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2.1 INTELIGIBILIDADE E COMPREENSIBILIDADE EM L2: UM CONSTRUTO EM CONSTRUÇÃO

2.1.2. Inteligibilidade de L2: as contribuições de Derwing e Munro

Uma outra vertente, um pouco mais recente, emerge dos estudos de Derwing e Munro (DERWING; MUNRO, 1995a, 1995b, 2015; DERWING; MUNRO, 1997, 2005, DERWING; MUNRO; WIEBE, 1998; DERWING; MUNRO; THOMSON; ROSSITER, 2009). Embora não haja uma discussão vigente entre a existência de duas visões/orientações concorrentes, quando se pensa no trabalho seminal dos estudos de Smith e nos estudos de Derwing e Munro para as discussões em inteligibilidade, é possível perceber que há uma linha de pesquisas que têm se pautado não só na divisão dos construtos estabelecidos pelos autores, mas também nas metodologias de testagem.

O Quadro 3 traz as definições teórico-metodológicas dos construtos segundo Derwing e Munro (2015a).

Quadro 3 - Dimensões da fala relevantes para a pronúncia

Dimensão Descrição Como é medido

Inteligibilidade O grau do entendimento da mensagem pretendida do Falante, pelo Ouvinte.

Ditado18;

Perguntas de compreensão; Sentenças verdadeiras/falsas etc.

Compreensibilidade A facilidade ou dificuldade percebida (em relação ao esforço feito pelo Ouvinte para compreender o Falante).

Escala (e.g., 1= muito fácil de compreender; 9 = extremamente difícil de compreender).

Grau de sotaque Diferenças entre as produções do Falante e do Ouvinte e padrões acústicos.

Escala = e.g., 1 = sem sotaque; (i.e., os mesmos padrões do Ouvinte); 9 = sotaque acentuado.

Fonte: Derwing e Munro (2015, p. 3).

18 É importante mencionar que a tradução procurou manter o vocábulo proposto pelos autores. No entanto, expõe-se que o “ditado” seria a “transcrição” feita pelos participantes dos estudos.

44 Apesar de os construtos de ‘inteligibilidade’, ‘compreensibilidade e ‘grau de sotaque’ já terem sido descritos pelos autores em textos anteriores, optou-se por dispor o quadro do texto de 2015, dado que neste trabalho os autores delimitam os construtos supracitados em relação aos parâmetros utilizados por estudantes e professores para o ensino-aprendizagem de pronúncia (contexto próximo ao desta discussão). Pode-se notar, no Quadro 3, que o conceito de inteligibilidade estaria associado ao entendimento do significado de um dado enunciado em sua extensão, sendo operacionalizado a partir de ditados (transcrição), perguntas de compreensão, sentenças verdadeiras e falsas, dentre outros. É importante apontar que Derwing e Munro (op. cit.), ao discutirem o construto ‘inteligibilidade’, o fazem procurando associá-lo ao entendimento projetado pelo Falante, pretendido por ele. A relação entre Falante, mensagem e Ouvinte parece se dar em uma linha tal qual uma ponte, posicionando Falante e Ouvinte nos extremos e, talvez, unidirecionalizando o entendimento da mensagem, i.e., do que é proferido pelo Falante e entendido pelo Ouvinte. Assim, embora possa se inferir que as características sociolinguísticas dos Ouvintes sejam importantes para os autores, através de tal definição, não fica claro se e como elas influenciam na compreensão do enunciado produzido e, consequentemente, se a ‘inteligibilidade ‘inteligibilidade’ seria um construto compartilhado entre ambos.

Ao mesmo tempo em que hoje se tem empregado o conceito de entendimento ao de inteligibilidade, é importante lembrar que Smith e Nelson (1985) apontavam para algo que poderia ser alocado em dois “graus” de entendimento, sendo a ‘inteligibilidade ‘inteligibilidade’ associada às “'formas linguísticas”’ e à ‘compreensibilidade ‘compreensibilidade’, num certo sentido, tida como um entendimento mais holístico, uma vez que recuperaria “o significado maior do enunciado” (ALVES, 2015). A partir da reflexão acima feita, talvez seja possível aventar que o que Derwing e Munro (2015) chamam de inteligibilidade esteja relacionado ao que Smith e Nelson (op. cit.) atribuem a níveis mais altos, como ‘compreensibilidade ‘compreensibilidade’ e ‘interpretabilidade’. Assim, de certa forma, é possível pensar aqui em uma concepção de língua como Sistema Dinâmico Complexo como pano de fundo para uma ou outra orientação, de Derwing e Munro (op. cit.) ou de Smith e Nelson (op. cit.), uma vez que parece haver uma dinamicidade comum a ambas as propostas. A complexidade nas orientações supracitadas viria a partir da noção de integração entre os construtos, a relação simbiótica entre Falante e Ouvinte, o modo como a fala é vista como um processo que depende das experiências prévias dos Falantes e de processos de acomodação ao

45 longo do tempo, por exemplo. Novamente, é importante mencionar que tais considerações, acerca de as orientações apresentarem tal visão dinâmica, advêm das leituras a posteriori das obras. Os autores, em nenhuma das visões/orientações, exploram esse argumento explicitamente em seus trabalhos.

A partir da distinção entre os construtos, segundo Derwing e Munro (2015), a compreensibilidade estaria relacionada ao grau de esforço, à facilidade ou dificuldade que um dado Ouvinte tem para compreender um Falante. Segundo os autores, o modo de testagem se resume ao julgamento em uma escala Likert de 1 a 9, por exemplo, sendo 1 “muito fácil” de compreender e, 9, “muito difícil” de compreender.

Por último, mas não menos importante, Derwing e Munro (op. cit.), dentre outros autores, atribuem ao construto ‘grau de sotaque’ as distinções detectadas entre produções de Falantes e Ouvintes (da mesma maneira que no construto de compreensibilidade, procura-se operacionalizar a medição de grau de sotaque, em geral, a partir de uma escala Likert, na qual o Ouvinte deve avaliar o Falante como possuindo um grau de sotaque “atenuado” ou “fraco” ou, na outra ponta da escala, como detentor de um grau de sotaque “forte”). A partir do que apontam os autores, a verificação metodológica parece apontar para o fato de que um enunciado julgado como “sem sotaque” (equivalente à pontuação “1” na escala Likert de grau de sotaque) apresentaria os mesmos padrões do Ouvinte. Nesse sentido, a escala de grau de sotaque, apesar de trabalhar com categorias e uma possibilidade de gradiência entre os julgamentos, parece funcionar, ao menos em um de seus extremos, diferentemente da escala de compreensibilidade, uma vez que essa apresenta em seu extremo máximo de pontuação “9”, por exemplo, o conceito de “extremamente difícil de compreender”, mas não o de que seja impossível, incompreensível. Assim, é possível inferir que talvez, para os autores, os indivíduos não partam de um estado estacionário sobre o enunciado recebido, mas, sim, de suas expectativas e experiências em relação a produções semelhantes ou próximas. A partir de um olhar dinâmico, a variabilidade inerentemente presente na produção e recepção de informação linguística contribui positivamente para o aprendizado de uma LA, uma vez que a variabilidade estaria relacionada a processos de sintonização constantes do sistema linguístico de Falantes e Ouvintes.

Diante do cenário exposto, percebe-se que, apesar de existirem algumas diferenças entre o entendimento dos construtos ‘inteligibilidade’, ‘compreensibilidade’ e ‘grau de sotaque’, é possível observar que a agenda de pesquisas desenvolvida por Derwing e Munro trouxe importantes contribuições, como: a) distinções entre um entendimento

46 mais local ou global do enunciado; b) presença de uma noção semântico-pragmática no construto de ‘inteligibilidade’; c) metodologia de testagem explícita e que se preocupa com as definições dos construtos de ‘inteligibilidade’, ‘compreensibilidade’ e ‘sotaque estrangeiro’.

Dentro do rol de reflexões aqui feitas, muitas servirão de base para a concepção de inteligibilidade à qual se chegará com a presente Tese. Entretanto, apesar da pertinência das considerações feitas e aqui resenhadas, as concepções vigentes de inteligibilidade e compreensibilidade não trazem uma definição clara da concepção de conhecimento linguístico que as subjaz. É nesse sentido que, também, se justifica a proposta de discussão deste trabalho, uma vez que as caracterizações de inteligibilidade e compreensibilidade, bem como dos delineamentos experimentais propostos para a aferição de tais construtos, emergirão a partir de uma concepção clara de conhecimento linguístico – a visão de Língua como SDC, a qual será discutida no Capítulo 3.

Além disso, nota-se, por um lado, que não há uma discussão estabelecida entre as intersecções com teorias de percepção da fala e o conceito de inteligibilidade e, por outro, sobre o papel de aspectos cognitivos, como a atenção, ou sobre a influência da natureza da informação recebida pelo sujeito, i.e., a primazia ou não de uma visão sobre a multimodalidade da fala. Nesse sentido, as próximas seções procuram apresentar uma problematização em relação à adoção explícita ou implícita de uma definição para ‘inteligibilidade’ e ‘compreensibilidade’ e a concepção de língua que estaria por trás da discussão dos construtos supracitados.

2.2 A inteligibilidade em quase 30 anos: a agenda de investigações da escola