• Nenhum resultado encontrado

Fundamentação e modalidades da objecção e consciência

Capitulo IV O Direito de Resistência

4. A objecção de consciência

4.4 Fundamentação e modalidades da objecção e consciência

O fundamento do direito à objecção de consciência deve “ser encontrado na dignidade da consciência de cada um”263. Com efeito, “o direito à objecção de consciência está alicerçado numa premissa que se traduz na circunstância de cada pessoa ser capaz de se autodeterminar segundo o seu próprio critério de decisão”264. Portanto, “é este o fundamento que garante um valor jusconstitucional ao direito à objecção de consciência, contrariando as teses de todos aqueles que lhe atribuem várias desvantagens, nomeadamente a de criar desigualdades, decorrentes do facto de os objectores serem alvo de um tratamento especial face aos restantes cidadãos”265, visto aqueles não cumprirem um conjunto de deveres jurídicos e não serem sancionados por isso. Para além deste aspecto, é inegável “que o seu uso poderá funcionar como um factor desestabilizador para toda a ordem jurídica, decorrente do facto

261

BIOÉTICA, Comissão Geral de - Objecção de Consciência. op. cit. f. 1-2. Disponível em: http://ohsjd.org/resource/obiezioneleone-iannone_por.pdf

262 Cfr. LEONE, Salvino: PRIVITERA, Salvatore - Nuovo dizionario di bioética. Città Nuova. 2004 apud

BIOÉTICA, Comissão Geral de - Objecção de Consciência. op. cit. f. 2. Disponível em: http://ohsjd.org/resource/obiezioneleone-iannone_por.pdf

263 COUTINHO, Francisco Pereira. - Sentido e Limites do Direito Fundamental À Objecção de Consciência.

Lisboa. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. 2001. 49 f. Working Paper Nº 6 p. 11. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

264 Idem p. 11

83

de não existir um critério de consciência uniforme, o que levará a que uma mesma situação seja tratada de modo diferente, tendo em consideração a consciência de cada objector”266. Para a invocação do direito de objecção de consciência poderão existir várias motivações, como sejam motivos humanistas, filosóficos, sociológicos e éticos, existindo porém dois motivos qua lançam a discórdia na doutrina quanto à possibilidade de se invocarem estes

motivos para fundamentar este direito267.

Uma parte defende os motivos religiosos como legitimação desse direito, pois parte dessa doutrina defende que a liberdade religiosa não poderá em caso algum legitimar o exercício do direito à objecção de consciência, considerando que a liberdade de religião já é tutelada pelo artigo 41º nº 1 do CPP, não necessitando de uma tutela acrescida do artigo 41º nº 6. Porém, e

segundo Bacelar Gouveia268, o entendimento maioritário da doutrina, aponta para a aceitação

do direito de objecção de consciência com base em motivos religiosos, considerando-se que esta aceitação é justificada pelo facto de a doutrina entender que o artigo 41º nº 1 e nº 6 regulam direitos fundamentais, ainda que com um âmbito de aplicação e com fundamentos diferenciados, isto porque, geralmente a invocação mais comum do direito de objecção de consciência é com base precisamente em motivos religiosos e segundo o entendimento da maioria da doutrina a previsão do artigo 41º nº 1 não afastará a possibilidade do exercício do direito de objecção de consciência por motivações religiosas, prevendo apenas um direito de

liberdade religiosa que extravasa o núcleo do artigo 41º nº 6269.

266 COUTINHO, Francisco Pereira. - Sentido e Limites do Direito Fundamental À Objecção de Consciência.

Lisboa. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. 2001. 49 f. Working Paper Nº 6 p. 11. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

267 PAMPLONA, Raquel: CARDOSO Soraia - Os Novos Contornos do Direito de Objeção de Consciência - Os

fundamentos e a evolução do direito à objecção de consciência no direito constitucional português. Análise de um direito em permanente evolução e presente em diferentes realidades. op. cit. p. 11. Disponível em: http://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2015/07/CEDIS-working-papers_DER_Novos-contornos-do-direito- de-obje%C3%A7%C3%A3o-de-consci%C3%AAncia.pdf

268 Cfr. GOUVEIA, Jorge Bacelar - Objeção de Consciência (direito fundamental à), in Dicionário Jurídico da

Administração Pública, VI, Livraria Arco-Íris, Lisboa, 1994, p. 170 apud PAMPLONA, Raquel: CARDOSO Soraia - Os Novos Contornos do Direito de Objeção de Consciência - Os fundamentos e a evolução do direito à objecção de consciência no direito constitucional português. Análise de um direito em permanente evolução e presente em diferentes realidades. op. cit. p. 11-12. Disponível em: http://cedis.fd.unl.pt/wp- content/uploads/2015/07/CEDIS-working-papers_DER_Novos-contornos-do-direito-de-

obje%C3%A7%C3%A3o-de-consci%C3%AAncia.pdf

269 PAMPLONA, Raquel: CARDOSO Soraia - Os Novos Contornos do Direito de Objeção de Consciência - Os

fundamentos e a evolução do direito à objecção de consciência no direito constitucional português. Análise de um direito em permanente evolução e presente em diferentes realidades. op. cit. p. 11-12. Disponível em: http://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2015/07/CEDIS-working-papers_DER_Novos-contornos-do-direito- de-obje%C3%A7%C3%A3o-de-consci%C3%AAncia.pdf

84

Face ao exposto e relativamente á aceitação desse direito com base em motivações politico- ideológicas, para Bacelar Gouveia esse entendimento não será assim tão unanime na doutrina porque essas motivações não poderão ser aceites porque são exteriores á consciência individual do individuo, isto porque o foro da consciência não se relaciona com essas mesmas

motivações politico-ideológicas, porque, e ainda segundo Bacelar Gouveia270 a partir de uma

interpretação sistemática exclui ambas as motivações, considerando que o direito á objecção de consciência integra o capitulo dos direitos, liberdades e garantias, e não um direito relativo de participação politica.

No entanto, apesar de não estarem enumeradas as situações abrangidas pelo direito à objecção de consciência, isso não equivale a dizer que este direito pode ser ficcionado como aplicável em qualquer situação, pois a ressalva constitucional que remete para o legislador ordinário a regulação do exercício deste direito remete para o momento dessa regulação a possibilidade para o indivíduo da sua utilização efectiva. “Caberá assim, ao legislador ordinário consagrar expressamente as diferentes manifestações do direito à objecção de consciência o que pode, no limite, levar a uma consagração de um direito geral à objecção de consciência”271. E

neste caso, Bacelar Gouveia272 sustenta que “a omissão da menção, no art. 41º nº 6, da CRP,

à objecção de consciência perante o cumprimento de um dever jurídico específico faz supor que a lei – não apenas pode – deve permitir o seu exercício em todas as situações, muitas delas já presentes no Direito Constitucional Português”.

De entre as várias modalidades em que se pode decompor o direito à objecção de consciência a mais usual é aquela que se funda em convicções religiosas. No entanto, actualmente verifica-se um alargamento dos motivos que podem estar na origem do mesmo, congregando

270 Cfr. GOUVEIA, Jorge Bacelar - Objeção de Consciência (direito fundamental à), in Dicionário Jurídico da

Administração Pública, VI, Livraria Arco-Íris, Lisboa, 1994, p. 18 apud idem op. cit. p. 12. Disponível em: http://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2015/07/CEDIS-working-papers_DER_Novos-contornos-do-direito- de-obje%C3%A7%C3%A3o-de-consci%C3%AAncia.pdf

271 COUTINHO, Francisco Pereira. - Sentido e Limites do Direito Fundamental À Objecção de Consciência.

Lisboa. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. 2001. 49 f. Working Paper Nº 6 op. cit. p. 19. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

272 Cfr. GOUVEIA, Jorge Bacelar - Objecção de Consciência (direito fundamental à), in Dicionário Jurídico da

Administração Pública, VI, Livraria Arco-Íris, Lisboa, 1994 p. 184-185 apud COUTINHO, Francisco Pereira. - Sentido e Limites do Direito Fundamental À Objecção de Consciência. op. cit. p. 19 nr nº 50. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

85

razões de ordem ética, filosóficas, ideológicas e mesmo políticas273. A título exemplificativo,

“questões como o aborto, a eutanásia, a pena de morte, a reacção perante ordens injustas ou a recusa de prestação do relação ao serviço militar são exemplos de eventual uso do direito à objecção de consciência com fundamento nas referidas modalidades”274.

Por fim, o direito à objecção de consciência é também reconhecido em Tratados e

Convenções internacionais importantes, nomeadamente275:

 No artigo 18º Declaração Universal dos Direitos Humanos, Assembleia-Geral das Nações Unidas, 10 de Dezembro de 1948276.

 No artigo 18º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Assembleia-Geral das Nações Unidas, Nova Iorque, 12 de Dezembro de 1966277.

 No artigo 9º da Convenção Europeia para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, adoptada pelo Conselho da Europa, a 4 de Novembro de 1950 onde de reafirma-se o direito de toda a pessoa à liberdade de pensamento, consciência e religião278.

273

COUTINHO, Francisco Pereira. - Sentido e Limites do Direito Fundamental À Objecção de Consciência. Lisboa. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. 2001. 49 f. Working Paper Nº 6 op. cit. p. 12. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

274

Idem op. cit. p. 12 nr nº 25. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

275

BIOÉTICA, Comissão Geral de - Objecção de Consciência. op. cit. f. 3 Disponível em: http://ohsjd.org/resource/obiezioneleone-iannone_por.pdf

276 “Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a

liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos” in COUTINHO, Francisco Pereira. - Sentido e Limites do Direito Fundamental À Objecção de Consciência. Lisboa. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. 2001. 49 f. Working Paper Nº 6 op. cit. p. 14. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

277

“Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito inclui a liberdade de ter ou de adoptar a religião ou as crenças de sua escolha, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou as suas crenças, individual ou colectivamente, tanto em público como em privado, pelo culto, pela celebração dos ritos, pela prática e pelo ensino. Ninguém será objecto de medidas coercivas que possam prejudicar a sua liberdade de ter ou de adoptar a religião ou as crenças e sua escolha. A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas crenças só pode ser objecto de restrições que, estando previstas na lei, sejam necessárias para a protecção da segurança, da ordem, da saúde e da moral públicas, ou para a protecção dos direitos e liberdades fundamentais de outrem. Os Estados-Signatários no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e dos tutores legais, se for o caso, de modo a garantir que os filhos recebam uma educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções” in COUTINHO, Francisco Pereira. - Sentido e Limites do Direito Fundamental À Objecção de Consciência. Lisboa. Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. 2001. 49 f. Working Paper Nº 6 op. cit. p. 14. Disponível em: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf

278 Artigo 9º Nº 1 “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este

direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos”. Nº 2 “A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições

86

 No artigo 10º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000, que considera a objecção de consciência é um verdadeiro direito subjectivo que deriva dos direitos do homem e das liberdades fundamentais279.

Resulta assim do exposto “estar previsto expressamente, quer a nível nacional, quer a nível internacional, o direito à objecção de consciência, aparecendo este direito autonomizado da liberdade de consciência, da qual é, afinal de contas, um corolário”280. Por outro lado, “sublinhe-se que nos parece ser esta solução aquela que se afigura mais acertada, na medida em que, desta forma, não fica o direito à objecção de consciência exposto às contingências da legislação infraconstitucional e muito menos permite hesitações quanto à sua admissibilidade enquanto direito fundamental”281.