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2.2 A INTELIGIBILIDADE EM QUASE 30 ANOS: A AGENDA DE INVESTIGAÇÕES DA ESCOLA

2.2.1 A agenda de 30 anos de contribuições

2.2.1.2 Munro e Derwing (1995a) e Munro e Derwing (1995b)

Em relação à contribuição de Derwing (1989) e os demais estudos resenhados (disponíveis no APÊNDICE A), não havia uma caracterização dos construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ de Derwing e Munro. A partir desse momento, dá-se um pequeno salto na agenda de investigações dos construtos supracitados para a menção às contribuições de Munro e Derwing (1995a) e Munro e Derwing (1995b). Tais estudos possuem uma grande importância na evolução dos construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’, uma vez que esses passam a ser definidos de forma explícita aqui pela primeira vez. O estudo de 1995a tem como foco examinar/investigar as inter-relações entre ‘sotaque’, ‘compreensibilidade’ percebida e ‘inteligibilidade’ na fala de aprendizes de inglês como L2. Em relação aos participantes, foram testados 18 Falantes nativos de inglês (os Ouvintes), os quais foram expostos a excertos produzidos por 10 Falantes de mandarim como L1 e inglês como L2 e por 2 Falantes nativos de inglês (os Falantes/locutores).

No que diz respeito à tarefa, os Ouvintes foram convidados a transcrever os trechos em ortografia padrão e a julgar o ‘grau de sotaque estrangeiro’ e a ‘compreensibilidade’ em uma escala Likert de 9 pontos, sendo para o primeiro construto 1 pouco sotaque” e 9 “muito sotaque” e, para o segundo construto, 1 sendo “muito fácil” de compreender e 9 “muito difícil” de compreender. Os autores mencionam que foi utilizada uma narrativa, mas não dão detalhes sobre qual seria, embora seja possível que tenha sido a mesma utilizada nos experimentos de Derwing (1990, 1991). Os trechos selecionados variaram de 4 a 17 palavras, totalizando 36 amostras. É importante apontar que não havia menções mais explícitas acerca do uso de ferramentas para mensurar a inteligibilidade ou a compreensibilidade. Aqui, por exemplo, é evidenciado o uso da escala e da transcrição.

Entre os resultados, muitos dados que foram julgados como possuindo ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ altas variaram em termos de ‘grau de sotaque estrangeiro’. Foi calculada a correlação de Pearson para a ‘inteligibilidade’, ‘grau de sotaque estrangeiro’ e pontuações de ‘compreensibilidade’, erros fonéticos, fonêmicos e gramaticais. A partir dos resultados de correlação de Pearson, foi possível evidenciar que (i) houve uma correlação significativa entre grau de sotaque e erros; (ii) poucos participantes mostraram correlações entre ‘grau de sotaque’ e ‘compreensibilidade’ percebida, e (iii) havia, ainda em menor número, uma correlação entre ‘grau de sotaque’ e ‘inteligibilidade’. Entre os ganhos do estudo, os autores apontam que, diferentemente

51 de outras pesquisas, a investigação lançou mão de uma fala mais “espontânea”, ao passo que outros estudos da época usavam leitura de passagens ou sentenças. Segundo os autores, tal escolha possui um grande impacto nas decisões metodológicas, uma vez que se trata de diferentes tipos de testagem de fala estrangeira, a partir da leitura, ou como os autores expõem, a partir da narração, de modo a configurar uma metodologia “mais natural”. Além disso, fazem uma ressalva em relação ao fato de a familiaridade prévia com fala estrangeira de alguns participantes poder ter influenciado os resultados.

Em Munro e Derwing (1995b) observa-se o que pode ser considerada uma sequência das descobertas da outra contribuição do mesmo ano, uma vez que os objetivos deste trabalho foram: a) determinar o efeito do sotaque estrangeiro no tempo de processamento das sentenças; b) verificar se uma mensagem com sotaque estrangeiro é compreensível; c) investigar a dificuldade em se entender essa mensagem e quanto tempo o Ouvinte levaria para entendê-la. Sobre os Falantes e Ouvintes, participaram deste estudo 20 Falantes nativos de inglês (Ouvintes no estudo), 10 Falantes nativos de inglês (locutores) e 10 de mandarim (locutores).

Em relação à tarefa, os Falantes foram expostos a 25 sentenças verdadeiras e 25 falsas, sendo que cada sentença continha de 4 a 8 palavras. Foram preparados 20 estímulos aleatorizados em uma lista de 40 itens, uma para cada Ouvinte. Ao escutar uma sentença em inglês nativo, a seguinte seria em Mandarim, e assim por diante. Os itens foram selecionados de modo que cada Ouvinte seria exposto a cada Falante duas vezes, uma vez produzindo excertos falsos e, na outra, verdadeiros. Com relação às tarefas, foram conduzidos testes de ‘inteligibilidade’, pedindo aos informantes que avaliassem os excertos em verdadeiro e falso e, depois, que os transcrevessem. Além disso, assim como em Munro e Derwing (1995a), foi utilizada uma escala Likert para mensurar a ‘compreensibilidade’, mas desta vez a escala ia em um crescendo de 1, sendo “muito difícil”, a 9, “muito fácil” de se compreender.

Entre os resultados, os autores encontraram que as sentenças produzidas pelos Falantes de mandarim demandaram mais tempo para serem avaliadas do que as dos Falantes nativos de inglês. Além disso, outro achado foi o de que as sentenças avaliadas com menor grau de compreensibilidade tenderam a demorar mais para serem processadas, quando comparadas com sentenças avaliadas como moderadas ou altamente compreensíveis. Contudo, não houve evidências de que o grau de sotaque estava relacionado ao tempo de processamento.

52 Ao se refletir sobre os achados dos estudos de Munro e Derwing (1995a; 1995b), é possível notar uma grande mudança em relação à apresentação de uma definição explícita do que seria a ‘inteligibilidade’. Segundo os autores, no trabalho de 1995a, a ‘inteligibilidade’ seria a “extensão na qual a mensagem do Falante é de fato compreendida pelo Ouvinte, mas não há nenhum jeito universalmente aceito de acessar tal dimensão” (op. cit., 1995a, p.76). No entanto, não há uma definição para o construto de ‘compreensibilidade’ de fala estrangeira e nem para o termo “compreender” ou “entender”. Já no texto de Munro e Derwing (1995, p. 291), são apresentadas definições acerca de ‘inteligibilidade’, a qual foi supracitada, a de ‘compreensibilidade’, que seria “a percepção dos Ouvintes da dificuldade em compreender excertos específicos”, e a de ‘grau de sotaque estrangeiro’, que corresponderia ao quão forte o sotaque estrangeiro é percebido como tal.

Entre os modos de operacionalizar as dimensões, estão o uso de sentenças ou unidades mais longas de fala e o pedido de transcrição, para ‘inteligibilidade’, e a utilização de escalas de Likert para os construtos/dimensões de ‘compreensibilidade’ e ‘grau de sotaque estrangeiro’. Outra contribuição importante do trabalho de 1995b é o de estabelecer a relação entre as dimensões, veiculando a ideia de que elas são relacionadas, mas parcialmente independentes, uma vez que, por exemplo, é possível que um Falante possua uma fala com um ‘grau de sotaque’ bastante proeminente, mas cujos índices de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ sejam baixos. Tal relação entre as dimensões expõe um funcionamento mais imbricado entre os construtos, o que, em certa medida, poderia denotar um aspecto complexo, sendo que não há como prever um direcionamento único de influência. Sobre o conceito de língua, não é possível mencionar, de modo explícito, que há uma visão que se sobressaia nos trabalhos de 1995a e 1995b. Observa- se que a utilização de tais ferramentas, como a escala Likert, para mensurar os construtos supracitados, também será adotada pelo delineamento experimental da discussão da presente Tese. No entanto, será realizada, posteriormente, uma problematização acerca do uso da transcrição como modo de operacionalizar o construto de ‘inteligibilidade’, de modo que será discutida, neste capítulo (na seção 2.3.1) e no Capítulo 4 (destinado à descrição do delineamento experimental desta Tese), uma mensuração complementar, via repetição oral.

Nas discussões de 1995b, os autores tecem algumas considerações acerca dos processamentos top-down e bottom-up de informação, mencionando que, ainda que o Ouvinte entenda o Falante, aquele poderia ter que trabalhar bastante na decodificação do

53 excerto em questão, tendo que repetir os dados lançando mão da memória de curto prazo. A transcrição e o acesso que o indivíduo faz das informações linguísticas é mediado por processos de recuperação alfabética e conexão semântica de itens lexicais. Assim, o Ouvinte tem que estabelecer inferências para poder preencher as lacunas oriundas da não percepção de um dado item lexical na frase. Novamente, a preocupação com uma visão mais dinâmica e complexa, de modo a pensar como a variabilidade dos julgamentos influi no aumento ou diminuição dos índices de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’, não parece estar presente.