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Evolução histórica do Direito de resistência na Constituição Portuguesa

Capitulo V Evolução do Direito de resistência em Portugal

1. Evolução histórica do Direito de resistência na Constituição Portuguesa

Apesar de os primeiros textos constitucionais não fazerem referência expressa á resistência, a sua legitimidade decorria das formulações da época relativa ao princípio da legalidade, ou seja, “a liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não mande, nem a deixar de fazer o que ela proíbe. A conservação desta liberdade depende da exacta observância das leis” (artigo 2º da Constituição de 1822)351, bem como ao artigo 145º nº 1 da Carta Constitucional de 1826, onde “nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei”352.

O direito de resistência foi consagrado na actual CRP pela LC nº 1/82, que de forma indirecta havia sido constitucionalização na CRP de 1976 no seu artigo 20º nº 2, o qual consagrava que “todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e

349

MIRANDA, Jorge: MEDEIROS Rui - Constituição da Republica Portuguesa Anotada Tomo I Artigos 1º a 79, p. 457-458

350 MOREIRA, Adriano José Alves. O Direito de resistência e a legitimidade para a desobediência civil.

Entrevista concedida a Serafim Cortizo. Lisboa, 14 Dez. 2014 p. 2

351 MIRANDA, Jorge - As Constituições Portuguesas. 6ª ed. Cascais: Principia Editora. 2013, p. 30

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garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”353

.

Este mesmo direito já estaria eventualmente consagrado na CRP de 1933 no seu artigo 8º nº 19 na epigrafe dos direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses, onde se considerava “o direito a resistir a quaisquer ordens que infrinjam as garantias individuais, se não estiverem suspensas, e de repelir pela força a agressão particular, quando não seja possível recorrer á autoridade publica”354

.

Quando se refere que este direito constituía um “direito eventual”, dependendo de uma eventualidade garantística do exercício do direito de resistência, este dependia daquilo a que o regime a época entenderia por “garantias individuais” quando estas “não estiverem legalmente suspensas”, ou seja, deduz-se que este direito seria apenas “efectivo e funcional”, caso fossem definias as garantias individuais dos cidadãos, como direitos, liberdades e garantias permitidas pelo regime ditatorial de então, já que, em ditaduras, ainda que se consagrem constitucionalmente todos ou certos direitos, a sua aplicabilidade ou existência efectiva ficaria restrita á vontade do governo, ou então, pura e simplesmente não existiriam, pois ainda que consagrados estariam sempre suspensos.

A Constituição monárquica de 1838 consagrou expressamente o direito de resistência no capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos portugueses, acrescentando à definição de legalidade em termos próximos dos textos constitucionais que a precederam no seu artigo 25º no Capitulo único relativo aos direitos e garantias dos portugueses, ao consagrar que “é livre todo o cidadão resistir a qualquer ordem que manifestamente violar as garantias individuais, se não estiverem realmente suspensas”355

.

Mais uma vez se consagra o Direito de resistência numa monarquia absolutista aos cidadãos que poderiam resistir legitimamente a qualquer violação das suas garantias individuais quando estas “não estiverem legalmente suspensas”, mas como se poderá concluir, todos os direitos, liberdades e garantias, estariam de uma forma ou outra suspensos, ou não garantidos aos cidadãos, isto porque, num regime ditatorial, totalitário ou absolutista, direitos, liberdades

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MIRANDA, Jorge - As Constituições Portuguesas. 6ª ed. Cascais: Principia Editora. 2013, p. 245

354 Ibidem p. 190

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e garantias, no fundo, é coisa que não existe, porque seria bastante “perigoso” para esses regimes permitir a sua existência, ainda que de forma encapotada ou discreta, logo, apenas uma minoria significativa da população saberia da constitucionalização deste direito.

A CRP de 1911 também contemplaria no seu artigo 3º nº 37 relativo aos “direitos e garantias individuais”, ao considerar ser “lícito a todos os cidadãos resistir a qualquer ordem que infrinja as garantias individuais, se não estiverem legalmente suspensas”356. Neste preceito de 1911 ainda se manteve o pensamento e o idealismo monárquico absolutista, ao fazer depender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos do exercício do seu direito de resistência á sua efectividade ou suspensão legislativa.

Na CRP de 1933 ao incluir-se no artigo 8º nº 1 nos direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses, o legislador da época juntava desta forma o direito de resistência e a legitima defesa.

A CRP de 1976 contemplou essas orientações no seu artigo 20º nº 2 relativo á defesa os direitos estabelecendo que “todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer á autoridade pública”. Já na revisão de 1982, esta disposição foi autonomizada com a mesma redacção mas num novo artigo criado especialmente para o

efeito, o actual artigo 21º epigrafado “Direito de resistência”357

, sendo que a evolução referia do direito de resistência permite apreender com clareza os factores essências desse direito lato sensu, incluindo a legitima defesa na sua configuração actual como um direito individual de defesa de direitos, designadamente de direitos, liberdades e garantias.

Em termos comparativos com a Constituição da Republica Federal Alemã de 1968, esta demonstra claramente no seu artigo 20º nº 4 que “contra qualquer um que tente subverter esta ordem - o poder legislativo está submetido á ordem constitucional, os poderes executivo e judiciário obedecem á lei e ao direito - todos os alemães têm o direito de resistência, quando não houver outra alternativa”358.

356 Idem p. 164

357 MIRANDA, Jorge: MEDEIROS Rui - Constituição da Republica Portuguesa Anotada Tomo I Artigos 1º a

79, p. 459-460

358 ALEMANHA, Lei Fundamental da Republica Federal da. Trad. Juliano Assis Mendonça. (Janeiro 2011).

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Já na nossa CRP o direito de resistência visa a tutela de direitos da pessoa que resiste e que são ofendidos por ordens ou agressões, não significando que esteja em jogo uma mera defesa de direitos individuais, pelo que a defesa dos direitos é simultaneamente a defesa da ordem

jurídica, e nessa perspectiva poderá dizer-se, segundo Fernando Palma359 quanto á justificação

da legitima defesa que “a defesa da ordem e a defesa de direitos se fundem de modo que o segundo se erige como razão como razão de ser da primeira, ou até, que o problema da relação entre elas não existe porque ambas se convertem numa única figura jurídica”, sendo esse pois o significado de um dualismo admitido frequentemente na legitima defesa, mas que tem pleno cabimento também quanto á resistência, convindo frisar que o ponto central é que o direito de resistência não tem um fundamento exclusivamente jurídico-público ou supra- individual como se tratasse de uma delegação nos cidadãos da função publica da defesa da ordem jurídica, e por isso, é que o direito de resistência concebido ao serviço de direitos

individuais, em especial de direitos fundamentais, segundo Jorge Miranda e Rui Medeiros360

como um dever, pois os cidadãos têm o direito, mas não o dever jurídico de defender os seus direitos, considerando que, esta questão teria que ser colocada de forma diversa quando se considerasse como função delegada de poder politico, pois é precisamente aí que sucede justamente num plano nitidamente diverso com o dever. Por exemplo, o artigo 276º nº 1 da CRP relativo á defesa da Pátria, e de cada português passar á resistência activa e passiva nas áreas do território nacional ocupadas por forças estrangeiras (artigo 2º nº 5 a Lei de Defesa

Nacional 31ª/2009 de 7 de Julho)361.

1.2 O Direito de resistência na Constituição da Republica Portuguesa

A revisão constitucional de 1982 consagrou especificamente, autonomizando num novo o Direito de resistência, substituindo a referência ao direito de resistir consagrado no artigo 20º nº 2 da CRP de 1976 cuja epigrafe era a “Defesa dos direitos”, entendendo, por bem, o legislador da época dar uma nova redacção a este direito autonomizando-o num artigo único com se veio a verificar em 1982.

359 MIRANDA, Jorge: MEDEIROS Rui - Constituição da Republica Portuguesa Anotada Tomo I Artigos 1º a

79, p. 459-460

360 Idem p. 459-460-461

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Com a revisão de 1982 foi introduzido esse preceito como um acrescento positivo ao ordenamento constitucional, porque se acrescentou ao catálogo dos direitos fundamentais um direito fundamental, que a doutrina ainda hoje considera que não tem tutela efectiva mas que é importante que esteja consignado na Constituição da Republica, no sentido de densificar os direitos dos cidadãos para resistirem a ordens ilegais ou a ordens abusivas por parte da administração, das polícias, e de qualquer instituição do regime democrático. Já para Carlos

Zorrinho362 este direito foi constitucionalizado em 1982 pela preocupação com a cidadania e

com os direitos de cidadania que são complementares do proprio conceito democrático, em que cada vez mais se veio desenvolvendo a ideia de que a participação politica dos cidadãos tem que ser uma participação constante e permanente na defesa dos valores fundamentais expressos na Constituição, naquilo que considera “numa outorga aos cidadãos capacidade de serem os seus guardiões, e obviamente, de resistirem activamente quando há uma quebra sistemática e violenta e inusitada dos valores fundamentais que são a base dessa Constituição”. Por outro lado, Luís Fazenda363 considera a consagração do Direito de resistência como um acrescento positivo no ordenamento constitucional, ao acrescentar ao catálogo dos direitos fundamentais um direito fundamental, que a doutrina considera que não tem tutela efectiva mas que é um direito importante no sentido de densificar os direitos dos cidadãos para resistir a ordens ilegais ou a ordens abusivas por parte da administração, das policias, ou de qualquer instituição do regime democrático.

Na CRP de 1976, além do direito a resistir do artigo 20º nº 2, também o artigo 7º nº 3 reconhecia o direito de resistência, ainda que não expressamente, ao “reconhecer o direito dos povos á insurreição contra todas as formas de opressão (…)”. Ora, o que este artigo consagrava em 1976, era bem diferente do texto constitucional de 1982, onde a epígrafe do artigo 7º com um caracter acentuadamente revolucionário, foi substituído por um conceito ideologicamente mais moderado, substituindo-se “o reconhecimento á insurreição contra todas as formas de opressão”. Nesta norma de 1976 estava implícito o incentivo à luta armada contra os Estados colonizadores ou imperialistas, que pelo novo conceito ideológico da revisão de 1982, passa a reconhecer-se “o direito dos povos à autodeterminação e

362 ZORRINHO, José Carlos das Dores. O Direito de resistência e a legitimidade para a desobediência civil.

Entrevista concedida a Serafim Cortizo. Lisboa, 16 Jan. 2015 p. 3

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FAZENDA, Luís Emídio Lopes Mateus. O Direito de resistência e a legitimidade para a desobediência civil. Entrevista concedida a Serafim Cortizo. Lisboa, 23 Fev. 2015 p. 2-3

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independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão”.

Verifica-se, que comparando estas duas normas com carácteres ideológicos bem diferentes, uma evolução ideológica entre os ideais revolucionários presentes na CRP de 1976, na legitimidade expressa do recurso à luta armada no sentido de “combater” o colonialismo e o imperialismo, face ao novo texto de 1982, ainda que apoiando a autodeterminação dos povos à “insurreição” expressa a luta e o combate político em detrimento da luta armada, legitimado pelos Tratados e Convenções internacionais e no Direito internacional, na conformidade com o artigo 8º da DUDH que legitima, ainda que não expressamente, o direito de resistência ao referir que “toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição e pela lei”.