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2.3 INQUIETAÇÕES TEÓRICO-EMPÍRICAS E AMPLIAÇÕES DOS CONSTRUTOS DE

2.3.4 O “tempo” e o modo de operacionalização de variáveis relacionadas aos construtos de

O “tempo” aparece como uma importante característica e/ou variável trazida para dentro dos estudos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ de fala estrangeira. No entanto, é importante frisar que a menção ao tempo traz consigo entendimentos distintos, sendo “tempo” concebido enquanto “tempo de aprendizagem” (relacionado ao processo de coleta longitudinal (por exemplo) ou “tempo de resposta aos estímulos”. Para exemplificar a importância dessa variável, serão trazidos aqui os resultados dos estudos de Albuquerque e Alves (2019, no prelo) e Nagle, Trofimovich e Bergeron (2019), uma vez que tais estudos possuem um impacto na reflexão teórica levantada e no delineamento experimental apresentado por esta Tese.

85 O estudo de Albuquerque e Alves (2019, no prelo) teve como objetivo investigar a inteligibilidade e a compreensibilidade da fala de haitianos, aprendizes de Português Brasileiro como Língua Adicional, a partir de três grupos de Ouvintes: (i) G1, Ouvintes monolíngues do PB; (ii) G2, aprendizes brasileiros de francês como LA (que deveriam apresentar mais familiaridade com a fala acentuada dos aprendizes); (iii) G3, aprendizes brasileiros de inglês como LA (que poderiam lançar mão de suas experiências como bilíngues em sua trajetória desenvolvimental, o que traria vantagens em relação aos monolíngues).

A compreensibilidade foi testada a partir de uma escala Likert, conforme a metodologia adotada pela literatura padrão (DERWING; MUNRO, 1995a, 1995b; DERWING; MUNRO, 2005). No que diz respeito à tarefa de inteligibilidade, foi proposta uma tarefa de repetição oral de frases, em vez de transcrição das frases ouvidas. É importante chamar a atenção para o fato de que Rosa et al. (2018) já haviam testado a repetição oral como forma de mensuração do construto de ‘inteligibilidade’, e tal modo de operacionalização havia trazido resultados bastante interessantes para os dados em questão, uma vez que os Ouvintes tinham uma maior possibilidade de elaboração linguística acerca de suas decisões sobre os áudios quando da comparação com a tarefa de transcrição. Entre os resultados das tarefas de repetição oral e escala Likert, a comparação entre os três grupos revelou índices significativos apenas sobre G3 e G1, de modo que se aponta uma diferença significativa na superioridade de G3 sobre G1, referente ao índice de palavras repetidas corretamente na tarefa de inteligibilidade.

Além dessas duas formas de mensuração, outra forma foi adicionada, a partir da utilização do Aplicativo para Estudos em Percepção e Inteligibilidade (AEPI33), desenvolvido por Bondaruk, Albuquerque e Alves (2018): o tempo de tomada de decisão. Esperava-se que tal tempo constituísse um indicador adicional do grau de dificuldade dos participantes frente às frases escutadas. Conforme foi reportado, tal operacionalização, a partir de uma leitura integrada aos demais construtos, revelou informações adicionais para o entendimento do estabelecimento da inteligibilidade e da compreensibilidade por parte de tais Ouvintes. Com base nos dados obtidos e a partir da análise conjugada dos modos de operacionalização (repetição oral, escala Likert e tempo de tomada de decisão), os autores propuseram que a variável de ‘tempo de tomada de decisão’ poderia ser lida sob duas formas: (i) como um indício da dificuldade do aprendiz frente ao estímulo

33 Detalhes mais específicos sobre o aplicativo serão fornecidos no capítulo 4, quando se introduzir o Método da Tese.

86 auditivo com sotaque; (ii) como indicadora de uso de estratégias de identificação adicionais, tais como a top-down, frente a dificuldades referentes ao estímulo com sotaque estrangeiro. Essa última possibilidade parece ter sido o caso de G3. Nos casos dos aprendizes de G1, é possível que apenas a primeira possibilidade, e não a segunda, tenha tido lugar entre os participantes.

Assim, a partir de um ponto de vista de desenvolvimento linguístico como um processo dinâmico, é possível dizer que os autores realizaram análises de caráter conjugado entre verificações descritivas e inferenciais e levaram em consideração aspectos linguísticos e cognitivos, uma vez que a verificação dos construtos envolveu mensurações a partir da escala Likert e da repetição oral, além do tempo de tomada de decisão. No entanto, é importante frisar que o “tempo” enquanto variável foi analisado neste estudo como uma medida de natureza mais objetiva, mas não como parte do processo desenvolvimental dos participantes em questão (uma vez que foi verificado apenas um recorte temporal, característico de estudos transversais). A presente Tese, conforme será proposto nos Capítulos 4 e 5, também se valerá da incorporação do tempo como variável inerente aos processos de desenvolvimento linguístico. No entanto, a Tese tratará o tempo sob um aspecto longitudinal.

O estudo de Nagle, Trofimovich e Bergeron (2019) também trabalha com a variável “tempo”, mas de modo dinâmico, i.e., procurando realizar diversas medições em uma mesma coleta, ao invés de apenas uma, como é feita nos estudos da área. Baseando-se em estudos que investigaram outros construtos de modo dinâmico, como a motivação (DÖRNYEI; TSENG 2009; MACINTYRE; SERROUL, 2015, apud NAGLE; TROFIMOVICH; BERGERON, 2019) e a ansiedade em relação à língua adicional (GREGERSEN, MACINTYRE, MEZA, 2014, apud NAGLE; TROFIMOVICH; BERGERON, 2019), os autores analisam a compreensibilidade de fala estrangeira como um construto sensível ao tempo, complexo e multidimensional, associado a diversos aspectos da fala estrangeira para o Ouvinte. Assim, os autores investigaram 24 Falantes nativos de Espanhol, os quais avaliaram canadenses, aprendizes de espanhol de nível 234. Entre os objetivos da pesquisa se encontram a investigação da compreensibilidade como um construto dinâmico. Segundo os autores, a compreensibilidade é mensurada a partir de uma escala Likert de 9 pontos, na qual os Ouvintes devem avaliar trechos de 20-30

34 Chama-se a atenção para o fato de que os autores não apontam qual foi a escala de níveis utilizada ou qual seria o nível máximo. Adicionalmente, na seção de “discussão” do artigo, os autores fazem menção ao fato de que os Falantes seriam de nível “intermediário”.

87 segundos, uma única vez. Sendo a compreensibilidade um construto dinâmico, essa precisa ser analisada ao longo do tempo, i.e., os autores apresentam uma proposta de avaliação dinâmica (várias vezes ao longo de um trecho), de modo a observar como a compreensibilidade pode variar no interior de um mesmo trecho de áudio. Assim, Nagle, Trofimovich e Bergeron (2019) lançam mão de uma escala de avaliação na qual os Ouvintes realizam a verificação do índice de compreensibilidade de forma a julgar porções maiores de extratos de fala, para além dos 20-30 segundos habituais (conforme tipicamente utilizado pela literatura, e.g. DERWING et al. (2004) e em vários momentos do mesmo áudio. A partir dos resultados, obtidos do Idiodynamic Software (MACINTYRE, 2012), observou-se que os pontos (no software) que eram avaliados com índices mais baixos de compreensibilidade recebiam, em geral, um menor índice de julgamento global, mas os pontos que eram avaliados com índices mais altos de compreensibilidade não eram associados com julgamentos globais mais altos. De modo geral, alguns aspectos linguísticos e idiossincráticos fizeram com que os Ouvintes convergissem suas impressões, embora tenha sido encontrada uma grande variabilidade individual em relação aos julgamentos intra e inter-Ouvintes.

Chama-se a atenção para o fato de que o aspecto dinâmico no trabalho de Nagle, Trofimovich e Bergeron (2019), associado à mensuração do construto de compreensibilidade em múltiplas vezes ao longo do tempo, possui uma noção da variável “tempo” distinta da utilizada por esta Tese. O “tempo” para Nagle, Trofimovich e Bergeron (2019) está relacionado à variação do julgamento dentro de uma mesma coleta (que avalia a compreensibilidade de um trecho de áudio em vários momentos da progressão desse). Por sua vez, a presente Tese lança mão da análise da variabilidade ao longo de várias coletas. Cabe mencionar que, embora sejam jeitos diferentes de recortar a variável “tempo”, ambos os delineamentos metodológicos se preocupam com uma visão dinâmica e complexa do desenvolvimento linguístico.

Em relação a estudos que levam em conta a variável “tempo” como parte do processo desenvolvimental, por parte de Falantes e Ouvintes, Deewing e Munro (2013) já haviam realizado uma análise longitudinal (conforme previamente descrito neste capítulo). No entanto, apesar de os autores realizarem um estudo longitudinal, Lowie (2017), conforme já mencionado, aponta para o fato de que a variabilidade foi colocada em segundo plano, fazendo com que os resultados ressaltassem uma média global (de forma a incluir todos os participantes) e não as variações individuais ao longo dos sete anos de coletas. Tal entendimento sobre a variabilidade linguística, como algo prejudicial

88 à descrição dos resultados gerais, é bastante discutido dentro de propostas como os Sistemas Dinâmicos Complexos (LOWIE; VERSPOOR, 2019), a qual, diferentemente da referida visão, concebe variabilidade como um indicativo de aprendizagem.

Levando em consideração os estudos resenhados por esta seção, o delineamento experimental proposto por esta Tese se alimenta dos resultados do estudo transversal de Albuquerque e Alves (2019, no prelo) e o amplia, de modo a apresentar um estudo longitudinal, que opera mais diretamente com premissas como as relacionadas a Sistemas Dinâmicos Complexos. Além disso, leva-se em consideração a natureza dinâmica de construtos como a compreensibilidade (NAGLE; TROFIMOVICH; BERGERON, 2019), bem como a da inteligibilidade. Por fim, a reflexão teórico-empírica proposta pela Tese se coaduna com o posicionamento de Lowie e Verspoor (2019), acerca de a variabilidade ser uma pista para o aprendizado (conforme será discutido com maior profundidade no Capítulo 3).