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Modalidades do exercício do direito de resistência na actual Constituição

Capitulo V Evolução do Direito de resistência em Portugal

2. Artigo 21º da Constituição da Republica Portuguesa

2.1 Modalidades do exercício do direito de resistência na actual Constituição

A nossa CRP não especifica as formas ou as modalidades do exercício do direito de

resistência, sendo por demais evidente na opinião de Gomes Canotilho e Vital Moreira372, que

as medidas ou acções que são constitucionalmente permitidas, como sejam, manifestações,

greves, demissões dos cargos, ou protestos, que segundo os autores373 representam apenas e

só, formas, ainda que pouco diversas do exercício de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente legitimadas.

No âmbito do Direito, e segundo Jorge Miranda e Rui Medeiros374, para eles não existem

dúvidas de que a resistência a ordens abrange, não apenas, a desobediência, mas a oposição à sua execução, não abrangendo a chamada “resistência agressiva”, ou seja, o recurso à força como meio de obrigar os titulares do poder a revogar as ordens impostas, ou de qualquer forma “viciadas”, ou até a abandonar a governação, nos casos em que esta seja tida por ilegítima. Por outro lado, não há dúvidas de que também é abrangida a resistência a actos particulares nas relações de subordinação e de subalternidade privadas (como as relações de trabalho) mais do que a ordem de uma autoridade pública.

370 CANOTILHO, José Joaquim Gomes: MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada

Volume I Artigos 1º a 107º, p. 420-421

371

Idem p. 421

372 Ibidem p. 421

373 Ibidem p. 421

374 MIRANDA, Jorge: MEDEIROS Rui - Constituição da Republica Portuguesa Anotada Tomo I Artigos 1º a

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O direito de resistência, jurídico-constitucionalmente, existe apenas quando se verificam comportamentos de cidadãos, ainda que sejam ilícitos e inconstitucionais, que apenas e em virtude da invocação do direito de resistência beneficiam de uma causa especial de justificação, isto porque o carácter extraordinário das formas e exercício desse direito, que a actual CRP não tipifica qualquer uma delas, constituindo, por exemplo, uma manifestação especial deste direito, a desobediência hierárquica, de acordo com o artigo 271º nº 3 da

Constituição375.

Quando o direito de resistência consiste, não numa abstenção (resistência passiva) mas numa actuação (resistência activa) como nos casos em que se responde pela força a uma agressão, ele está sujeito aos princípios materiais previstos na ordem jurídico-constitucional como estruturantes dos actos lícitos dos poderes públicos, devendo aplicar-se o principio da proibição do excesso (quando implique uma lesão de direitos ou bens constitucionalmente protegidos de outrém) nas suas três dimensões, que de acordo com o artigo 18º da CRP, são a adequação, exigibilidade e proporcionalidade, mas de um modo geral, deverá entender-se valerem para estes casos os princípios válidos para o Estado de direito de necessidade previstos no Direito Penal, Civil e Administrativo, podendo revelar-se como um instrumento de defesa inconstitucional de direitos, liberdades e garantias, e nessa medida será, de certo modo, um contrapeso ao artigo 19º relativo à suspensão do exercício de direitos em situações de Estado de sitio e Estado de emergência.

Diferente do direito de resistência para defesa de direitos constitucionais376, que tanto pode

ser o exercício a título individual ou colectivo aparece o direito de resistência popular ou nacional, o qual pretende reconhecer aos povos o direito de se oporem de forma activa e organizada a formas ditatoriais ou despóticas de governo ou de domínio estrangeiro, estando esse mesmo direito previsto na nossa CRP de 1976 no artigo 7º nº 3 relativo ao direito aos povos à insurreição, resultando de um pensamento antigo das doutrinas jusnaturalistas e

sobretudo nas doutrinas contra a tirania das monarquias absolutistas377.

375 Artigo 271º nº 3 “Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique

a prática de qualquer crime”.

376 CANOTILHO, José Joaquim Gomes: MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada

Volume I Artigos 1º a 107º, op. cit. p. 422

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Característico do direito de resistência378 é precisamente o seu caracter de autotutela, em que

quanto aos direitos, liberdades e garantias se exprime a aplicabilidade directa e, portanto de garantias não jurisdicionais, fazendo desse mesmo carácter de uma garantia, ao mesmo tempo tendencialmente subsidiária e inalienável. Será tendencialmente subsidiária porque num Estado de direito é nos Tribunais que os direitos devem ser defendidos, sendo também irredutível que o reconhecimento do direito de resistência constitui ele proprio uma garantia, não só contra as agressões de particulares, mas sobretudo contra o abuso do poder do Estado, estando o direito de resistência limitado quanto aos seus titulares, isto porque, o sujeito do direito de resistência tanto poderia ser uma pessoa singular como também uma pessoa colectiva, por exemplo, a resistência de uma Associação à sua suspensão ou dissolução ilegal.

O direito de resistência é tendencialmente subsidiário, porque num Estado de direito deve ser através dos Tribunais que os direitos devem ser defendidos, sendo também irredutível, pois o reconhecimento do direito de resistência é ele proprio uma garantia contra o abuso do poder e agressões a particulares, onde haverá sempre situações da vida corrente em que se fará sentir a

sua necessidade379.

Quanto á efectivação e legitimação da faculdade ao recurso do direito de resistência, a nossa CRP acentua que este será sempre exercido contra ordens que ofendam os direitos daquele que resiste, neste caso, será de entender que o exercício do direito de resistência pressuporá sempre a titularidade do direito defendido, enquanto direito pessoal, pelo que, não está constitucionalmente garantido o exercício do recurso ao direito de resistência para a defesa de direitos de terceiros, tal não impedindo outras formas de intervenção nesse sentido, como sejam, e a titulo de exemplo, na apresentação de queixa ao Provedor de Justiça, habeas corpus, direito de petição, não estando, porém excluído o exercício colectivo de resistência

quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias de uma certa categoria de pessoas380.

Já quanto ao âmbito do exercício do direito de resistência, a doutrina oferece quase em simultâneo uma concordância global em termos e soluções, ainda que de sensível variação quanto ao respectivo enquadramento das várias hipóteses previstas na CRP, não havendo

378 MIRANDA, Jorge: MEDEIROS Rui - Constituição da Republica Portuguesa Anotada Tomo I Artigos 1º a

79, p. 461

379 Idem p. 461

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duvidas na doutrina que a resistência a ordens abrangerá, não só a simples desobediência, mas também à oposição à sua execução, não estando este regime abrangido pela resistência agressiva, ou seja, no recurso á força como forma de obrigar os titulares do poder (politico e administrativo) a revogar ordens ou “leis injustas”, ou de qualquer modo, viciadas ou até ao abandono da governação, nos casos em que esta ainda seja tida como legitima. Por outro lado, e num caso que não merecerá a nossa reflexão, que será a resistência a actos de particulares, de acordo com a segunda parte do artigo 21º, a qual não poderá obter uma resposta tão diversa quanto á desobediência a ordens, porque não se podem ter por mais vinculativas a ordens de particulares em relações de subordinação privadas como seja, por exemplo, uma relação de

trabalho entre empregado381 e entidade empregadora382.

Quanto á legitimidade em resistir, Carlos Zorrinho383 considera que “os infelizes raramente

protestam” e os que estão abaixo da dignidade também, portanto, os que realmente resistem são os indignados e os que ainda têm força psicológica para se indignarem, considerando que a resistência pela dignidade, a resistência pela felicidade são tão ou mais legítimas do que a resistência pela liberdade, pela igualdade e pela solidariedade. Por fim, o direito de

resistência384, tanto pode proteger os direitos, liberdades e garantias, não só de carácter

pessoal, como sejam a integridade física, a liberdade, do domicílio, mas também direitos dos trabalhadores, relativamente ao direito à greve, direitos sindicais no local de trabalho, etc.