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Modalidades de resistência na actual Constituição da Republica

Capitulo V Evolução do Direito de resistência em Portugal

2. Artigo 21º da Constituição da Republica Portuguesa

2.1 Modalidades de resistência na actual Constituição da Republica

No âmbito do exercício do direito de resistência, poder-se-ão fazer várias distinções no que respeita às modalidades ou formas de resistência no sentido mais lato em que a expressão é usada na epígrafe do artigo 21º. Assim, quanto à fonte de agressão poderá distinguir entre: i) A resistência a actos das autoridades públicas, ou seja, o direito de resistência no seu sentido mais antigo e restrito da expressão, ii) a resistência a agressões privadas, como seja, o direito de legítima defesa e da autotutela privada.

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Ibidem p. 461 in fine

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes: MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada Volume I Artigos 1º a 107º, p. 421

383 ZORRINHO, José Carlos das Dores. O Direito de resistência e a legitimidade para a desobediência civil.

Entrevista concedida a Serafim Cortizo. Lisboa, 16 Jan. 2015 p. 5-6

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes: MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada Volume I Artigos 1º a 107º, p. 421

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Por outro lado, e quanto á natureza do acto em que se consubstancia a resistência, haverá que distinguir entre resistência passiva e resistência defensiva, ou seja: i) a resistência passiva corresponde substancialmente á desobediência a ordens e tanto pode ser negativa (não cumprir o que é imposto) como positiva (fazer o que é vedado, exercendo o direito ameaçado), ii) a resistência defensiva que corresponde substancialmente a repelir agressões a direitos, quer elas venham de agentes da autoridade pública, quer venham de particulares.

Nestas duas modalidades, reduzidas compreensivelmente a reacções perante actos da

autoridade pública, também no artigo 103º nº 3 da CRP385, o qual, no capítulo do sistema

financeiro e fiscal defende que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”386.

No seu significado mais antigo e restrito, o direito de resistência é sobretudo um direito de oposição a actos da autoridade pública, sendo que, a CRP delimita numa dupla referência à existência de uma “ordem” e da ofensa lesiva de direitos, liberdades e garantias, isto porque, quando a CRP fala de em resistência a “ordens”, em bom rigor abrange todos e quaisquer actos de poder, sejam eles actos administrativos ou de outras categorias, não se tratando de actos declarativos ou exequendos, mas também e até, por maioria de razão, de actos de execução, inclusive e execução de ordens por funcionários subalternos.

Segundo o pensamento de Jorge Miranda e Rui Medeiros, ambos consideram que neste ponto se tornam necessárias algumas observações quanto á correlação entre o direito de resistência e a cessação do dever de obediência, nos casos em que o cumprimento de ordens conduzam á prática de um crime, de acordo, com o artigo 271º nº 3 da CRP no âmbito da responsabilidade dos funcionários e agentes do Estado, o qual refere no seu nº 1 que “os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades publicas são responsáveis civil, e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de

385 O nº 3 do artigo 103 ao reconhecer aos cidadãos o direito de não pagamento de impostos não apenas no caso

de eles terem sido criados de forma inconstitucional (designadamente, por não terem sido criados pela AR, ou mediante autorização sua) mas também quanto á sua liquidação e cobrança se não façam “nas formas prescritas na lei”, estabelece uma espécie de direito de resistência á imposição de exacções fiscais inconstitucionais ou ilegais (cfr. Art. 21º). Mas é problemática a articulação deste direito dos cidadãos com as regras gerais da administração fiscal (nomeadamente com o privilégio da execução prévia, inerente ao sistema de administração executiva)

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que resulte violação dos direitos e interesses protegidos dos cidadãos (…) ”, referindo no seu nº 3 que “cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime”.

Nesta perspectiva haverá que entender que os artigos 21º e 271 nº 3 da CRP não se podem confundir, embora se entrecruzem, isto porque, ao dizer-se que a cessação do dever de obediência, acaba no fundo, por ser uma aplicação indirecta do direito de resistência, ou, pelo menos do seu pensamento fundamental, estando-se aqui perante a previsão de uma resistência passiva especial de funcionários, e de forma especifica, em relação ao dever de obediência a ordens superiores, sendo que, os âmbitos normativos não são coincidentes porque, desde logo, há crimes contra o Estado, mas que não ofendem direitos, liberdades e garantias, isto é, está- se perante uma ordem hierárquica cujo cumprimento pelo funcionário hierarquicamente inferior conduzirá simultaneamente à prática de um crime que ofenderá consequentemente direitos, liberdades e garantias, cessando aí o seu dever de obediência, que neste caso, agirá de forma ilícita porque actua em obediência constitucionalmente indevida. Por exemplo, numa situação de uma ordem ilegal de detenção, de ofensa à integridade física ou mesmo até de violação de domicílio, gozando o particular, nestes casos, do direito de resistência passiva contra a ordem dada pelo funcionário inferior e de resistência defensiva contra a respectiva execução.

Poderá sem dúvida suceder que o funcionário inferior actue sem culpa, de acordo com o artigo 37º do Código Penal, o qual refere que “age sem culpa o funcionário que cumpre uma ordem sem conhecer que ela conduz á prática de um crime (…) ”. Neste caso, à violação e ofensa de direitos, liberdades e garantias, não sendo isso evidente no quadro das circunstâncias por ele representadas, estando aqui em causa um regime e uma previsão do CP relativamente á causa de exclusão da ilicitude pelo cumprimento de um dever imposto por ordem legitima da autoridade (artigo 31º nº 2 alínea c) do CP), previsão que causa perplexidade justamente por força da cessação do dever de obediência quando este conduza à prática de um crime, podendo questionar-se se não se estará simplesmente perante uma causa de exclusão da culpa do inferior, deixando incólume a responsabilidade do superior, ou pelo menos se não será de interpretar de forma severamente restritiva a referida causa de exclusão da ilicitude (neste sentido a justificação por legitima defesa). Qualquer que seja a solução parece evidente que o que ele não poderá é prejudicar o direito constitucional de resistência.

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A CRP garante a resistência (passiva ou activa) a ordens das autoridades públicas que ofendam direitos, liberdades e garantias, abrangendo também a defesa de direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias, de acordo com o artigo 17º da CRP. Desse âmbito não são de excluir direitos á partida qualificáveis como direitos sociais, os quais, no seu todo, ou em parte do seu conteúdo mantenham uma analogia com direitos, liberdades e garantias, ainda que sejam verificados certos pressupostos, o que se poderá questionar, caso a caso, se tal analogia existe, ou se se estará perante hipóteses de acção directa e não, por exemplo, de legitima defesa, ou se de um direito de resistência verdadeiro e próprio, pois no mais, os direitos sociais já não são abrangidos porque só se concebe a resistência á opressão e não á

inércia, isto de acordo com o pensamento de Rocha Saraiva387, sendo que, a limitação do

âmbito da garantia constitucional não obstará de forma alguma a que a legislação ordinária vá mais longe, que é o que sucede tradicionalmente em termos da incriminação da desobediência, a qual abrange apenas a desobediência a ordens ou mandados legítimos regularmente comunicados e emanados de funcionário e autoridade competente, de acordo com o artigo 348º do CP relativo à desobediência no capitulo da resistência e desobediência à autoridade publica. No entanto seria inconstitucional a incriminação dos actos de resistência ou coacção de funcionários que visem a defesa de direitos, liberdades e garantias do agente, muito embora seja discutível se no plano dogmático isso se traduziria numa limitação do alcance do tipo de crime por interpretação conforme á CRP, ou apenas no reconhecimento de

uma causa de exclusão da ilicitude, segundo o pensamento de Cristina Líbano Monteiro388.

O direito de resistência, contudo, é limitado quanto aos seus titulares389, pois o sujeito do

direito de resistência, tanto poderá ser uma pessoa singular, como uma pessoa colectiva, por exemplo, a resistência de uma Associação á sua suspensão ou dissolução ilegal, mas como a CRP defende a resistência deverá ser exercida contra ordens que ofendam os direitos daquele que resiste - como “seus” - será de entender que o exercício do direito de resistência pressupõe sempre a titularidade do direito defendido, pelo que, e dada a sua individualidade, não está constitucionalmente garantido o direito de resistência para a defesa dos direitos

387 MIRANDA, Jorge: MEDEIROS Rui - Constituição da Republica Portuguesa Anotada Tomo I Artigos 1º a

79, p. 464

388 Idem p. 464

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alheios, não impedindo com isto, substitui-la por outras formas de intervenção nesse sentido sejam, por exemplo, a queixa ao Provedor de Justiça, o habeas corpus, ou o direito de petição.

Não há dúvida que a resistência a ordens abrange, não apenas a desobediência, mas ainda a oposição á sua execução. Só não abrange a chamada resistência agressiva, ou seja, o recurso á força como meio de obrigar os titulares do poder a revogar as ordens injustas ou de qualquer forma viciadas ou até a abandonar a governação, nos casos em que esta seja tida por legítima.

Assim sendo, poder-se-ão fazer várias distinções no que respeita às modalidades de resistência, no sentido lato e algum tanto impróprio em que a expressão é usada na epigrafe do artigo 21º, quando face à agressão, se pode distinguir entre:

 A resistência a acto da autoridade pública (o direito de resistência, no sentido mais antigo e restrito da expressão).

 A resistência a agressões privadas (direito de legitima defesa ou, mais latamente, de auto tutela privada).

Por outro lado quanto à natureza do acto em que a resistência se consubstancia pode-se distinguir entre resistência passiva e defensiva:

 A resistência passiva corresponde substancialmente à desobediência a ordens e pode ser tanto negativa (não fazer o que é imposto), como positiva (fazer o que é vedado, ou seja, exercer o direito ameaçado).

 A resistência defensiva corresponde substancialmente a repelir a agressão a direitos, quer ela venha de agentes da autoridade pública, quer de particulares.”

Conclui assim Jorge Miranda que, “no seu significado restrito e mais antigo o direito de resistência é um direito de oposição a actos da autoridade pública”.

Quanto ao exercício colectivo do direito de resistência, este não estará excluído quando sejam postos em causa, direitos, liberdades e garantias de uma categoria de pessoas, considerando

Adriano Moreira390 que nestes casos o recurso à resistência passiva não ofende a legalidade

porque quem resiste passivamente estará a defender um direito superior, considerando que o povo deverá, na defesa desse direito superior, resistir em massa e de forma organizada mas sem violência, emergindo neste caso a legitimação para a desobediência civil.

390

MOREIRA, Adriano José Alves. O Direito de resistência e a legitimidade para a desobediência civil. Entrevista concedida a Serafim Cortizo. Lisboa, 14 Dez. 2014 p. 8

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Relativamente ao exercício do direito de resistência391, não é aceitável a ideia de que esse

direito não existe e não poderá ser exercido apenas em tempos de normalidade constitucional, isto porque o direito de resistência vale também e mais ainda em momentos de anormalidade ou excepção, tornando-se ainda mais necessário o seu exercício nessas situações, visto que a suspensão de direitos nunca poderá atingir as formas de contenção da suspensão nos seus

precisos limites. Aí, o direito de resistência392, que por isso não está, nem precisaria de estar

previsto no artigo 19 nº 6 da CRP - “a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa os arguidos e a liberdade de consciência e de religião”393 - serve de garantia, não só aos direitos que não estejam ou não possam estar suspensos, quer das normas constitucionais e legais reguladoras do estado de sítio e do estado de emergência.