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Capitulo VI A Desobediência Civil

3. Elementos específicos da desobediência civil

3.3 A desobediência civil como acto ilegal

A desobediência civil, vista como um acto ilegal, esse mesmo acto ilegal será aquele que

oferece maiores dificuldades em ser definido527, pois poderá situar-se numa linha ténue que

separa a legalidade da ilegalidade, porque apesar de encontrar os seus fundamentos “em princípios ou mesmo com previsão - relativa - nos textos constitucionais de alguns países como Portugal e Alemanha, a desobediência é, conceitualmente, um acto ilegal”528, pois a sua acção insurge-se contra uma norma ou um acto normativo do Estado, porque na desobediência civil, geralmente são invocados valores supralegais para sustentar uma acção desobediente, e neste sentido, John Rawls reconhece na desobediência civil “uma acção estabilizadora da sociedade perante uma injustiça praticada pelo Estado”529, permitindo, assim, o apelo aos sentimentos de justiça universalmente reconhecidos e à própria

Constituição, para que certas mudanças possam ocorrer. Por outro lado, Hannah Arendt530

defende que “a desobediência deverá possuir uma previsão constitucional, por ser um instrumento de cidadania”531. Já Gomes Canotilho532 entende que “a desobediência civil será somente um instrumento legítimo quando utilizado na defesa de princípios e direitos

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SÁ, Mariana Santiago de - Desobediência Civil: Um meio de se exercer a cidadania. op. cit. f. 14 Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/25962-25964-1-PB.pdf

527 MARASCHIN, Claudio: BRUSCATO Giovani Tavares - A Teoria e a Prática a Desobediência Civil: Um

Estudo a Partir da Doutrina Contemporânea. op. cit. p. 58-59. Disponível em: http://ojs.fsg.br/index.php/direito/article/viewFile/734/525

528 Idem op. cit. p. 58

529 Ibidem op. cit. p. 58

530 LUCAS, Doglas Cesar - A Desobediência Civil na Teoria Jurídica de Ronald Dworkin´. Revista de Direitos

Fundamentais e Democracia. op. cit. p. 120-121. Disponível em:

https://www.academia.edu/14491665/A_Desobedi%C3%AAncia_Civil_na_teoria_jur%C3%ADdica_de_Ronald _Dworkin_-_Doglas_Cesar_Lucas

531 MARASCHIN, Claudio: BRUSCATO Giovani Tavares - A Teoria e a Prática a Desobediência Civil: Um

Estudo a Partir da Doutrina Contemporânea. op. cit. p. 59. Disponível em: http://ojs.fsg.br/index.php/direito/article/viewFile/734/525

532 LUCAS, Doglas Cesar - A Desobediência Civil na Teoria Jurídica de Ronald Dworkin´. Revista de Direitos

Fundamentais e Democracia. op. cit. p. 120-121. Disponível em:

https://www.academia.edu/14491665/A_Desobedi%C3%AAncia_Civil_na_teoria_jur%C3%ADdica_de_Ronald _Dworkin_-_Doglas_Cesar_Lucas

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constitucionalmente previstos”533. Todavia, “o espaço da justificação normativa da desobediência é algo problemático, assim como toda a tentativa de regulação das condutas sociais, porque, em bom rigor, a desobediência estaria situada em qualquer lugar acima das referidas condutas, como um direito para a reafirmação de outros direitos”534.

Para a grande maioria dos autores a desobediência civil é uma prática ilegal535, apesar de

considerarem que ainda que não se trate de uma prática ilícita qualquer, mas de “uma ilegalidade amparada em justificações legítimas”, sustentando que o ordenamento jurídico não pode considerar lícito um comportamento que ameaça a obrigatoriedade de obediência ao direito, considerando que a qualidade principal da desobediência civil estaria contida justamente na sua “ilegalidade legitimada”, e por isso John Rawls defende que a contrariedade da desobediência civil à lei desenrola-se dentro dos limites do ordenamento jurídico, porque apesar da violação legal, a natureza pública e não violenta do acto, demonstra a aceitação das consequências jurídicas pelos desobedientes, o seu reconhecimento e fidelidade à autoridade da lei, isto porque, desobedecer civilmente é uma acção de natureza política por se tratar de um acto que se orienta e justifica por princípios políticos, e que segundo John Rawls, está alicerçado nos princípios de justiça que fundamentam a Constituição e as instituições da sociedade, mas face às insuficiências da democracia representativa, Arendt reconhece a desobediência civil como “a reafirmação de uma obrigação jurídico-política de participar do processo de tomada de decisões políticas, e dessa forma impedir a degeneração da lei e a corrosão do poder político”536.

533 MARASCHIN, Claudio: BRUSCATO Giovani Tavares - A Teoria e a Prática a Desobediência Civil: Um

Estudo a Partir da Doutrina Contemporânea. op. cit. p. 59. Disponível em: http://ojs.fsg.br/index.php/direito/article/viewFile/734/525

534 Idem op. cit. p. 59

535 LUCAS, Doglas Cesar - A Desobediência Civil na Teoria Jurídica de Ronald Dworkin´. Revista de Direitos

Fundamentais e Democracia. op. cit. p. 120-121. Disponível em:

https://www.academia.edu/14491665/A_Desobedi%C3%AAncia_Civil_na_teoria_jur%C3%ADdica_de_Ronald _Dworkin_-_Doglas_Cesar_Lucas

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Por outro lado, Bobbio537 e Arendt538 também aceitam a dimensão de “ilegalidade legitimada

dos actos desobedientes”, e não obstante o predomínio das concepções mais tradicionais, existem teses doutrinárias que consideram a desobediência civil como um direito fundamental de proteção da liberdade, da cidadania e da Constituição, sugerindo, inclusivamente, sua inclusão no ordenamento jurídico, e é nesse quadro teórico que a desobediência civil é caracterizada como o exercício de um direito ou como um teste de constitucionalidade. Outra possibilidade assumida pela desobediência civil no âmbito constitucional diz respeito á sua identificação como o exercício de um direito fundamental como defensora das liberdades necessárias à existência de uma opinião pública crítica. Já quanto à sujeição dos desobedientes às prescrições punitivas, predomina o entendimento de que, pelo facto de reconhecerem a legitimidade do sistema político e de dirigirem a desobediência apenas contra determinadas leis, os desobedientes aceitam a punição pelos seus actos como uma forma de chamar a atenção da sociedade e para se criarem as condições necessárias para a instauração do debate público. A punição é anuída como elemento estratégico e persuasivo, capaz de mobilizar a opinião pública a adoptar a mesma postura participativa e crítica assumida pelos desobedientes, sendo que, Thoreau considerava que “o aprisionamento decorrente de desobediência civil como um mérito pessoal, pois ao agirem injustamente os governos fazem da prisão o único lugar digno para um homem justo” 539.