• Nenhum resultado encontrado

2.2 A INTELIGIBILIDADE EM QUASE 30 ANOS: A AGENDA DE INVESTIGAÇÕES DA ESCOLA

2.2.1 A agenda de 30 anos de contribuições

2.2.1.10 Discussão e considerações acerca da agenda de investigações de Derwing e Munro

O recorte realizado na agenda de 30 anos de contribuições foi feito a partir dos objetivos teórico-empíricos desta Tese e, portanto, não representa a totalidade de trabalhos dos autores e não se entende como uma compreensão finita e completa das possíveis reflexões acerca da grande contribuição teórica e empírica dos autores para os estudos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ de fala estrangeira. Isso posto, acredita-se que tal discussão preenche uma importante lacuna para uma análise mais horizontal das contribuições dos autores. Observa-se que a partir de um olhar mais aproximado da trajetória de produção dos autores é possível mencionar que as iniciativas metodológicas parecem incidir, primordialmente, na sala de aula de língua adicional, de modo a classificar a produção científica dos autores como, majoritariamente, da Linguística Aplicada, em vez da Psicolinguística. No entanto, nota-se, ao longo da resenha dos estudos dos autores, que eles trazem, para dentro de suas contribuições, evidências do âmbito cognitivo, como considerações acerca de recursos atencionais e memória, muito embora sem uma reflexão aprofundada de como tais recursos se relacionam com o processamento de dados linguísticos e com relação ao delineamento experimental escolhido. Além disso, a partir dos resultados dos estudos resenhados, foram apontados alguns indícios de um entendimento de desenvolvimento linguístico a partir de um olhar dinâmico.

A análise detida dos quase 30 anos de contribuições possibilita que se elabore uma resposta à Questão Norteadora “1” do objetivo teórico-empírico “A”, a qual versava sobre o momento em que os autores passam a apresentar uma visão explícita dos construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ de fala estrangeira. Como pôde ser visualizado na linha do tempo disposta na Figura 1, desde as primeiras contribuições analisadas (DERWING, 1989), o primeiro trabalho a trazer uma concepção explícita de inteligibilidade é Derwing e Munro (1995a) e de compreensibilidade de fala estrangeira é de Derwing e Munro (1995b) e, a partir deste ponto, as modificações no que se refere à adição de informação e nuances acerca dos construtos foram sendo incorporadas quase que anualmente. Em 1998, os autores acabam por tecer considerações a respeito de aspectos cognitivos, conforme foi mencionado anteriormente, de modo que os estudos passaram a ganhar a atenção de outros pesquisadores, internacional e nacionalmente, como será descrito na seção 2.3. No entanto, é só a partir dos anos 2000 que se começa

66 uma reflexão mais robusta sobre os delineamentos experimentais utilizados e discussões teóricas acerca de outras visões de inteligibilidade e compreensibilidade de fala estrangeira. Em 2015a, as discussões atingem uma espécie de ápice teórico-empírico dentro da agenda de investigação dos autores, uma vez que esses fazem um apanhado crítico de seus estudos e dos trabalhos de outros autores. Nessa análise mais robusta encontram-se maiores declarações explícitas em relação à dinamicidade, complexidade e emergência dos achados em inteligibilidade e compreensibilidade de fala estrangeira.

No entanto, apesar de ter sido possível averiguar um gradiente nas produções, indo de relações mais incipientes acerca dos construtos supracitadas até reflexões e refinamentos teórico-empírico dos estudos, a mesma clareza não parece existir com relação à concepção de língua adotada. A Questão Norteadora “2” do objetivo teórico- empírico “B”, lançada na introdução desta Tese, versava sobre a existência de uma concepção de língua clara por trás dos estudos de inteligibilidade e compreensibilidade de Derwing e Munro. Embora em alguns trabalhos os autores pareçam flertar com bases teóricas provindas ora de um campo semântico-discursivo, ora de noções mais físicas do processo de emissão de informação sonora, não foi possível encontrar evidências robustas para uma conceptualização clara de língua e desenvolvimento linguístico. Por outro lado, a partir da argumentação acima realizada, não se está assumindo que não haja alguma, mas essa não se encontra explicitada nos textos dos autores. Dentre as consequências da falta de uma concepção de língua encontra-se a tardia reflexão teórico-empírica sobre os próprios achados, a aparente contradição de se assumir tangencialmente uma visão mais dinâmica de desenvolvimento linguístico e tampouco se analisar os dados individuais, ou a assunção de que a metodologia define o construto.

Em relação à resposta à Questão Norteadora “3” (“De que forma os estudos vigentes abordam tangencialmente a conceptualização de inteligibilidade e compreensibilidade a partir de uma concepção dinâmica de desenvolvimento linguístico e de uma metodologia coerente a tal concepção?”), os indícios, a partir do levantamento realizado, são poucos e embrionários. Apesar de se poderem apontar pistas para um olhar mais dinâmico em relação aos construtos, como por exemplo a noção de diferentes pesos que as variáveis podem assumir no sistema linguístico dos aprendizes (MUNRO; DERWING, 2011) ou a discussão embrionária sobre a possibilidade de a ‘inteligibilidade’ e a ‘compreensibilidade’ serem construtos compartilhados entre Falante-Ouvinte (MUNRO; DERWING, 1998), é com o estudo longitudinal de Derwing e Munro (2013) que se tem uma contribuição que olha para o desenvolvimento linguístico de Falantes e Ouvintes ao

67 longo do tempo. No entanto, conforme já mencionado anteriormente, alguns trabalhos da área criticam tal estudo por esse alimentar uma premissa de olhar para a variação do construto de ‘inteligibilidade’ ao longo de 7 anos, mas deixar em segundo plano a variabilidade individual entre os resultados (LOWIE, 2017). Assim, ao longo da agenda de quase 30 anos de pesquisas de Derwing e Munro, a dinamicidade pode ser visualizada na presença e manipulação de algumas variáveis, mas não, necessariamente, em relação à definição dos construtos e delineamento de experimental, principalmente no tocante a se contemplar a variabilidade inerente ao processo de produção e percepção de fala estrangeira.

Assim, ao se retomarem os objetivos específicos teórico-empíricos desta Tese, observa-se que o objetivo proposto em “A”, o qual versava sobre o momento em que os estudos de Derwing e Munro passaram a tornar explícitas as concepções de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’, foi atingido. Tal verificação pode ser feita a partir da discussão realizada na seção 2.2 e, principalmente, na visualização da linha do tempo proposta na Figura 1. O objetivo teórico-empírico B também foi atingido, de modo que não se evidenciou uma concepção de língua explícita na agenda de pesquisa de Derwing e Munro, mas foram apenas apontados alguns indícios de como viabilizar um tratamento dos construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ de fala estrangeira através de uma visão dinâmica de desenvolvimento linguístico.

A partir do recorte criado por esta Tese, a partir de uma agenda de quase 30 anos de trabalhos de Derwing e Munro, nota-se que os autores contribuíram de maneira bastante robusta com o desenvolvimento de uma definição para os construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ e sistematizaram o delineamento experimental de modo que outros trabalhos pudessem ampliar o escopo de pesquisas acerca dos construtos. Contudo, conforme foi apontado nesta subseção, verifica-se a existência de algumas lacunas referentes à definição dos construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’, à concepção explícita de língua, ao delineamento experimental e a uma discussão mais explícita acerca de outras variáveis que influenciem o julgamento dos construtos.

Entende-se que para tentar suprir tais lacunas, há a necessidade de contar com a contribuição de estudos internacionais e nacionais acerca de construtos/dimensões como ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ que ampliem e problematizem tanto as bases teóricas quanto empíricas dos construtos em questão. Assim, de modo a continuar as reflexões acerca dos estudos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ de fala

68 estrangeira, passa-se à descrição e análise de outras contribuições internacionais e nacionais.

2.3 Inquietações teórico-empíricas e ampliações dos construtos de ‘inteligibilidade’