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4 DIAGNÓSTICO

No documento Odontologia: temas relevantes (páginas 170-175)

Fenilcetonúria Flávio Augusto Aquino Carvalho

4 DIAGNÓSTICO

Em conseqüência do erro metabólico em questão, podem ser en- contrados diferentes tipos de hiperfenilalaninemias, constituindo-se, as- sim, num grupo heterogêneo de doenças. Uma das formas de classificar a doença está relacionada com os níveis plasmáticos de fenilalanina. Consi- dera-se como (a) fenilcetonúria (PKU) clássica aqueles casos cuja ativida- de da fenilalanina hidroxilase (PAH) é inferior a 1% com fenilalanina plasmática superior a 20 mg/dL (³1200µmol/L); (b) fenilcetonúria (PKU) leve os casos com atividade da PAH de 1% a 3% e fenilalanina plasmática entre 10 e 20 mg/dL (entre 600 e 1200 µmol/L); (c) hiperfenilalaninemia permanente ou transitória aqueles com atividade da PAH superior a 3% e fenilalanina plasmática entre 4 e 10 mg/dL (entre 240 e 600 µmol/L).2,10,14

O nível de fenilalanina sérica ao diagnóstico fornece uma estimati- va da atividade enzimática residual, permitindo o estabelecimento do fenótipo bioquímico e a resposta à dietoterapia.4

Embora a fenilcetonúria clássica seja a mais grave das hiperfenil- alaninemias, não existem anormalidades aparentes pós-parto, pois o fíga- do materno propicia proteção ao feto; os níveis sangüíneos de fenilalanina do recém-nascido fenilcetonúrico aumentam nas primeiras semanas com alimentação protéica, inclusive com o leite materno.3

A triagem neonatal é um meio de se diagnosticar precocemente diversas doenças congênitas que não apresentam sintomas no período neonatal, a fim de intervir no seu curso natural, impedindo a instalação dos sintomas decorrentes dessas patologias.5

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O Ministério da Saúde15 preconiza que o ideal para a coleta das

amostras é de até sete dias após o nascimento, considerando o período entre oito e trinta dias como aceitável e, acima de trinta dias, como inapropriado.

Para que o aumento da fenilalanina possa ser detectado, é funda- mental que a criança tenha tido ingestão protéica, recomendando-se que a coleta seja feita após 48 horas do seu nascimento. O material pode ser colhido até mesmo de crianças de risco, que não tenham tido contato com leite materno, desde que estejam sob dieta parenteral (rica em aminoácidos essenciais). Ressalte-se que a triagem para fenilcetonúria atra- vés da análise de metabólitos na urina mostra-se inadequada para um pro- grama de diagnóstico precoce, pois as alterações detectáveis na urina só surgem em fase posterior às que são detectáveis no sangue e, muitas vezes, já concomitantemente com os primeiros sinais de lesão no sistema nervo- so.15

Várias metodologias podem ser utilizadas para essa triagem: a fluorimétrica, a enzimática ou a espectrometria de massa.15 Dentre elas,

destaca-se a enzimática, metodologia que atualmente vem ganhando a preferência dos especialistas em detrimento dos outros testes, visto que estes sofrem influência da presença de antibióticos.2

Muitos pais com histórico de casos de crianças portadoras de PKU desejam fazer um diagnóstico pré-natal, mas não é possível o diagnóstico no pré-natal para avaliar a enzima fenilalanina hidroxilase, pois a mesma só se expressa no fígado.8 Atualmente, é possível o diagnóstico molecular

de identificação da mutação, que permite diagnóstico pré-natal para fa- mílias com afetados e diagnóstico de portador, além de oferecer genotipagem para correlação com a gravidade clínica e a instituição da melhor terapêutica.1

A grande preponderância da triagem neonatal como método diag- nóstico, ao tempo em que denota uma melhoria importante no âmbito da saúde pública, uma vez que o diagnóstico e tratamento precoces previ- nem amplamente o desenvolvimento dos sintomas, em especial o retardo mental, chama também a atenção sobre o provável subdiagnóstico da patologia.4

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5 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Pacientes com PKU clássica apresentam deficiência na pigmenta- ção (cabelos e pele claros), eczemas, complicações neurológicas e, ocasio- nalmente, atividade autística; transtornos de conduta também podem se fazer presentes; inclui-se ainda a presença de odor “de rato” na pele, cabe- los e urina, devido ao acúmulo de fenilacetato.3

Fenilactato, fenilacetato e fenilpiruvato, na presença da enzima fenilalanina hidroxilase, não são encontrados na urina de pessoas normais, apresentando-se elevados em pacientes fenilcetonúricos. O acúmulo des- ses metabólitos anormais e de fenilalanina no plasma tem graves conseqü- ências para o sistema nervoso central, como falhas no andar ou falar, hiper- atividade, tremor, microcefalia, falhas no crescimento e retardo mental, sendo esta última a manifestação clínica mais severa.2

O diagnóstico clínico da PKU clássica torna-se difícil, pois a crian- ça é aparentemente normal durante os primeiros meses, surgindo apenas por volta do terceiro ou quarto mês o atraso no desenvolvimento, fazen- do-a perder o interesse por tudo que a rodeia, tornando-a inquieta, irrita- da, podendo até mesmo apresentar convulsões.2

O desempenho das funções executivas — habilidades necessárias para a solução de problemas como o planejamento, a memória operacional, a inibição e a auto-regulação do comportamento — é significativamente pior em crianças com alto nível de fenilalanina do que nas demais crian- ças, mesmo quando tratadas precoce e continuadamente.16

Há duas hipóteses relacionadas com a etiologia do desajuste psico- lógico na fenilcetonúria, uma baseada em fatores psicológicos e outra em considerações psicológicas. Do ponto de vista biológico, o aumento do nível de fenilalanina plasmática tende a reduzir a síntese de seratonina e dopamina no cérebro dos pacientes com PKU, podendo causar proble- mas comportamentais. Já sob a perspectiva psicológica, dá-se maior ênfa- se à interação dos fatores biológicos, sociais e psicológicos. Assim sendo, a família é um ponto-chave no desenvolvimento da criança com PKU.9

Em virtude do diagnóstico precoce e da dieta com restrição de fenilalanina durante a infância, muitas mulheres atingem a idade fértil. As- sim sendo, torna-se de vital importância a identificação de gestantes porta- doras de PKU, em decorrência das possíveis alterações maternas e fetais.10

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A fenilcetonúria materna é uma aminoacidopatia caracterizada por níveis elevados de fenilalanina plasmática na gestante, o que pode provo- car anormalidades no desenvolvimento do feto. Seus sinais clássicos são: retardo mental, microcefalia, crescimento intra-uterino retardado e defei- tos congênitos diversos, fundamentalmente cardiovasculares.17

6 TRATAMENTO

Sendo uma das causas mais comuns do retardo mental, a fenil- cetonúria pode ter seu curso natural modificado a depender da época do diagnóstico e da instituição do tratamento adequado.18

Após o diagnóstico da PKU, a criança recém-nascida deve ser sub- metida a uma dieta com teor controlado de fenilalanina, visando a redu- zir os seus níveis plasmáticos. De imediato, sugerem-se substitutos do leite materno com reduzido teor de fenilalanina, suficiente para síntese de proteínas, regeneração e crescimento normal da criança.

A interrupção prematura do tratamento põe em risco as funções cognitivas e emocionais, incluindo perda de QI, dificuldade de aprendi- zado, ansiedade, distúrbios de personalidade e anormalidade de raciocí- nio. Apesar de o controle da dieta ser relativamente fácil nos primeiros anos de vida, pode, porém, tornar-se difícil a partir da idade escolar.2

Diversas razões contribuem também para a descontinuidade do tra- tamento, tais como: pressões sociais que dificultam a integração do indi- víduo com PKU na sociedade; disponibilidade de tempo para adequar-se à dietoterapia; limitação financeira em vista do elevado custo dos alimen- tos especiais; independência familiar; desconhecimento dos teores de fenilalanina nos alimentos; falta de produtos com teores reduzidos de fenilalanina que possam suprir as necessidades nutricionais; e desconheci- mento das implicações dieta-doença.19

Atualmente, preconiza-se que o tratamento dietético deve ser man- tido durante toda a vida, já que, mesmo após o desenvolvimento neuro- lógico completo do indivíduo, os níveis altos de fenilalanina podem alte- rar as funções cognitivas. Alimentos com médio teor de fenilalanina po- dem ser fornecidos na dieta, de acordo com a prescrição desse aminoácido. As quantidades desses alimentos são determinadas pela idade, por tole- rância individual e níveis séricos apresentados periodicamente.3

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Dada a dificuldade de manter a adesão ao tratamento dietético e para uma melhor compreensão da bioquímica, genética e base molecular desta patologia, novas estratégias terapêuticas estão sendo estudadas. No- vos produtos industrializados foram colocados no mercado, com baixo teor de fenilalanina e adição de aminoácidos e vitaminas, por exemplo.

Apesar da existência de produtos que oferecem facilidade na prescrição e distribuição aos pacientes, eles resultam em uma dieta dispendiosa, monó- tona e pouco palatável. Como alternativa à alimentação com as misturas de aminoácidos, podem ser utilizados hidrolisados protéicos, pois prevêem al- gumas vantagens como menor custo e maior facilidade de administração.2

Além disso, alguns pacientes fenilcetonúricos respondem bem à administração por via oral de tetrahidrobiopterina (BH4), de tal modo que podem até abandonar a dieta com limitação de fenilalanina. A iden- tificação dos pacientes sensíveis a BH4 é realizada através de um teste de sobrecarga com BH4, mas não existe um consenso na utilização da metodologia e interpretação dos resultados deste teste.21

O tratamento ideal para doenças genéticas consistiria em uma cópia normal do gene defeituoso e sua transferência para as células do paciente.11

Assim sendo, futuramente, a terapia genética mediada pela utilização do DNA poderá ser de grande valor nas desordens de origem genética.20

7 PREVENÇÃO

O plano de referência para os limites entre saúde e doença na PKU é identificado basicamente pelo desenvolvimento cognitivo e motor nor- mais da criança tratada. O diagnóstico é apenas o primeiro passo. A dietoterapia inicia-se nas primeiras semanas e se estende por toda a vida das crianças portadoras. Muitos fatores influenciam o tratamento da PKU. O encorajamento para a adesão imediata e continuada da dieta requer apoio familiar e um processo educativo contínuo, tanto dos pais quanto dos profissionais envolvidos com a criança.19

O atendimento ao paciente fenilcetonúrico deve ser realizado por equipe multidisciplinar, composta por pediatra, nutricionista, psicólo- go, assistente social, geneticista e endocrinologista. A PKU é uma doen- ça de difícil suspeição clínica, o que se deve em grande parte à falta de conhecimento dos médicos, sendo muitas vezes confundida com

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autismo, síndrome de Angelman e transtorno de hiperatividade com

deficit de atenção.4

O papel da atenção primária em saúde é fundamental para preven- ção da fenilcetonúria materna. As mulheres fenilcetonúricas, em idade reprodutiva, devem ser acompanhadas por um médico em aconselhamento genético tendo em vista o risco pré-concepção, receber informações sobre a probabilidade de desenvolver fenilcetonúria materna e assumir o compromisso de seguir uma dieta restritiva.17

A fim de viabilizar, de maneira eficaz, os programas de triagem neonatal, sugeriram-se medidas tais como: campanhas de esclarecimento em todos os serviços de acompanhamento às gestantes, principalmente na rede pública; providências imediatas para a completa reorganização administrativa do serviço público de coleta, de forma a atender toda a demanda; patrocínio dos convênios nas campanhas de rastreamento com remoção de suas barreiras burocráticas; além disso, todos os laboratórios da rede privada devem ter seus dados disponíveis para futuras avaliações.18

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