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Devoradores de Mortos, Monstros da Terra, Reis Estelares, Anões e Outros Parentes

No documento Graham Hancock - As Digitais Dos Deuses (páginas 167-172)

Por alguma curiosa razão que não foi ainda explicada, os antigos egípcios tinham uma preferência especial e reverência por anões. O mesmo aconteceu com os povos civilizados da antiga América Central, retroagindo diretamente ao tempo dos olmecas. Em ambos os casos, acreditava-se que os anões mantinham contato direto com os deuses. E ainda em ambos os casos, eram preferidos como dançarinos e mostrados nesse papel em obras de arte.

Nos primórdios do período dinástico do Egito, há mais de 4.500 anos, uma "Enéade" de nove divindades onipotentes era objeto de uma adoração especial dos sacerdotes de Heliópolis. De idêntica maneira, na América Central, tanto os astecas quanto os maias acreditavam em um sistema todo-poderoso de nove divindades.

O Popol Vuh, o livro sagrado dos antigos maias quiche do México e da Guatemala, contém várias passagens que indicam claramente a crença no "renascimento estelar" - a reencarnação dos mortos como estrelas. Depois de terem sido mortos, por exemplo, os Gêmeos

Heróicos chamados Hunahpu e Xbalanque "ergueram-se em meio à luz e, no mesmo instante, foram levados para o céu... Em seguida, o arco do céu e a face da terra foram iluminados. E eles habitaram o céu". Na mesma ocasião, subiram também 400 companheiros dos gêmeos, que haviam sido também mortos, "e assim eles se tornaram novamente companheiros de Hunahpu e Xbalanque e foram transformados em estrelas no céu".

A maioria das tradições sobre o deus-rei Quetzalcoatl, como vimos acima, focaliza-se em suas façanhas e ensinamentos como civilizador. Seus seguidores no México antigo, porém, acreditavam também que sua manifestação humana havia experimentado a morte e que, em

seguida, ele havia renascido como estrela.

É pelo menos curioso, para dizer o mínimo, descobrir que no Egito, na Era das Pirâmides, há mais de 4.000 anos, a religião oficial girava em torno da crença de que o faraó morto renascia como estrela. Eram entoados encantamentos que tinham a finalidade de facilitar o rápido renascimento nos céus do monarca falecido. "Oh, rei, tu és a Grande estrela, o Companheiro de Órion, que cruza o céu com Órion... sobes do leste do céu, sendo renovado em tua devida estação e rejuvenescido em teu devido tempo...". Vale lembrar aqui que já encontramos a constelação de Órion nas planícies de Nazca e que iremos reencontrá-la...

Entrementes, estudemos o Antigo Livro Egípcio dos Mortos. Parte de seu conteúdo é tão antigo quanto a própria civilização do Egito e serve como uma espécie de Baedecker [guia turístico] para a transmigração da alma. O livro instrui o morto sobre a maneira de superar os perigos da vida após a morte, permite-lhe assumir a forma de várias criaturas míticas e fornece-lhe as senhas necessárias para ter entrada nos vários estágios, ou níveis, do mundo subterrâneo.

Seria uma coincidência que os povos da antiga América Central tivessem uma visão paralela dos perigos da vida após a morte? Reinava a crença geral de que o mundo subterrâneo consistia de nove estratos, pelos quais os mortos viajariam durante quatro anos, superando obstáculos e perigos, Os estratos tinham nomes auto-

explicativos, tais como "lugar onde as montanhas se chocam", "lugar onde flechas são disparadas", "montanha das facas", e assim por diante, Na antiga América Central e no antigo Egito, acreditava-se que a viagem do morto através do mundo subterrâneo era feito em barco, acompanhado de "deuses remadores", que o levavam de um estágio a outro. Descobriu-se que a tumba de "Pente Duplo", governante maia da cidade de Tikal, no século VIII, continha uma representação dessa cena. Imagens semelhantes são encontradas em todo o Vale dos Reis, no Alto Egito, especialmente na tumba de Tutmósis III, um faraó da VIII Dinastia. Seria uma coincidência que os passageiros da barca do falecido faraó e a canoa na qual Pente Duplo fez sua viagem final incluíssem (em ambos os casos) um cão ou divindade com cabeça de cão, uma ave ou divindade com cabeça de ave, um símio ou divindade com cabeça de símio?

O sétimo estrato do antigo mundo subterrâneo mexicano era denominado Teocoyolcualloya, "lugar onde feras devoram corações". Seria uma coincidência que um dos estágios do submundo do Egito antigo, "a Galeria do Julgamento", implicasse uma série quase idêntica de símbolos? Nesse momento crucial, o coração do morto era pesado em comparação com uma pena. Se estivesse cheio de pecado, o coração inclinaria a balança em sua direção. O deus Thoth anotava o julgamento em uma paleta e o coração era imediatamente devorado por uma terrível fera, parte crocodilo, parte hipopótamo, parte leão, que era chamada de "a Devoradora de Mortos".

Por último, voltemos ao Egito da Era das Pirâmides e à condição privilegiada do faraó, que lhe permitia evitar o julgamento no submundo e renascer como estrela. Encantamentos rituais faziam parte do processo. Igualmente importante era uma cerimônia misteriosa, conhecida como "abertura da boca", sempre realizada após a morte do faraó e que arqueólogos acreditam datar dos tempos pré-dinásticos. O sumo sacerdote e quatro atendentes participavam do rito, usando o peshenkhef, um instrumento cerimonial de corte, empregado para "abrir a boca" do deus-rei falecido, medida esta julgada necessária para lhe garantir a ressurreição nos céus. Altos-

relevos e vinhetas remanescentes mostrando a cerimônia não deixam dúvida de que o cadáver mumificado recebia um duro golpe físico com o peshenkhef. Além disso, surgiu recentemente prova indicando que uma das câmaras na Grande Pirâmide de Gizé pode ter servido como local da cerimônia.

Tudo isso tem uma contrapartida estranha e deturpada no México. Vimos que eram gerais os sacrifícios humanos nos tempos anteriores à conquista. Seria uma coincidência que o altar sacrificial fosse uma pirâmide, que da cerimônia se encarregassem um sumo sacerdote e quatro atendentes, que um instrumento de corte, a faca sacrificial, fosse usada para aplicar um forte golpe físico no corpo da vítima, e que se acreditasse que sua alma subia diretamente para o céu, evitando os perigos do submundo?

À medida que essas "coincidências" continuam a multiplicar-se, é razoável perguntar se não pode ter havido entre elas alguma ligação subjacente. Este é certamente o caso quando aprendemos que o termo geral para "sacrifício" em toda a América Central antiga era

p'achi, que significava "abrir a boca".

Poderia acontecer, por conseguinte, que os fatos que aqui estudamos, ocorridos em áreas geográficas tão distantes entre si e em diferentes períodos da história, não fossem apenas coincidências espantosas, mas alguma obscura e deturpada memória, com origem na antiguidade mais distante? Nada indica que a cerimônia egípcia de abertura da boca tenha influenciado diretamente a cerimônia mexicana do mesmo nome (ou vice-versa, por falar nisso). As diferenças fundamentais entre os dois casos eliminam essa possibilidade. O que de fato parece possível, no entanto, é que suas semelhanças possam ser resquícios de um legado comum, recebido de um ancestral comum. Os povos da América Central fizeram uma coisa com o legado e, os egípcios, outra, embora algum simbolismo e nomenclatura comum fossem conservados por ambas.

Este não é o lugar para nos alongarmos sobre a minha impressão de que existiu uma ligação antiga e vaga, que emerge da prova egípcia e meso-americana. Mas, antes de continuar, importa notar que uma

"conectividade" semelhante liga os sistemas de crença do México pré- colombiano e os da Suméria, na Mesopotâmia. Mais uma vez, a evidência sugere mais um antigo ancestral comum do que qualquer influência direta.

Vejamos o caso de Oannes, por exemplo.

"Oannes" é a versão grega do Uan sumeriano, o nome do ser anfíbio descrito, na Parte lI, que se acreditava que trouxe as artes e as perícias da civilização à Mesopotâmia. Lendas que datam de pelo menos 5.000 anos contam que Uan vivia no fundo do mar, emergindo todas as manhãs das águas do golfo Pérsico para civilizar e ensinar à humanidade. Será uma coincidência que uaana, na língua maia, significasse "aquele que mora na água"?

Vejamos também o caso de Tiamat, a deusa sumeriana do oceano e das forças do caos primitivo, sempre apresentada como um monstro devorador. Segundo a tradição mesopotâmica, Tiamat voltou-se contra outras divindades e desencadeou um holocausto de destruição, antes de ser finalmente destruída por Marduk, o herói celestial:

Ela, Tiamat, abriu a boca para devorá-lo.

Ele liberou o vento maligno, e ela não conseguiu mais fechar os lábios.

Os ventos terríveis encheram-lhe a pança e o coração foi capturado, Ela ficou de boca escancarada,

Ele lançou uma flecha, que lhe perfurou a pança,

Suas partes internas ele fendeu, e partiu-lhe em dois o coração, Tornou-a impotente e destruiu-lhe a vida,

Derrubou-lhe o corpo e em cima dele se pôs de pé.

De que maneira dar prosseguimento a um ato como esse?

Marduk podia fazer isso. Olhando o cadáver monstruoso da adversária, "concebeu obras de arte" e o grande plano da criação do mundo começou a tomar forma em sua mente. Seu primeiro ato foi abrir em dois o crânio de Tiamat e cortar-lhe as artérias. Em seguida, quebrou-a em duas partes "como se fosse um peixe seco", usando

uma metade para fazer o telhado dos céus e a outra para criar a superfície da terra. Dos seios de Tiamat fez montanhas, do cuspe, nuvens, e ordenou que os rios Tigre e Eufrates fluíssem de seus olhos".

Lenda estranha, violenta, e antiquíssima.

As antigas civilizações da América Central tiveram sua própria versão dessa história. Neste caso, Quetzalcoatl, em sua encarnação de divindade criadora, assumiu o papel de Marduk, enquanto o de Tiamat era representado por Cipactli, o "Grande Monstro da Terra". Quetzalcoatl agarrou as pernas de Cipactli "enquanto ela nadava nas águas primevas e partiu-lhe o corpo em duas metades, uma parte formando o céu e, a outra, a terra". Usando-lhe os cabelos e a pele, criou a relva, flores e ervas, "de seus olhos, poços e fontes, e de seus ombros, montanhas".

Serão esses paralelos peculiares entre os mitos sumeriano e mexicano apenas pura coincidência ou poderiam ambos ter sido marcados pelas impressões digitais de uma civilização perdida? Se assim, as faces dos heróis dessa cultura antiga podem ter sido realmente talhadas em pedra e transmitidas como heranças através de milhares de anos, às vezes à vista de todos, em outras ocasiões sepultadas, até que fossem desenterradas, pela última vez, por arqueólogos em nossa era e recebido rótulos como "Cabeça Olmeca" e "Tio Sam".

As faces desses heróis aparecem também em Monte Albán, onde, aparentemente, contam uma triste história.

No documento Graham Hancock - As Digitais Dos Deuses (páginas 167-172)