu sai menino de lá. Nunca ouvi falar de Barão, embora vim a
saber que ele vivera lá, mas sai de lá com 12, 13 anos — naquela idade não tinha nem com quem conversar.
JA — E o Sr. acha que lá em Bagé existe algum arquivo municipal ou congênere?
Pois temos informação pela biografia escrita por Cláudio Figueiredo (vide bibliogra- fia) que nesta fase estudantil o Barão abandonou a Faculdade de Medicina para se dedicar a jornalismo e chegou a publicar alguns jornais por lá e em outras cidades da região.
CN — Não, ele foi expulso da faculdade de Medicina (risos). JA — Ah, ele foi expulso é… (mais risos).
JA — Esta a gente não sabia…
CN — É, também são estórias. Tinha um professor na Faculdade de Medicina que
virou político depois, o Raul Pila. Era o homem que era o líder do grupo parlamenta- rista aqui. O Raul Pila era professor. Consta a história, que chegou a hora do exame de anatomia e o Raul Pila era o professor; que mostrou (o osso de) um braço para ele (e perguntou: o Sr. conhece este osso?). E ele fez como se tivesse apertando a mão e disse…
— Não, muito prazer… foi mandado embora, né!
JA — Temos também outras estórias. A do Professor Vergara. Esta foi em São
Leopoldo. O tal professor de português tinha o sobrenome Vergara e atendia pelo mesmo nome. No exame final, inquirido para fazer uma frase em “tal” conjugação verbal, o Barão disparou:
— O burro vergara ao peso da carga.
PP — E o professor deu 10. Perguntado do porque da nota 10, se o aluno, de certa
maneira, o tinha ofendido — ele respondeu: — A resposta estava correta, quanto a sua insolência o mundo saberá puni-lo.
CN — Isso foi em Bagé?
JA — Não, foi onde ele publicou seu primeiro jornal (O Capim Seco), na escola de
padres, dos Jesuítas. A gente não tem o único exemplar, mas sabemos que tinha um desenho na capa que era o padre-diretor caricaturado de cobra fumando.
CN — Sim, não é do meu tempo. Em Bagé, só tinha o colégio de Padres e o colégio
Protestante. Era os dois colégios que tinha; isso em 30 e poucos.
JA — Ele era estudante nos anos 10. CN — Pois é, bem antes.
JA — Deviam ser mais rigorosos ainda. CN — São Jesuítas.
JA — Exatamente, Jesuítas… mas era lá em São Leopoldo. Ele morou em Bagé
entre 1915 e 1923, não era do seu tempo mesmo.
PP — Que muito contribuíram para sua formação intelectual.
JA — Ele falava bem. Apesar de ser super irreverente, parece que também foi
expulso daquela escola.
CN — É lógico. Mas o Barão ser expulso de escola, é lógico, né! (Risos). O Barão era
o tipo!
JA — Perdia o amigo, mas não perdia a piada. CN — Não.
PP — Já que o Sr. falou da década de 40 vamos pensar um pouco pra cá, já que
gente tem uma dúvida que gostaríamos de perguntar: porque num determinado momento ele muda para S.Paulo? Ele acompanha o movimento que era geral? Por exemplo, o Chateaubriand começou no Rio e acabou em S.Paulo. Eu cheguei a trabalhar no Diário aqui em S.Paulo.
CN — O Chatô começou no Rio com O Jornal. E, 3, 4 anos depois ele vem pra cá e
compra o Diário da Noite…
PP — Eu cheguei a trabalhar no Diário de S.Paulo. CN — … depois o Diário de S.Paulo.
PP — Era ali na 7 de abril. CN — 7 de abril.
PP — Cheguei a pegar isso na década de 80, estava terminando. CN — Eu trabalhei lá 14 anos.
PP — Eu fazia um jornal de esquerda lá, o Em tempo. Em 1979, 80. CN — Eu sai em 71. Depois de 14 anos de Diários Associados.
PP — O Barão resolve fazer os Almanhaques aqui. Essa fase d’A Manha que o Sr.
falou, que é de 46, logo após a guerra, A Manha tem bem essa cara do pós-guerra,
a questão do stalinismo, …
CN — Sim, mas isso ele estava no Rio ainda…
PP — Sim, mas em 49, o primeiro Almanhaque, já é em S.Paulo. JA — E tem o endereço que é na Barão de Itapetininga, 255.
CN — Pois é. Eu vim pra cá em 52, 53. Eu era diretor da Última Hora no Rio. PP — A Última Hora também, começou no Rio e depois veio pra cá.
PP — Mas, o Samuel Wainer se transferiu, ele era do Rio. CN — Eram dois jornais, numa mesma cadeia.
JA — Já que o Papi falou sobre isso: tinham outros em outras capitais? CN — Sim, senhor.
JA — Ah, tá.
PP — Os Diários Associados sim, … O Última Hora também?
CN — O Última Hora tinha uma edição em B. Horizonte, tinha uma edição no Recife
e na época que começou o bafafá, tinha uma edição também em Niterói.
PP — Agora, a Última Hora no Rio, no tempo do Getúlio, no começo dos anos 50,
ele era governista? Apoiava o Getúlio?
CN — Ele sempre apoiou o Getúlio.
PP — Ele acaba vindo pra S.Paulo, o Samuel Wainer, ou não tem essa estória. CN — Não, ele ficava nos dois. E nessa época que fechou, começou a campanha,
tava muito adiantado a saída da Última Hora em Porto Alegre — que eu fui diversas vezes lá pra montar a gráfica. E começou o bafafá, o Lacerda e tudo mais, e a coisa lá parou. Pouco tempo depois já saiu, mas não como Última Hora e sim como jornal A Hora. Foi com patrocínio do Brizola.
PP — É por isso que o Zero Hora tem esse nome?
CN — E posteriormente, o jornal não foi lá das pernas e passaram o jornal pro grupo,
que é dono hoje, com o nome de Zero Hora.
PP — Ceeeerto. Ai eles aproveitaram o nome.
CN — O que tinha: no Chile tem a Primeira Hora, tinha outro lugar que tinha a
Segunda Hora, então eles lançaram o Zero Hora.
PP — Que é o único tablóide que se consagrou como jornal diário. CN — Mas o tablóide…
PP — Mudou faz pouco tempo. CN — …não é a Zero Hora que faz… PP — A não?!
CN — O Correio do Povo de Porto Alegre tinha um jornal vespertino que era a Folha
da Tarde, lá de Porto Alegre, que era tablóide.
PP — O Zero Hora não é tablóide?
CN — É tablóide, mas o Zero Hora só apareceu como tablóide muitos anos depois. PP — Entendi.
CN — A Folha da Tarde já devia ter uns 15, 20 anos como tablóide.
PP — Porque que tem esse mito aqui em S.Paulo, jornal tablóide não é reconhecido
como um grande jornal, o povo não está acostumado…
CN — Não, aqui em S.Paulo nunca pegou.
PP — O Samuel Wainer lançou um jornal chamado Aqui S.Paulo, não é isso? CN — É. Mas ai era um semanário.
PP — Ainda tem esse mito, cê vai fazer um jornal, “ tablóide o pessoal acha que não
é jornal…”.
CN — A gente fez diversas tentativas em S.Paulo. PP — É, me lembro disso…
CN — Os jornais… Revelação, viu… teve um outro lá na liberdade, o Correio Espor-
tivo, e tinha um outro jornal também… diversos jornais foram feitos com caracterís- ticas de diário e tudo, e não pegou… aqui em S.Paulo.
PP — Mas aqui em S.Paulo o Sr. voltou a ter contato com o Barão? CN — Tive.
PP — Ele colaborava no Última Hora. A gente sabe que A Manha acabou no Última
Hora. Em 1960, 61 era a última página da Última Hora.
CN — O escritório do Barão era numa rua paralela à Xavier de Toledo. JA — A Quirino de Andrade.
CN — Isso. O escritório do Barão era ali quando eu vim para S.Paulo em 53. Ele tava
lá, o Barão, e já imprimindo em S.Paulo.
JA — Era a edição S.Paulo -Rio. CN — Isso.
JA — Tem um dado, que o Sr. nem era nascido, mas talvez possa nos ajudar a
esclarecer. A gente tem uma coleção d’A Manha que o Fortuna deu pra gente e a
gente doou para o IEB-USP, que vai de 1926 a 1931 naquele formato A4…
PP — Ele não era o Barão de Itararé…
JA — Era o “nosso querido Diretor”, sem barba e tal… inteiramente feito pelo
Guevara, praticamente todos os desenhos, uma coisa ou outra talvez do Nássara, do Martiniano ou do Mendez – ele até comentou com a gente…
CN — O Nássara publicou com o Barão…
JA — Do Mendez, que a gente conheceu vivo ainda e até colaborou com um dese-
nho para o Projeto Barão — o desenho está publicado no primeiro caderno do Alma- nhaque 1955 1º semestre, Studioma, S.Paulo, 1989 — mas lá…
PP — Mas o Mendez e o Nássara que morreram — desculpe interromper — são
dos últimos torcedores do América, talvez só o Max Nunes esteja ai.
CN — Tinha outros. Eu tive muitos amigos torcedores do América. PP — Mas agora está acabando…
CN — Um deles era o Alex Viani.
PP — Ah, o Alex era americano? Há, há.
CN — O Alex era americano doente. E tinha outros, me lembro. JA — Imagino. O Lamartine, né!
CN — O Lamartine fez os hinos de praticamente todos os times do Rio.
JA — Porque ele era americano roxo também… Enfim, com o negócio de 29, a
depressão e tal, em 1931 A Manha interrompe a publicação e se associa ao Chatô
PP — Era um prédio aonde era a Rádio Nacional, Praça Mauá, por ali? CN — Não, era ali perto, mas ele já tinha o prédio.
PP — Tem uma estória que o Barão botou uma placa no topo do prédio que era
maior que a do Diário da Noite, como se o Diário da Noite fosse encarte d’A Ma- nha…
JA — E depois quando ele desfez a sociedade, A Manha publicou um informe com
os seguintes dizeres: Desejamos sucesso ao Diário da Noite em sua nova vida inde- pendente já que até ontem encartava A Manha, etc, etc… o maior sarro, né! (Ri-
sos).
CN — Ele era uma figura, né!
JA — Eu imagino, minha Tia fala, ela era muito amiga dele, pois ela morou no Rio, a
irmã mais velha do meu pai, nos anos 60. Meu tio era descendente de ingleses, é falecido, e era funcionário da Souza Cruz. E ela teve oportunidade de ter muita con- vivência com o Barão naquela época. Depois do incidente com a Aida Costa, sua última companheira – que ateou fogo às vestes na praia do Flamengo – ele ficou muito solitário e ela ia muito lá no Cosme Velho.
PP — O pessoal do Partido.
JA — Não… O pessoal do Partido não, por que a coisa era muito vigiada naquela
época.
CN — O Barão não é... , apesar de ser comunista, ...mas ele nunca fez vida partidária
não. Nunca fez.
PP — Ele foi eleito vereador pelo partido. CN — Foi, foi eleito vereador no Rio e tudo.
PP — Fez um jornal para o partido também que é o Correio do Povo. JA — Jornal do Povo?
PP — Isso antes, né? JA — Isto foi em 1934.
PP — Depois na década de 60 com o Stanislaw. Correio do Povo, lá em Recife, eu
acho. Com certeza, Sergio Porto, ainda não era o Stanislaw ainda…
CN — Na época que ele tava vereador teve uma passagem muito engraçada: tava
se discutindo a construção do Maracanã, então tinha um grupo, que era maioria, que queria o Maracanã não onde foi construido, mas o Lacerda e o grupo dele queria fazer em Jacarepaguá. Na terra do Valeti Possas que era ligado ao Lacerda. E um dia tava uma discussão, Ary Barroso, o Lacerda, e cada um defendendo um ponto de vista, quando o Barão…
— Permitem um aparte? Esse jogo não pode ser 1 a 1. E começou a fazer uma brincadeira com a música sobre futebol… (risos) — que acabou com a tensão do ambiente.
Outra coisa interessante do Barão: o expediente terminava as 5 horas e eu me dava muito com o Arly — filho mais velho do Barão que trabalhava com ele n’A Manha —
, e de vez em quando a gente jogava xadrez. O Barão tinha a mania de as vezes vir jogar com a gente. Mas não era possível jogar sério com ele, porque ele transmitia o jogo. “…o peão vai de encontro a dona Dama e…”.
PP — Olha a gente tem lá no acervo calhamaços de estudos sobre o xadrez, a peça,
o cavalo, né, ele estudava, fórmulas mágicas, …
CN — Mas ele não era um grande jogador. PP — Não era um grande jogador. Ha, ha, há.
CN — Era um grande gozador, isso ele era. Uma coisa também que eu não sei se
vocês arranjaram, tem ou tinha, ele mantém uma correspondência com Bernard Shaw.
PP — A gente não tem as cartas, mas sabemos disso.
CN — E o tema da correspondência era: Bernard Shaw é o Barão de Itararé da
Inglaterra ou o Barão de Itararé é o Bernard Shaw do Brasil? Era mais ou menos isso.
PP — No mesmo patamar, se igualando. CN — Por muito tempo.
JA — Agora vou perguntar o que eu queria e ainda não perguntei: O A Manha volta
a ser publicado independente do Diário em 1930 mesmo, mas a gente tem números esparsos do ano de 35, 36, 38. Ou seja, a gente não sabe muito bem o que aconte- ceu com A Manha neste período. A gente sabe através dos relatos, das Memórias
do Cárcere do Graciliano, etc, que ele ao sair da prisão em 37 começou a republicar
A Manha, mas o DIP não deixou ele trabalhar e ele fechou em 38 para reabrir ape-
nas 1945. Nesse período de 39 a 44, ele publica uma coluna no Diário de Notícias do Rio de Janeiro. O Sr. não tem alguma informação sobre esta época?
CN — Nesse período não.
CN — Como eu disse, eu conheci o Barão em 46 quando eu fui trabalhar lá e fui
vizinho do Barão 2 anos. Em 1948 fechou a agência noticiosa, fechamento do parti- do e tudo mais, e eu fui trabalhar no Diário Carioca, na gráfica nova, que era a ERICA.
PP — Quem era o dono do Diário Carioca?
CN — Olacir de Carvalho. Era ele e o Macedo Soares, que era…, que ele tinha um
caso. Ele era bicha, né, e ele era dono do Diário Carioca.
PP — Sei. E o Diário Carioca tinha um projeto gráfico ousado, do Guevara, não é
isso?
CN — Não, o Guevara não tinha nada com isso. Era um projeto gráfico moderno,
ouviu, era ali na Getúlio Vargas quase esquina da Rua de Santana. Foi demolido o prédio em função do metrô lá. Prédio feito em 48, 49. Dez, doze anos depois foi demolido. Ai eu fui para o Diário Carioca, fiz carreira rápida lá e de repente o Samuel aparece comprando o Diário Carioca.
PP — Ai o Guevara veio. CN — Isso, ai o Guevara veio. JA — Pra fundar o Última Hora?
CN — Antes disso o Guevara esteve aqui fazendo a Folha Carioca. JA — Isso é outro assunto que interessa a gente muitíssimo. CN — Folha Carioca.
JA — O Sr. me falou na outra oportunidade que a Folha Carioca durou uns 4 ou 5
anos…
PP — O Barão colaborava com a Folha também?
CN — Possivelmente, mas não posso te dar certeza não.
JA — Isso vai nos render algumas horas na Biblioteca Nacional… O Sr. tinha me
falado da Folha Carioca e do Diário Carioca, que trouxeram as grandes inovações na imprensa brasileira.
CN — Na Folha Carioca, a diagramação do Guevara. Que eu acho que é o primeiro
jornal grande que ele faz aqui.
PP — Antes ele só ilustrava?
CN — É. E o Diário Carioca, que não tinha nada a ver com isso, inovou a linguagem.
A linguagem até então era aquela coisa que formava frases que se completavam e tudo. Ele passou para a linguagem telegráfica.
CN — Mais direta, que é o título. Então ele fez a inovação da linguagem. Dai a
importância do Diário Carioca.
PP — Isso é em 41. CN — 48, 49, 50.
PP — O Última Hora é fundado em…? CN — 51. Vai sair em 52.
PP — Com algumas inovações também. Aquele logotipo itinerante, etc.
CN — A mudança da Última Hora é total. Não só na apresentação, na escolha do
pessoal e tudo. O Samuel tinha o apoio do Getúlio e foi buscar os melhores elemen- tos, formou uma equipe espetacular. E cujo interesse maior, é que o jornal tinha como base, o noticiário local. Tinha uma página de noticiário internacional, mas era um jornal que cuidava da vida diária da cidade. Eu estava lá. Isso ficou 5 meses e o jornal não saia na tiragem, ai eu lancei cores no Última Hora, pela primeira vez no Brasil. E o negócio, por circunstância ou não, estourou. Mais 6 meses, o Última Hora estava empatando e passando O Globo na tiragem. Foi quando começou a campa- nha contra o Última Hora. Nesse período também foi lançado o jornal Flan.
JA — Já ouvi falar.
CN — O Flan foi um semanário que tinha formato normal e saia com 3 cadernos,
cada caderno de 16 páginas. E imprimia no Rio e em S.Paulo. No Rio, do Rio e pro norte; em S.Paulo, de S.Paulo pro sul. E o jornal teve um sucesso danado. E o Samuel deu uma que lhe ajudou: ele não aceitou publicidade de 90 a 120 dias, pois somente ai ele saberia a quantidade exata de jornal para saber o custo. Quanto custaria a publicidade. Bom, o jornal saiu com 50, 60 mil; três meses depois tava com 200 e tantos mil.
PP — Cacetada.
CN — E começou a preocupar o Chateaubriand n’O Cruzeiro, entendeu. Também foi
a razão de o Chateaubriand se unir ao Roberto Marinho e patrocinar o Lacerda. Bom, e o Flan ficou assim, quando começou a campanha real…