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3.2 DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO SOB UMA VISÃO DE SISTEMAS DINÂMICOS COMPLEXOS:

3.2.4. Variabilidade e mudança ao longo do tempo

De acordo com Van Dijk, Verspoor e Lowie (2011), visões chomskyanas de competência versus desempenho colocavam a competência como prioritária em relação

107 ao desempenho, uma vez que esse último estaria sujeito à variação em demasia, irregularidade. A partir de tal paradigma, os “erros” de aprendizagem e as inconsistências eram desconsiderados, pois a variabilidade era vista como ruído ao sistema do aprendiz. No entanto, a partir da previsão de tal visão, como explicar casos de flutuação dentro do sistema de um mesmo aprendiz? Como entender que padrões de regressão e progressão se influenciam mutuamente?

Em uma visão de desenvolvimento linguístico enquanto SDC, a variabilidade desempenha um papel bastante importante, podendo atuar como preditor de aprendizagem (LOWIE; VERSPOOR, 2019). Dessa forma, a variabilidade, que antes era vista como um “ruído” para paradigmas como o gerativista, passa a ser considerada dentro de análises dinâmicas e a ter o status de pista para a aprendizagem dos participantes, de modo que quanto maior a variabilidade, maior o aprendizado. Segundo Van Geert e Van Dijk (2002),

Em nossa perspectiva, a qual foi inspirada na Teoria dos Sistemas Dinâmicos, variabilidade é vista como uma força propulsora potencial de desenvolvimento e um indicador em potencial de processos em andamento. Ela deveria, portanto, ser trata como uma importante fonte de informação41. (VAN GEERT; VAN DIJK, 2002, p. 341)

A variabilidade e mudança ao longo do tempo, conforme discutido nas demais seções, se encontra também dentro das discussões de Lowie (2017). De acordo com o autor, é preciso que se compreenda como a língua se encaixa em uma visão de SDC. Segundo ele:

A língua opera como um subsistema da cognição corporificada, a qual é um subsistema de agentes que interagem em comunidades de língua expandidas. A língua em si consiste em diversas dimensões de subsistemas agrupados, como sintaxe, léxico e fonologia, mas também de diferentes línguas, dialetos e registros que o Falante pode usar42 (ver LARSEN-FREEMAN, 1997). (LOWIE, 2017, p. 124).

A partir do que Lowie (2017) menciona acima, é necessário que, assim como outros sistemas já descritos pela literatura, e.g., o meteorológico, se entenda a língua e questões

41 No original: “In our perspective, which has been inspired by dynamic systems theory, variability is viewed as a potential driving force of development and a potential indicator of ongoing processes. It should therefore be treated as an important source of information.”

42 Language operates as a subsystem of embodied cognition, which is a subsystem of interacting agents in

increasingly extended language communities. Language itself consists of several dimensions of coupled subsystems like syntax, lexicon and phonology, but also the different languages, dialects and registers the speaker can use (see Larsen-Freeman, 1997).

108 relacionadas a ela, tais como o desenvolvimento linguístico de aprendizes de LAs, como processos que são partes de outros subsistemas “menores”, tais subsistemas como a fonologia, mas também subsistemas “maiores”, como da cognição corporificada, de dialetos, registros etc. Assim, este movimento entre as partes e o todo, já descrito por Baranger (2000), Chan (2001), Holland (2006), entre outros, acontece de modo contínuo, de modo a acoplar a variabilidade que essas partes e o todo podem trazer.

Lowie (2017) reforça que o desenvolvimento linguístico depende, intrinsicamente, da variabilidade e de estados atratores, os quais permitem que os sistemas nunca apresentem uma relação de linearidade (DE BOT; LOWIE; VERSPOOR, 2007). Em última instância, o autor aponta que a TSD é uma “teoria de mudança e é, portanto, o arcabouço com o maior potencial para descrever e explicar desenvolvimento e mudança da língua como um processo no tempo43” (LOWIE, 2017, p. 124). Além disso, o autor

faz importantes considerações em relação a questões metodológicas, não só relacionadas à coleta de dados, mas também sobre a análise destes. Para ele, uma vez que o desenvolvimento linguístico seja mensurado como uma série de mudanças ao longo do tempo, resultados provindos de momentos únicos de coleta de dados não seriam capazes de dizer muito sobre o processo de desenvolvimento em si. O autor, inclusive, tece algumas críticas sobre o caso de estudos de treinamento, nos quais há um pré-teste, teste e pós-teste, e de estudos que não focam nas mudanças individuais, apesar de serem longitudinais, como no estudo de Munro e Derwing (2013). Mesmo nesses casos, embora de modo mais atenuado do que em coletas únicas, o autor menciona que o que está sendo captado é um produto, e não o processo.

No entanto, é importante apontar que o estudo de Derwing e Munro (2013) também opera com um delineamento experimental e análise de achados coerentes com a premissa de variabilidade e mudança ao longo do tempo. A análise realizada no estudo longitudinal de sete anos, com Falantes cujas L1s eram mandarim e línguas eslavas, apontou que os Falantes de mandarim como L1 não mostraram melhora em nenhuma das dimensões ao longo dos anos. Entretanto, os Falantes de línguas eslavas como L1 apresentaram uma melhora significativa na ‘compreensibilidade’ e ‘fluência’. A melhora no ‘grau de sotaque estrangeiro’ deu-se até o segundo ano do estudo. Uma visão tradicional de desenvolvimento linguístico preveria uma mudança linear ao longo dos anos, a qual

43 […] a theory of change and is therefore the framework with the most powerful potential to describe and explain development and change of language as a process in time.

109 provocaria uma curva ascendente ou descendente em relação à melhora dos Ouvintes. No entanto, uma visão de língua como TSDC parece propor um olhar mais parcimonioso aos resultados, uma vez que parece se aproximar do que realmente os achados revelaram: i) variação em relação à mudança acerca do tipo de L1 dos Falantes; ii) variação em relação à melhora em alguns aspectos, sendo que houve uma mudança caracterizada como positiva para a compreensibilidade e fluência, mas não para a inteligibilidade.

Ao se tomar uma via de análise de descrição dinâmica, conforme menciona De Bot (2017), é possível que se foque no detalhamento da trajetória de desenvolvimento linguístico-cognitivo dos aprendizes individualmente, uma vez que a variabilidade implica desenvolvimento (LOWIE, 2017). Nessa esteira, poder-se-ia encontrar que dada a variabilidade dos dados dos aprendizes ao longo dos anos, os aprendizes apresentaram mudanças consideráveis em seu desenvolvimento, mas essas não seguiram a linearidade esperada. Assim, considera-se importante compreender que muitas vezes os dados do grupo podem não refletir a trajetória de nenhum dos indivíduos analisados.

A partir das reflexões acerca da premissa de variabilidade, esta Tese defende um delineamento experimental que tome a variabilidade como uma evidência para a aprendizagem, i.e., propõe-se que possam existir momentos em que a variabilidade não esteja relacionada a mudanças decorrentes do fluxo de alterações inerente ao sistema, mas sim instantes em que a variabilidade se relaciona com picos significativos de aprendizagem (como se discutirá nos Capítulos 4 e 5). Além de adotar a variabilidade como uma via de análise dos resultados do teste de inteligibilidade e compreensibilidade propostos, o delineamento experimental também procura contemplar tal premissa ao olhar para o desenvolvimento individual do binômio Falantes haitianos-Ouvintes brasileiros. Entende-se que há um ganho na análise inter-participantes (a qual pode prover um olhar mais macro à distribuição dos resultados e comportamento de Falantes e Ouvintes), mas essa não prescinde de um olhar para o desenvolvimento linguístico de cada participante (o qual pode oferecer pistas mais substanciais sobre o desenvolvimento e a interação entre as variáveis relacionadas com os construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ de fala de LA ao longo do tempo). Por fim, mas não menos importante, aponta-se que, ao incluir a variabilidade como premissa inerente às mudanças no sistema linguístico-cognitivo de Falantes e Ouvintes, assume-se, também, que as diferenças na natureza das tarefas e modos de mensuração dos construtos pode demonstrar que “o aprendizado normalmente inclui abordagens transicionais de curto-

110 prazo que desempenham um importante papel na aquisição de abordagens de longo prazo”44 (VAN DIJK; VERSPOOR; LOWIE, 2011, p. 58).

Após terem sido explanadas algumas das premissas do SDC e relacionado-as a quatro estudos de Derwing e Munro, retoma-se a Questão Norteadora “3” (parte do objetivo específico B). É possível dizer que os construtos de e ‘compreensibilidade’ de fala de LAs, a partir dos estudos de Derwing e Munro analisados nesta seção, se encontram apenas parcialmente ou tangencialmente alinhados a uma perspectiva dinâmica e multimodal de desenvolvimento linguístico. Nota-se que algumas das análises dos resultados dos estudos flertam com a diferença de estágios iniciais (entre indivíduos pertencentes a um mesmo grupo), a não linearidade do desenvolvimento linguístico etc. No entanto, o delineamento experimental dos estudos de Derwing e Munro (aqui retomados) pouco contempla as premissas discutidas nesta seção e os resultados, de modo geral, acabam por deixar em segundo plano a importância das diferenças individuais, em relação aos resultados gerais dos grupos.

De modo a continuar tal reflexão e procurar alinhar, cada vez mais, os construtos de ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ a uma visão de desenvolvimento linguístico via TSDC, estreita-se a proposta a partir da adoção de um primitivo de análise que entenda o tempo como inerente ao processo de desenvolvimento ao longo do tempo. Além disso, mais um estudo de Derwing e Munro será trazido para a discussão para que se continue a evidenciar aspectos embrionários de uma de visão de SDC dentro das contribuições já existentes para inteligibilidade e compreensibilidade de fala em LAs.

3.3 Inteligibilidade e compreensibilidade de fala estrangeira via SDC: o componente