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1 DISTINÇÕES E SEMELHANÇAS ENTRE CODIFICAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO

APONTAMENTOS SOBRE OS MOVIMENTOS DE RECODIFICAÇÃO E DE CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

1 DISTINÇÕES E SEMELHANÇAS ENTRE CODIFICAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO

A título de abertura deste trabalho, objetiva-se abordar especificamente a distinção de dois conceitos que comumente se confundem não apenas no senso popular, mas também entre juristas: codificação e consolidação. Neste aspecto, compreendendo ambos como mecanismos jurídicos que buscam a sistematização legal, visa-se abordar a associação desta necessidade sistêmica com o modelo jurídico vigente no Brasil.

Em rapidíssimas palavras, codificar é elaborar um código, uma lei temática, que percorra inteiramente determinada matéria e que produza os efeitos de: a) reunir todo o tratamento normativo do assunto, conferindo unidade regulamentar; b) atuar como referência única para os futuros tratamentos legislativos que se pretenda impor ao tema codificado. Codificar, portanto, é legislar, é elaborar lei nova, sendo irrelevante saber se a partir de partes de leis preexistentes ou se por vias normativas e temáticas novas. [...] Consolidar, de outro lado, não é legislar. É agrupar legislação já elaborada, reunir essa legislação em volume único e, in extremis, em alguns textos únicos. Mas aqui o Direito não é inovado. É apenas sistematizado, tratado metódica e sistematicamente, de forma a possibilitar a sua perfeita aplicação. Consolidar, então, não é uma atividade típica do Legislativo, mas do Executivo3.

Partindo da etimologia, a palavra “Código” é derivada da palavra “codex”, tendo em sua origem a acepção de tronco de árvore. Para a civilização mais antiga, este termo remonta à ideia de uma superfície de madeira, uma tabuleta encerada, evoluindo para um complexo de várias tabuletas de lenha untada em cera, reunidas, usadas como material para escrita. Adiante, a palavra foi empregada para designar não mais o material, mas o formato, a reunião de normas,

3 DEZEN JÚNIOR, Gabriel. O Instituto da Consolidação: Panorama Histórico, Jurídico e Político. In: MINAS

GERAIS – Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A consolidação das leis e o aperfeiçoamento da democracia. Belo Horizonte: ALMG, 2003, p. 39-55, p. 47.

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sendo o Codex Theodosiano (438 d.C.) o primeiro livro que contém uma compilação oficial de leis.4

Atualmente, a Codificação é a reunião coordenada de leis, num único texto ou corpo, em forma de Código, desde que alusivas a determinado ramo do Direito ou a relações segundo um critério objetivo.5

A Codificação possui como elementos principais: “ideologia, renovação jurídica e sistema”, tendo como pressuposto a sistemática reunião, formal ou material, de um conjunto de fontes jurídicas em um corpo único.6

No mesmo sentido, Médici7 aduz que a reunião em um único corpo jurídico, de todas as normas relativas a um determinado campo da atividade humana, pode ser entendida como Codificação. Acrescenta ainda que além deste conjunto de normas agregadas, um Código deve exprimir uma inspiração ideológica. A alma de um Código é revelada por objetivos superiores, refletindo, em geral, uma proposta política dos detentores de poder.

Já a Consolidação, cujo termo em latim “consolidatio” traduz a ideia de unir, fortalecer, tornar sólido, firme, estável, consiste no simples recolhimento de normas já existentes, sempre que houvessem um momento de exaustão legislativa, sem espírito de inovação.8

No mesmo sentido, Dotti9 define consolidação como a reunião de leis esparsas em um

só corpo legislativo, dispostas numa ordem uniforme. Para o citado autor, a codificação é a sistematização de princípios e regras sobre a matéria de determinado ramo do direito, enquanto a consolidação apenas organiza os textos normativos. A codificação introduz princípios e regras necessárias à interpretação e à aplicação da lei, além da compilação dos textos esparsos.

A Lei Complementar n. 95/1998, em atenção ao parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal, ao dispor sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação de leis, estabelece em seu artigo 13, parágrafo único:

A consolidação consistirá na integração de todas as leis pertinentes a determinada matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as

4 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Da Codificação: Crônica de um conceito. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 1997, p. 19.

5 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 629.

6 BRITO, Alejandro Guzman. La Fijación del Derecho: contribución al estudio de su concepto y de sus clases y

condiciones. Valparaíso: Editora Universitarias de Valparaíso – Universidad Católica de Valparaíso, 1977, p. 22.

7 MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais: parte especial do direito penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, p. 81.

8 ANDRADE. Op. Cit., p. 21.

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leis incorporadas à consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados.

Para fins de consolidação, o Poder Legislativo ou Executivo deverá proceder ao levantamento da legislação federal em vigor que trate da mesma matéria, ou a ela vinculada, indicando os diplomas legais expressa ou implicitamente revogados.10

Assim, conforme os incisos do parágrafo segundo do artigo 13 da referida Lei Complementar, na consolidação de leis podem ser feitas apenas alterações e atualizações, no que diz respeito à colocação e numeração de artigos, à fusão de disposições repetitivas, à denominação de órgãos e entidades da administração pública, aos termos antiquados e modos de escrita ultrapassados, ao valor de penas pecuniárias, à eliminação de ambiguidades decorrentes do mau uso do vernáculo, à introdução de novas divisões do texto legal base, à homogeneização terminológica do texto, à supressão de dispositivos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, observada, no que couber, a suspensão pelo Senado Federal de execução de dispositivos, na forma do artigo 52, X, CF, à indicação de dispositivos não recepcionados pela Constituição Federal e à declaração expressa de revogação de dispositivos implicitamente revogados por leis posteriores.

Mendes aponta que a legislação em comento, notadamente com a Lei Complementar n. 107/2001 que a alterou, representou um avanço no que tange ao instituto da consolidação:

No que diz respeito à consolidação propriamente dita, tenho a impressão de que, como já disse inicialmente, avançamos significativamente para permitir, a partir da Lei Complementar n. 95, e posteriormente a partir da Lei Complementar n. 107, a criação de um modelo moderno que possibilitasse tratar dos vários temas com um mínimo de vinculatividade, evitando o prosseguimento desse quadro de caos, desse quadro de multiplicação de leis de forma indevida. [...] Mais do que isso, a possibilidade de fazer a consolidação com a edição de leis que determinam revogação das leis objeto da consolidação, portanto, torna indubitável a superação de atos normativos que tinham a sua vigência disputada no âmbito judicial. Esse é um grande avanço11.

10 Artigo 14, I, Lei Complementar n. 95/1998: “O Poder Executivo ou o Poder Legislativo procederá ao

levantamento da legislação federal em vigor e formulará projeto de lei de consolidação de normas que tratem da mesma matéria ou de assuntos a ela vinculados, com a indicação precisa dos diplomas legais expressa ou implicitamente revogados”.

11 MENDES, Gilmar Ferreira. O Ordenamento Jurídico Brasileiro e o Instituto da Consolidação. In: MINAS

GERAIS – Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A consolidação das leis e o aperfeiçoamento da democracia. Belo Horizonte: ALMG, 2003, p. 57-71, p. 66.

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Resta claro, portanto, que a Codificação e a Consolidação não se confundem em seus significados, essencialmente, pelas características da inovação ou não no mundo jurídico, da sistematização harmônica e coordenada das fontes jurídicas, bem como pela ideologia. Possuem, no entanto, o ponto em comum de trazer em um corpo único as normas jurídicas de determinado ramo do Direito.

Questiona-se, então, a que se presta um corpo de normas jurídicas, codificado ou consolidado. A princípio, poderia se dizer que a importância de se trazer um corpo único aplicável a determinado ramo jurídico advém da própria estrutura do sistema de Civil Law, típico da tradição romano-germânica que influencia o Brasil, em detrimento da tradição anglo- saxônica, que em sua origem, através das decisões do Tribunal de Westminster, vinculava a toda a Inglaterra, num sistema conhecido como Commom Law.

No entanto, a codificação por si só não é o bastante para a clara distinção entre os sistemas da Commom Law e da Civil Law, conforme leciona Marinoni12:

Não se pense que o Civil Law é caracterizado pelos Códigos e pela tentativa de completude da legislação, enquanto o Common Law tem uma característica exatamente contrária. O Common Law também tem intensa produção legislativa e vários Códigos. O que realmente varia do Civil Law para o Common Law é o significado que se atribui aos Códigos e à função que o juiz exerce ao considerá-los. No Common Law, os Códigos não têm a pretensão de fechar os espaços para o juiz pensar; portanto, não se preocupam em ter todas as regras capazes de solucionar os casos conflitivos. Isto porque, no Common Law, jamais se acreditou ou se teve a necessidade de acreditar que poderia existir um Código que eliminasse a possibilidade de o juiz interpretar a lei. Nunca se pensou em negar ao juiz do Common Law o poder de interpretar a lei. De modo que, se alguma diferença há, no que diz respeito aos Códigos, entre o Civil Law e o Common Law, tal distinção está no valor ou na ideologia subjacente à ideia de Código.

Fato é que os próprios conceitos de Civil Law e Common Law têm se mesclado contemporaneamente. Aos poucos o direito brasileiro vem deixando de seguir ao extremo o sistema Civil Law, passando a ter algumas semelhanças com o sistema Commom Law. Exemplo disto está no fato de o atual Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015) ter adotado o sistema dos procedentes vinculantes, classicamente de Common Law. O sistema brasileiro, embora predominantemente embasado em Civil Law, passou a ser, de certa forma, híbrido, uma vez

12 MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de Civil Law e de Common Law e a

necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, n. 49, 2009, p. 30.

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que, assim como nos países de Commom Law, os precedentes e as súmulas vinculantes se erigem em verdadeiras fontes formais do direito. Nota-se uma tendência mundial a atribuir elevada importância à jurisprudência em países tipicamente sistematizados em Civil Law, evidenciando verdadeiro diálogo entre os sistemas, que reciprocamente influenciam-se.13

Ocorre que, independentemente do cenário apontado de hibridização do sistema brasileiro, não se vê uma completa alteração no panorama de relevância desempenhada pela legislação no Brasil, ainda se evidenciando a consolidação e a codificação como importantes instrumentos de garantia da segurança jurídica.

2 HISTÓRICO E PANORAMA ATUAL DA CONSOLIDAÇÃO E DA CODIFICAÇÃO