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O SUPERENCARCERAMENTO FEMININO E A LEI DE DROGAS: reflexões sobre o tratamento de mulheres presas à luz das regras de

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Sob esta ótica, a mulher, foi estigmatizada a um ser inferior, biologicamente e psicologicamente, frutos de um pensamento socialmente construído.

Para Almeida, à forte concepção histórica era a de que o crime estaria inserido no espaço público, enquanto a mulher é figura mais frágil, inserida nos espaços privados11.

Para Sutherland, a maior diferença entre homens criminosos e mulheres criminosas era que, enquanto as meninas seriam supervisionadas cuidadosamente desde cedo para agirem conforme as premissas impostas do comportamento anti-criminal os meninos não seriam cobrados com tanta rigidez.

E ainda, que mulheres seriam mais cumpridoras das leis do que os homens, tal informação deveria, contudo ser relativizada, conforme a classe, raça/etnia, posição social, tamanho da comunidade, etc12.

Com o advento das Guerras Mundiais, as mulheres, antes dotadas de um papel secundário, assumem os negócios da família, enquanto que os homens foram para as frentes de batalha, acontecimento que fortaleceu a conquista da mulher por um espaço no mercado de trabalho.

Assim, essa nova mulher, inserida no mundo do trabalho, participante ativa da vida social, assume papéis que até pouco tempo eram incogitáveis e exclusivamente masculinos.

A necessidade de se tornar competitiva para que fosse possível sua permanência nas relações sociais, refletiu na espera privada da mulher, alterando também seu comportamento individual dentro de uma sociedade produtiva.

Vale ressaltar, que tal inserção feminina no mercado de trabalho ocorreu dentro de um contexto social cujas relações patriarcais de poder, contribuíram para a invisibilidade e marginalização da mulher, cuja consequência acabou por facilitar a criação de um cenário que influenciaria a inserção da mulher na criminalidade13.

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11 ALMEIDA, R. de O. Mulheres que Matam. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001

12 SUTHERLAND, E. White Collor Crime. American Sociological Review, London, v. 5, n. 1, feb. 1940

13 MIYAMOTO Yumi e KROHLING Aloísio, Sistema prisional brasileiro sob a perspectiva de gênero:

invisibilidade e desigualdade social da mulher encarcerada, 2012, Disponível em <http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/9artigo40.pdf> acesso em 07 de junho de 2017

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As mulheres são minoria em relação à população carcerária mundial, apenas cerca de 2% a 9% do total. Em números, são aproximadamente 700 mil presas ao redor do mundo, dados estes do World Female Imprisonment List, relatório produzido pelo Institute for Criminal Policy Research da Birkbeck, University of London14.

O Brasil por sua vez, ocupa a 5ª colocação mundial, atrás somente dos Estados Unidos (205.400 detentas), China (103.766) Rússia (53.304) e Tailândia (44.751). São em torno 37.380 presas, cerca de 6,4% da população carcerária nacional, de 607 mil detentos. Tais números são frutos do primeiro estudo nacional a partir do recorte de gênero no Brasil, INFOPEN MULHERES15.

Segundo os dados apresentados, o número subiu de 5.601 para 37.380 presas entre 2000 e 2014, em 15 anos o crescimento foi de 567%. O aumento deve-se, sobretudo pela tipificação penal prevista na Lei de Drogas, que segundo o estudo, revelou que 68% do encarceramento feminino no Brasil dá-se em razão deste tipo de criminalidade.

Assim, Boiteux afirma:

Deve ser registrado que, embora em termos absolutos haja mais homens encarcerados por tráfico de drogas, em termos relativos, as mulheres estão super-representadas entre os condenados por este crime. A análise da questão de gênero no tráfico é um tema bastante sensível, sendo relevante destacar que o aumento feminino por crimes relacionados às drogas é observado em vários países, inclusive nos EUA, onde foram realizados estudos específicos sobre o tema16.

Embora a pouca representatividade, apenas 6,4% da população carcerária brasileira, o índice de mulheres presas teve um aumento superior a 119% se comparado aos homens.

O Brasil, em sintonia com o modelo internacional de guerra às drogas, liderado pelos Estados Unidos, deu início a proibição e repressão ao tráfico. Tal inclinação ao modelo estadunidense é reproduzido desde os tempos de colônia.

14 Global Statistics of female prisioners published, Birckbeck university of London 2015. Disponível em

<http://www.bbk.ac.uk/news/global-statistics-of-female-prisonerspublished> acesso em 07 de junho de 2017

15 Levantamento Nacional de Informações Penitenciaria, Ministério da Justiça, 2014. Disponível em

<http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-femininano-brasil/relatorio- infopen-mulheres.pdf> acesso em 7 de junho de 2017

16BOITEUX Luciana A Nova Lei de drogas e o aumento da pena do delito de tráfico de drogas de entorpecentes,

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As Ordenações Filipinas, de 1603, já faziam a previsão de confisco de bens e degredo para a África para os que postassem, usassem ou vendessem tais substâncias tóxicas17. Ainda, em 1912 o Brasil aderiu à Conferência Internacional do Ópio18.

Pautados no argumento de que as drogas seriam um problema de saúde e segurança pública, os tratados internacionais foram desenvolvidos na primeira metade do século passado, e aos poucos introduzidos na legislação nacional. Na década de 1940, o Código Penal nacional optou então pela não criminalização do consumo.

Para Filho, tal diploma legal “fixou as normas gerais para cultivo de plantas entorpecentes e para extração, transformação e purificação de seus princípios ativos terapêuticos”19.

A primeira Lei a tratar sobre o tema Drogas no Brasil foi a Lei 6.368/76, após isso, foi revogada pela Lei 6.368/02, e que mais recentemente, suprimida pela Lei 11.343/06.

De acordo com as lições de Silva, usuário ou experimentador é todo aquele que usa droga sem obsessão. O dependente é o indivíduo que depara estar destituído de vontade própria e de forças capazes de iniciarem, por si só, a ação, está conectado a uma necessidade orgânica, e em sua maioria, não compreendem o ato ilícito praticado. O usuário por sua própria vontade, sem qualquer necessidade psíquica ou física, faz o uso da droga, embora compreenda a prática de um ato ilícito. O traficante, por sua vez, pode ser um ser dependente, ou não, pode ocorrer inclusive de nunca ter usado quaisquer substâncias, ou ao contrário, prática o tráfico justamente para sustentar o vício20.

Os caminhos percorridos pelos projetos de leis de drogas foram extensos, começando pela Lei nº 10.409/02, cuja grande parte de seus artigos foram vetados pelo Presidente da República. Em sequência, o poder executivo encaminhou ao Congresso um novo projeto de Lei nº 6.108/02, que tramitou por dois anos na Câmara dos Deputados, sendo anexado ao projeto de Lei nº 7.134/02, o qual era de origem do Senado Federal (PLS nº 115/02).

17DARLAN Silva. A prisão como instrumento social de exclusão dos pobres, Terra, 2016. Disponível em

<http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2016/01/13/a-prisao-como-instrumento-deexclusao-social-dos- pobres/> acesso em 07 de junho de 2017

18 História do combate às drogas no Brasil. Senado. Disponível em

<https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/dependencia-quimica/iniciativas-dogoverno-no- combate-as-drogas/historia-do-combate-as-drogas-no-brasil.aspx > acesso em junho 2017

19 GRECO FILHO, Vicente. Tôxicos. Prevenção e repressão. Comentários à Lei 11.343/06 – Lei de Drogas. 14ª

ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 60.

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Ao recebê-los a Câmara analisou a ambos, e aprovou-os no Plenário, em 2004, o Substitutivo da Câmara dos Deputados (PLS nº 7.134-B). Após as adequadas alterações, o projeto de lei retornou ao senado, onde tramitou o SCD n. 115/02, dando origem à nova Lei de drogas nº 11.343/06.

Para Luciana Boiuteax, diante de uma análise comparativa, entre o projeto que restou aprovado pelo Congresso e o proposto pelo Executivo, percebe-se que ambos restaram semelhantes com relação à posse de drogas ilícitas, de modo que os dois seguiram a linha da despenalização do uso. Ocorre que, tais medidas já estavam previstas no inovador PLC n. 3.901/93, cuja elaboração pelo CONFEN, sob direção de Ester Kosovski, no ano de 1992, arquivado, à época. A autora ainda destaca, que na prática, a posse de drogas pra uso próprio já havia sido despenalizada com a Lei 6.416/77, quando esta ampliou o sursis, e mediante a Lei 9.099/95, que possibilitou a suspensão condicional do processo, e que recentemente, pela Lei nº 10.259/01 ampliou o alcance da transação penal21.

Desta forma, conclui que, quanto a questão do uso, na prática, já existia a impossibilidade de o usuário ser preso. Sendo assim, a lei de drogas foi apenas um símbolo, por deixar, pela primeira vez de prever a pena de prisão para tal delito, nada alterando na esfera social.

Enquanto que na lei anterior, a pena mínima base para o crime de tráfico de drogas era de três anos, a nova lei de drogas, por sua vez, prevê pena mínima base de cinco anos, e a máxima quinze anos, incentivando o estigma e preconceito que reforçam os conceitos de usuário e traficante, sendo esses últimos, os menores traficantes selecionados pelo sistema penal a cumprirem pena.

Sendo assim, inevitavelmente criamos um problema ao passo que nossa legislação penal não diferencia o pequeno, médio e grande traficante, e sob a ótica do recorte de gênero, essas disparidades tem feito com que o encarceramento feminino aumente exponencialmente, em nome desta guerra as drogas, reflexo de uma irracionalidade normativa, em que para casos específicos, acabam todos recebendo o mesmo tratamento rigoroso.

21BOIUTEAX Luciana A Nova Lei de drogas e o aumento da pena do delito de tráfico de drogas de entorpecentes,

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A situação foi agravada ainda mais com o endurecimento das leis penais, que com o advento da lei nº 11.464/2007, enrijeceu a nova sistemática para os autores de crimes hediondos ou equiparados (tráfico de drogas, tortura ou terrorismo), tendo, portanto, um tratamento mais rigoroso, haja vista serem esses delitos considerados pela Constituição Federal (art. 5º XLIII) como de especial gravidade.

A previsão no atual diploma legal para que a mulher encarcerada progrida o regime é o cumprimento de 2/5 da pena em regime fechado, caso seja reincidente, será necessário que cumpra 3/5 da pena. Desta forma, naturalmente hoje, as penitenciarias brasileiras, sobretudo as femininas, começam a se ver abarrotadas de mulheres que são reincidentes nesse tipo de prática delitiva, e não eventualmente, devido a pequenas quantidades de drogas.