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Capitulo VI A Desobediência Civil

2. Características da Desobediência Civil

2.1 Os fundamentos da desobediência civil

A desobediência civil não reconhece na sua prática uma acção pautada em razões exclusivamente individuais ou subjectivas. Devendo essas condutas (desobedientes) necessariamente integrar nesse movimento, preceitos favoráveis à promoção de benefícios

colectivos, considerados como os ideais de justiça consagrados na realidade existente452.

Para Buzanello453, “A desobediência civil deverá ser entendida como um mecanismo indirecto

de participação da sociedade, já que esta não conta com suficientes canais participativos junto das esferas do Estado, que precisaria deles para poder presentear-se como ente político legítimo. (…) O problema da desobediência civil tem um conteúdo simbólico, e que geralmente se orienta para a deslegitimação da autoridade pública ou de uma lei do governo”454.

450 Cfr. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 406 apud idem p. 23 ss.

Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=124

451 Cfr. GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 1994,

p. 257 apud CAMPANHA, Bruno Maifrede - Liberdade para desobedecer e desobediência para libertar p. 23 ss. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=124

452

CAMPANHA, Bruno Maifrede - Liberdade para desobedecer e desobediência para libertar. p. 29-30. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=124

453 BUZANELLO, José Carlos - Direito de Resistência. Revista Sequência. Universidade Federal de Santa

Catarina. Florianópolis - Santa Catarina Vol. 22, nº 42 (2001) p. 18 Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15391

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Para o exercício da desobediência civil conforme destaca John Rawls455, dever-se-á invocar

“a concepção comumente partilhada da justiça que subjaz à ordem política”. Não há como conceber a prática da desobediência civil, na referida perspectiva, fora de um regime democrático, malgrado as variadas concepções de democracia, o acto legítimo de desobediência civil só poderá ser caracterizado como tal, e assim surtir os efeitos correspondentes pretendidos pelos desobedientes, isto numa forma de governo que assegure e preserve um grau mínimo de participação ou de influência dos cidadãos na formulação e

aprovação legislativas ou políticas governamentais. Segundo Rawls456, “presume-se que, num

regime político razoavelmente democrático, haja concepção pública da justiça em referência à qual os cidadãos regulam suas atividades políticas e interpretam a constituição”.

Para Arendt457 a desobediência civil constituir-se-ia numa resposta à crise de participação da

sociedade nas decisões políticas. Seria uma manifestação que passou a existir no período Pós- Segunda Guerra Mundial como uma forma de defesa e reconhecimento da sociedade civil à política, numa ocasião em que se verificou uma forte crise da lei e dos meios clássicos (tradicionais) de comunicação entre o indivíduo (cidadão) e o governo, e neste caso, Rawls chama também a atenção para o facto de que a desobediência civil ser o exercício de uma conduta não-violência, ponderando que a mesma não poderá ser confundida com revolução, e nesse sentido, Arendt defende que “o contestador civil aceita, enquanto o revolucionário rejeita, a estrutura da autoridade estabelecida e a legitimidade geral do sistema de leis”458. Interessando ressaltar aqui que para Arendt “a lei verdadeiramente pode tornar estável e legal

455 CAMPANHA, Bruno Maifrede - Liberdade para desobedecer e desobediência para libertar. p. 30. Disponível

em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=124

456 Cfr. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Ed Martins Fontes, 1997, p. 273 apud CAMPANHA,

Bruno Maifrede - Liberdade para desobedecer e desobediência para libertar. p. 30 Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=124

457 SPARAPANI, Priscilia - O Direito de Resistência, a desobediência civil e os movimentos sociais

internacionais. op. cit. p. 29-31. Disponível em: http://www.bibliotekevirtual.org/index.php/2013-02-07-03-02- 35/2013-02-07-03-03-11/430-cd/v11n21/3481-o-direito-de-resistencia-a-desobediencia-civil-e-os-movimentos- sociais-internacionais.html

458 Cfr. ARENDT, Hannah apud GARCIA, Maria - Desobediência civil, direito fundamental. São Paulo: Ed

Revista dos Tribunais, (1994) p. 257. SPARAPANI, Priscilia - O Direito de Resistência, a desobediência civil e os movimentos sociais internacionais. op. cit. p. 29-31. Disponível em: http://www.bibliotekevirtual.org/index.php/2013-02-07-03-02-35/2013-02-07-03-03-11/430-cd/v11n21/3481-o- direito-de-resistencia-a-desobediencia-civil-e-os-movimentos-sociais-internacionais.html

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uma mudança já acontecida, mas a modificação em si é sempre decorrência de uma acção extralegal”459.

Em relação à recusa em obedecer, será possível identificar um triplo aspecto460: a) a oposição

às leis injustas (consistindo numa resistência de iniciativa individual ou de um grupo limitado), b) a resistência à opressão, (por intermédio da qual “se concretiza a revolta contra a violação pelos governantes, da ideia de direito do qual procede o Poder cujas prerrogativas exercem”), e por fim c) a revolução, (por meio da qual “se concretiza a vontade de estabelecer uma nova ordem, face á falta de ressonância da ordem vigente na sociedade”)461.

A desobediência civil servirá justamente como uma reacção a tal realidade, representando uma forma de rejeição/resistência legítima a qualquer proposta governamental ofensiva a um determinado padrão de justiça incutido no ideário colectivo da população ou nas bases estruturais do Estado, que apesar de ilegal por definição, trata-se de um recurso estabilizador do ordenamento jurídico num regime democrático. No entanto, valerá destacar que as

circunstâncias constitutivas do instituto variam conforme a realidade existente462.

Desta feita, e face ao exposto, a desobediência civil consiste numa transgressão legítima de leis, políticas governamentais ou determinações das autoridades públicas, disponível num regime e Estado de Direito democrático, “legítimo a qualquer cidadão que as avaliem ofensivas ou inapropriadas face á ordem constitucional existente ou aos preceitos de justiça e moralidade consagrados no ideário colectivo e que sustentam estruturalmente o Estado e a sociedade”463.

459 SPARAPANI, Priscilia - O Direito de Resistência, a desobediência civil e os movimentos sociais

internacionais. op. cit. p. 29-31. Disponível em: http://www.bibliotekevirtual.org/index.php/2013-02-07-03-02- 35/2013-02-07-03-03-11/430-cd/v11n21/3481-o-direito-de-resistencia-a-desobediencia-civil-e-os-movimentos- sociais-internacionais.html

460 Idem op. cit. p. 27-28

461 Ibidem op. cit. p. 28

462 CAMPANHA, Bruno Maifrede - Liberdade para desobedecer e desobediência para libertar p. 23 ss.

Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=124

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