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Capitulo IV O Direito de Resistência

4. A objecção de consciência

4.3 Figuras afins á objecção de consciência

Como figuras afins do direito á objecção de consciência encontramos em primeiro lugar um exercício de desobediência ao Direito, bem como um direito que poderá ser absorvido ou integrado na desobediência civil, no direito de resistência, no direito á rebelião, em ultima ratio, e por fim num direito de liberdade religiosa247.

Em relação à desobediência ao Direito verifica-se uma oposição ao cumprimento de um dever jurídico especifico, porém, contrariamente ao que ocorrer na objecção de consciência, esse incumprimento será alvo de sansões, pois não terá na sua base razões de consciência que justifiquem esse incumprimento. Por outro lado, a desobediência civil que se constituiu como um acto contra a lei - público e não violento - que tem como fundamento motivos políticos e ideológicos, sendo claras as diferenças com a objecção de consciência, que ao contrário da desobediência civil, é um direito individual, sendo comum a ambas as manifestações, o seu

carácter pacífico, fundamentando-se no incumprimento de uma lei ou de um dever jurídico248.

Por último, a invocação do direito á objecção de consciência prende-se com a liberdade religiosa que permite a livre escolha das mais diversas condutas religiosas sem que para tal existam qualquer tipo de sanções, sendo mais comum a sua invocação por motivos e convicções religiosas, considerando-se que tanto a objecção de consciência como a liberdade religiosa são direitos distintos e autónomos e que têm âmbitos de aplicação bastante diferentes, estando o âmbito da invocação do direito de objecção de consciência num âmbito

de aplicação muito mais restrito249.

O direito à objecção de consciência é também um direito garantido nos termos da lei250, e

segundo o entendimento de Rui e Paulo Marques251, “o texto constitucional permite que não

247 PAMPLONA, Raquel: CARDOSO Soraia - Os Novos Contornos do Direito de Objeção de Consciência - Os

fundamentos e a evolução do direito à objecção de consciência no direito constitucional português. Análise de um direito em permanente evolução e presente em diferentes realidades. op. cit. p. 10. Disponível em: http://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2015/07/CEDIS-working-papers_DER_Novos-contornos-do-direito- de-obje%C3%A7%C3%A3o-de-consci%C3%AAncia.pdf

248 Idem op. cit. p. 10

249

Ibidem op. cit. p. 11

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seja sancionado criminalmente o cidadão que incumpriu um comando legislativo, se o mesmo actuou no livre exercício do seu direito à objecção de consciência”, funcionado este como causa de justificação - ou causa de exclusão da ilicitude -, isto em ultima ratio no âmbito do Direito Penal,” não sendo um facto punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica, considerada na sua totalidade”252 nomeadamente “no exercício de um direito”253 não podendo ser considerado um acto contra legem, isto porque a objecção de consciência, enquanto um direito fundamental perante o Estado e perante terceiros, inclusivamente,

segundo António Menezes Cordeiro254, “enquanto contraponto ao poder da entidade

patronal”. Acrescerá referir, segundo o pensamento de Francisco Pereira Coutinho255 que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”, considerando que o direito fundamental à objecção de consciência é directamente aplicável, independentemente da intervenção ou não do legislador ordinário.

Dentro do nosso ordenamento jurídico, Rui e Paulo Marques256 consideram que o conflito

individual entre os deveres de consciência e de lei apenas pode ser resolvido de duas maneiras: “i) ou a objecção de consciência ter a anuência do legislador, permitindo o Estado o cumprimento ou o incumprimento da norma legal, fundado na objecção de consciência; ii)

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MARQUES, Paulo: MARQUES, Rui - O Multiculturismo Religioso no Contexto Europeu: Uma Breve Aproximação ao Direito Constitucional e Internacional. op. cit. p. 12-13. Disponível em: http://julgar.pt/wp- content/uploads/2016/04/O-Multiculturalismo-Religioso-Uma-Breve-Aproxima%C3%A7%C3%A3o-ao- Direito-Constitucional-e-Internacional-V.-29-03-2016.pdf

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Artigo 31º nº 1 do Código Penal

253 Artigo 31º nº 2 alínea b) idem

254 Cfr. CORDEIRO, António Menezes “Contrato de Trabalho e Objecção de Consciência”, in Estudos em

Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, Volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 675-676 apud MARQUES, Paulo: MARQUES, Rui - O Multiculturismo Religioso no Contexto Europeu: Uma Breve Aproximação ao Direito Constitucional e Internacional. op. cit. p. 13. Disponível em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/04/O-Multiculturalismo-Religioso-Uma-Breve- Aproxima%C3%A7%C3%A3o-ao-Direito-Constitucional-e-Internacional-V.-29-03-2016.pdf

255

Cfr. COELHO, Francisco Pereira, Sentido e Limites do Direito Fundamental à Objecção de Consciência, Themis - Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, ano 6, n.º 11, Almedina, Lisboa, 2005, p. 261 apud MARQUES, Paulo: MARQUES, Rui - O Multiculturismo Religioso no Contexto Europeu: Uma Breve Aproximação ao Direito Constitucional e Internacional. op. cit. p. 13. Disponível em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/04/O-Multiculturalismo-Religioso-Uma-Breve-

Aproxima%C3%A7%C3%A3o-ao-Direito-Constitucional-e-Internacional-V.-29-03-2016.pdf

256 MARQUES, Paulo: MARQUES, Rui - O Multiculturismo Religioso no Contexto Europeu: Uma Breve

Aproximação ao Direito Constitucional e Internacional. op. cit. p. 21. Disponível em: http://julgar.pt/wp- content/uploads/2016/04/O-Multiculturalismo-Religioso-Uma-Breve-Aproxima%C3%A7%C3%A3o-ao- Direito-Constitucional-e-Internacional-V.-29-03-2016.pdf

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ou então se a objecção não tiver a anuência do Estado, caber-lhe-á então agir coercivamente em caso de incumprimento da lei”. O objector pretende omitir um comportamento previsto pela lei pedindo que tal omissão lhe seja permitida. A objecção de consciência, entendida em sentido rigoroso, não põe em questão a lei em si, embora implicitamente denuncie a sua imoralidade, nem constitui um programa articulado de resistência ou contestação (dissensão

ou desobediência civil)257.

No plano puramente ético, a objecção de consciência constitui a formalização de um primado da consciência sobre a lei que o próprio legislador reconhece poder não interpretar o bem comum. Na objecção actua o princípio da liberdade de consciência que garante uma liberdade de opinião coerente com as acções, em que as obrigações legais incidem em convicções arraigadas e profundas da pessoa. Por conseguinte, objector não é simplesmente alguém que evita enfrentar um problema, mas uma pessoa que, através do exercício da objecção de

consciência, quer promover um valor ou um princípio258. Juridicamente, a objecção de

consciência prevê: i) a obrigação de adoptar um determinado comportamento previsto por uma lei; ii) a existência de um valor fundamental não respeitado pela mesma lei e que se encontra, relativamente à lei, numa relação de causalidade (conexão causal); iii) a isenção, por parte da lei, da obrigação em adoptar tal comportamento259.

Tal instituto aplica-se às normas jurídicas específicas que o prevêem e que, em geral, se referem: à obrigatoriedade do serviço militar; à experimentação animal; à interrupção voluntária da gravidez; às práticas de reprodução assistida; às intervenções suspensivas de

terapias vitais (incluindo as previstas nas directivas antecipadas)260. Assim, a objecção de

consciência é considerada um direito subjectivo da pessoa, pois se a pessoa tem o direito de

257 MARQUES, Paulo: MARQUES, Rui - O Multiculturismo Religioso no Contexto Europeu: Uma Breve

Aproximação ao Direito Constitucional e Internacional. op. cit. p. 21. Disponível em: http://julgar.pt/wp- content/uploads/2016/04/O-Multiculturalismo-Religioso-Uma-Breve-Aproxima%C3%A7%C3%A3o-ao- Direito-Constitucional-e-Internacional-V.-29-03-2016.pdf

258 BIOÉTICA, Comissão Geral de - Objecção de Consciência. op. cit. f. 1-2. Disponível em:

http://ohsjd.org/resource/obiezioneleone-iannone_por.pdf

259 Idem op. cit. f. 1-2

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não agir contra a sua própria consciência, uma sociedade justa não imporá constrangimentos desse tipo261.

Por conseguinte, pode concluir-se que a objecção de consciência não é um facto jurídico pelo facto de ser reconhecido pela lei, mas é reconhecido pela lei porque o respeito pela própria identidade é um direito inalienável de todo o indivíduo, pois a consciência não pode ser vinculada, pode apenas ser disciplinada pela lei, pois “a faculdade da objecção de consciência nasce da liberdade e dignidade da pessoa humana, não se fundando, por conseguinte, numa disposição puramente subjectiva, mas na mesma natureza do homem, e exige que o ser humano não seja forçado a agir contra a sua própria consciência”262.