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Dignidade da pessoa humana e o sistema de direitos fundamentais

Capitulo II O princípio da dignidade da pessoa humana

1.5 Dignidade da pessoa humana e o sistema de direitos fundamentais

A dignidade da pessoa humana é um direito sobre direitos, no fundo, é a razão de ser, o fim e também o limite dos direitos fundamentais, segundo defende Miguel Angel Alegre Martinez111.

Estes (direitos fundamentais) são constitucionalizados na medida em que o bem jurídico por eles protegido releva com elevada pormenorização para a dignidade da pessoa humana, merecendo uma especial protecção através de uma rigidez constitucional e do respectivo

controlo de constitucionalidade112. Ainda assim, existem direitos cujo conteúdo tem uma

maior proximidade com outros no que refere a uma imposição moral, politica e jurídica de respeito e protecção, trata-se neste caso de direitos civis e políticos, com especial relevo para os direitos de personalidade, já que sem o seu respeito e observação, tornam inexistente um

110 NOVAIS, Jorge Reis - Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa p. 51

111 MARTINEZ, Miguel Angel Alegre, “La Dignidade de la Persona”, Leon, 1996, p. 81 apud MORAIS, Carlos

Blanco de - Curso de Direito Constitucional - Teoria da Constituição em Tempo de Crise do Estado Social Tomo II Volume 2. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2014, op. cit. p. 469

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MORAIS, Carlos Blanco de - Curso de Direito Constitucional - Teoria da Constituição em Tempo de Crise do Estado Social Tomo II Volume 2. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2014, op. cit. p. 469

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Estado de direito democrático, daí que a CRP os integre na categoria dos direitos, liberdades e garantias, com titulo e efeitos imperativos, inserido nas garantias do artigo 18º, relativo á força jurídica dos direitos, liberdades e garantias e ao seu respeito vinculativo das “entidades públicas e privadas” contra certo tipo de restrições arbitrarias, como também se incluem

numa cláusula de limites materiais à revisão constitucional113, porque mesmo dentro dos

direitos, liberdades e garantias existem alguns direitos qualificados como absolutos, cujos valores tutelados têm uma conexão directa com o conteúdo nuclear da dignidade da pessoa humana, carecendo de uma especial protecção, como é o caso do direito à vida, à intimidade da vida privada e familiar, à palavra, à identidade pessoal e genética, à cidadania; a constituir família e contrair casamento, à integridade física, da proibição da tortura ou penas degradantes, da liberdade de consciência e de religião, de garantir contra criminalizações

retroactivas, e direito de defesa na qualidade de arguido114.

Constata-se que raramente o princípio da dignidade da pessoa humana é invocado como característico ou fundamento directo de decisões de inconstitucionalidade, embora abunde como critério interpretativo, já que se projecta, com maior ou menor peso axiológico na generalidade dos direitos fundamentais.

Existe, contudo, uma importante excepção no domínio das prestações sociais devidas em beneficio dos estractos mais carenciados da população, onde o Tribunal Constitucional entendeu na época, que a dignidade da pessoa humana implica uma dimensão positiva, da obrigação de o Estado, no sentido de assegurar os meios essenciais de sobrevivência e na assistência condigna a pessoas com especiais dificuldades e carências económicas e que não possuíssem condições de subsistência, e tratando-se de prestações sociais, de o Rendimento Social de inserção constituir um exemplo dessas mesmas prestações sociais ou outras alternativas de eficácia idêntica, constituiriam, um direito social de natureza análoga aos

direitos, liberdades e garantias, de acordo com o artigo 17º da CRP115, o qual releva

directamente para o direito á vida e para o elemento fulcral da integridade física e moral.

113 Artigo 288º - “As leis de revisão constitucional terão de respeitar;” aliena d) “Os direitos, liberdades e

garantias dos cidadãos;”

114 MORAIS, Carlos Blanco de - Curso de Direito Constitucional - Teoria da Constituição em Tempo de Crise

do Estado Social Tomo II Volume 2. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2014, op. cit. nota de rodapé p. 469

115 Artigo 17º da CRP relativo ao regime dos direitos, liberdades e garantias, referindo que “O regime dos

direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no Titulo II e aos direitos fundamentais de natureza análoga” como sejam Artigo 24º “Direito á vida”, Artigo 25º “Á inviolabilidade da integridade moral e física

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Carlos Blanco de Morais dá como exemplos os Acórdãos do Tribunal Constitucional que foi obrigado a pronunciar-se sobre normas que contrariaram o princípio da dignidade da pessoa

humana, como foi o caso do Acórdão 62/2002 do Tribunal Constitucional116 o qual deliberou

que à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, a inconstitucionalidade de uma norma que permitia a penhora do Rendimento Mínimo Garantido, por entender que “parece fora de dúvida, quer pelo montante da prestação (…) quer pelas suas finalidades, condições de atribuição e forma de cálculo, que ele visa justamente assegurar á recorrente o mínimo indispensável á sua sobrevivência condigna e do seu agregado familiar”117.

Também o Acórdão 509/2002, numa outra decisão do Tribunal Constitucional118, o qual

entendeu neste Acórdão que o principio da dignidade da pessoa humana obrigaria o Estado a criar as condições para assegurar “o mínimo da existência condigna” através de subsídios ou de outras prestações sociais, a pessoas especialmente carenciadas, tendo o TC censurado que a uma categoria de pessoas com idades entre os 18 e os 25 anos, tenham sido retiradas de um programa de atribuição de subsídios (Rendimento Social de Inserção que na altura tinha substituído o Rendimento Mínimo Garantido), não só por razões de igualdade, mas também porque a decisão punha em causa “a garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência”, que ocorreria “no caso de particulares situações sociais de necessidade”, sem prejuízo de o legislador gozar “de autonomia necessária para escolher os instrumentos adequados para garantir o direito a um mínimo de existência condigna, podendo modelá-los em função das circunstancias e dos seus critérios políticos (…) ”119

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das pessoas”, Artigo 26º “Reconhecimento dos direitos á identidade pessoal, desenvolvimento da personalidade, á capacidade civil, á cidadania e ao bom nome e reputação, á imagem, á palavra, á reserva da intimidade da vida privada e familiar, e á protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”, Artigo 27º “Direito á liberdade e segurança”.

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MORAIS, Carlos Blanco de - Curso de Direito Constitucional - Teoria da Constituição em Tempo de Crise do Estado Social Tomo II Volume 2. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2014, op. cit. p. 470

117 ACÓRDÃO Nº 62/2002: Processo n.º 251/01. 2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto. Acordam na 2ª Secção

do Tribunal Constitucional. Disponível em:

http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_actc.php?ano_actc=2002&numero_actc=62/2002

118 MORAIS, Carlos Blanco de - Curso de Direito Constitucional - Teoria da Constituição em Tempo de Crise

do Estado Social Tomo II Volume 2. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2014, op. cit. p. 470

119 ACÓRDÃO N.º 509/02: Processo nº 768/02, Plenário, 19 de Dezembro de 2002. Tribunal Constitucional.

Relator - Conselheiro Luís Nunes de Almeida. Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020509.html

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O texto do Acórdão 509/2002 foi inspirado num Acórdão do Tribunal Constitucional

Alemão120 o qual citou Wolfgang Däubler referindo o seguinte:

“A jurisprudência do Tribunal Constitucional, no entanto, deduziu do art. 1º da Lei Fundamental121

, que garante a dignidade do homem, um direito subjectivo aos meios necessários á existência do individuo. Num acórdão de Junho de 1975, o Tribunal decidiu que a assistência social faz parte das obrigações de um Estado Social “que decorrem do proprio conceito”; e que deve ser garantida uma existência “digna”. Dada a diversidade dos meios possíveis para atingir esse fim, é o legislador que decide quanto aos instrumentos e ao montante do auxílio, se não se tratar do “mínimo indispensável”. Esse mínimo é pois obrigatório e poderia, eventualmente ser invocado perante a jurisdição administrativa”.

Mais recentemente o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 187/2013122 invocou o

principio da dignidade da pessoa humana ao declarar as inconstitucionalidade de “uma contribuição sobre prestações de doença e desemprego”.

120 MORAIS, Carlos Blanco de - Curso de Direito Constitucional - Teoria da Constituição em Tempo de Crise

do Estado Social Tomo II Volume 2. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2014, op. cit. p. 470

121 Artigo 1º nº 1 “A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o

poder politico”, nº 2 “O povo alemão reconhece, por isto, os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana como fundamento de toda a comunidade humanam da paz e da justiça no mundo”, nº 3 “Os direitos fundamentais, discriminados a seguir, constituem direitos directamente aplicáveis e vinculam os poderes legislativo, executivo e judiciário” ALEMANHA, Lei Fundamental (da Republica Federal da). Trad. Juliano Assis Mendonça. (Janeiro 2011). Deutsher Bundestag: Stuttgart. Disponível em: https://www.btg- bestellservice.de/pdf/80208000.pdf

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MORAIS, Carlos Blanco de - Curso de Direito Constitucional - Teoria da Constituição em Tempo de Crise do Estado Social Tomo II Volume 2. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2014, op. cit. p. 471

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