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3 RECODIFICAÇÃO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO VS RECONSOLIDAÇÃO DAS LEIS PENAIS

APONTAMENTOS SOBRE OS MOVIMENTOS DE RECODIFICAÇÃO E DE CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

3 RECODIFICAÇÃO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO VS RECONSOLIDAÇÃO DAS LEIS PENAIS

A legislação penal brasileira ao longo das últimas décadas passou por inúmeras modificações, as quais variam desde reformas substanciais, como foi o caso da Reforma de 1984 que alterou toda a parte geral do Código Penal, até a elaboração de microssistemas de

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proteção de bens jurídicos penais selecionados, os quais se proliferam em incontáveis legislações especiais.

A proliferação de legislações extravagantes é justificativa suficiente para a consolidação das leis penais. Afinal, quando se multiplicam as disciplinas específicas torna-se cada vez mais difícil efetuar a distinção imposta pelo princípio da especialidade, apenas se aplicando a norma especial quando a norma específica não abordar a questão. Sem prejuízo, com frequência surgem dúvidas acerca da conciliação entre os princípios da especialidade e da anterioridade, ambos critérios de solução de conflitos das leis penais. Neste sentido, vale lembrar, nos dizeres de Oliveira Netto25, que:

[...] a possibilidade de existência de leis antinômicas (contraditórias entre si), é consectário da própria dinamicidade do Direito. Que é um sistema aberto, sempre sujeito a novas regulamentações para acompanhar as mudanças verificadas na sociedade. Estas contradições que, inevitavelmente, com maior ou menor frequência, são encontradas no ordenamento jurídico, são denominadas de antinomias. […] Estar-se-á diante de uma antinomia aparente se os mecanismos para eliminá-la forem encontrados nas próprias normas componentes do ordenamento jurídico. Mediante a utilização das diretrizes de superação destas antinomias, baseada nos critérios hierárquico, cronológico e de especialidade. […] Pelo critério cronológico (lex posterior derrogat legi priori), leva-se em consideração o momento em que as normas envolvidas iniciaram a ter vigência. […] Pelo critério da especialidade (lex specialis derrogat legi generali), leva-se em consideração a matéria versada nas normas em conflito. Noutros dizeres, atenta-se para a circunstância de ter a norma pretendido regular determinado setor de relações de maneira genérica (alinhavando preceitos de aplicação geral e irrestrita a várias situações que guardem certo traço de semelhança) ou específica (delineando regras detalhadas e específicas para disciplinar determinado tema de maneira específica e seleta).

É bem verdade que em tempos contemporâneos, em que a sociedade é determinada por intenso e facilitado acesso aos fluxos de informações, um dos problemas que justificava a consolidação das leis deixa de existir, qual seja, o de impossibilidade de conhecimento pela sociedade acerca das normas que regem determinada situação concreta. De fato, não existe uma dificuldade em acessar as inúmeras legislações específicas que regem o Direito pátrio. Contudo, a dificuldade de interpretação subsiste, em especial quando se torna complexa e confusa a aplicação dos critérios solucionadores de antinomias, e não se pode negar que a consolidação das leis desempenha papel adequado em eliminar controvérsias desta natureza.

25 OLIVEIRA NETTO, Sérgio de. Critérios solucionadores do conflito das leis que se sucedem no tempo.

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O Direito Penal brasileiro está imerso num processo de intensa especialização, fazendo emergir inúmeros microssistemas penais. A hipertrofia legislativa irracional de forma descodificada é um paradigma do Direito Penal brasileiro no cenário atual. Já existe mais de uma centena de leis penais especiais que trazem tipos incriminadores no sistema penal pátrio.

O Direito Penal contemporâneo tem sido marcado por uma inegável tendência de expansão, com a introdução de novos tipos penais, previstos em legislações extracódigo, e, particularmente, pela tutela penal de bens emergentes, criados e diferenciados nos microssistemas jurídicos. Não se pode negar que, ano após ano, a opção político-criminal tem sido pela tipificação de novas condutas, e pelo aumento do número de normas penais incriminadoras. Há um incontestável fenômeno de pulverização do Direito Penal em um sem-número de diplomas legais distintos, num movimento que pode ser visto como uma descodificação do Direito Penal. Não resta dúvida que o Direito Penal Brasileiro ainda segue um modelo que parte da codificação. Há um Código Penal, e, por conseguinte, um Direito Penal codificado. No entanto, diante dos novos valores e bens que vão surgindo com a complexização das relações sociais, são criados novos crimes amiúde previstos em leis fora do Código. Estas leis especiais criam novas figuras incriminadoras, redimensionando ou tutelando situações até então não previstos na parte especial do Código Penal. [...] Os novos crimes, previstos em leis extravagantes e, sobretudo, em microssistemas jurídicos, costumam, no processo hermenêutico, distanciar-se dos princípios penais contidos no Código Penal, como se o fato de constar num diploma excepcional e, muitas vezes, interdisciplinar, legitimasse uma interpretação alheia daquilo que está previsto na parte especial do Código Penal26.

Com efeito, a simples multiplicação de microssistemas que é perceptível no cenário jurídico brasileiro justifica, no mínimo, a busca pela consolidação das leis penais. Por outro lado, há que se ressaltar que, conforme as características do processo de consolidação, este apenas é adequado num cenário em que o único problema verificado é o de dispersão das leis, não se evidenciando outras problemáticas consistentes em falta de proporcionalidade ou compatibilidade entre os microssistemas. Afinal, o papel da consolidação não é o de propiciar a alteração nos paradigmas legislativos, mas unicamente uniformizá-los num único e íntegro diploma, que guarde completa coesão interna.

Nessa linha de raciocínio, na consolidação de leis não se está legislando, não se está inovando o Direito, mas apenas colhendo e unindo normas jurídico- normativas preexistentes, com o fito de obter a redução do número das normas

26 MELLO, Sebastian Borges de Albuquerque. A defesa da codificação do Direito Penal e a crítica ao big bang

legislativo. IV Encontro Internacional do CONPEDI/ONÃTI. GT Crime, Sociedade e Direitos Humanos. Florianópolis: CONPEDI, 2016, p. 196-197.

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vigentes, a identificação das áreas de revogação tácita e expressa e a unicidade de referência temática. [...] Temos completa convicção de que o texto consolidado não inova a ordem jurídica. Trata-se, apenas, de uma compilação, de um ajuntamento, de uma reunião sistemática e metódica de normas jurídicas preexistentes, constituindo-se em medida eminentemente administrativa, executiva, de aplicação de lei, não de formulação de lei. Aprovada pelo Poder Legislativo, converter-se-á em coletânea sistêmica de referência normativa, cujo uso tende a dominar a cena jurídico-legislativa em substituição às leis isolada e individualmente consideradas27.

Se estes microssistemas guardassem proporcionalidade e compatibilidade entre si, poderia se dizer que a consolidação das leis penais seria suficiente, pois geraria a clareza sistêmica esperada, eliminando interpretações controvérsias. Entretanto, não é esse o cenário que se desponta. O movimento de surgimento dos microssistemas especializados do Direito Penal brasileiro tem sido guardado por intrínsecas desproporcionalidades, que geralmente são fruto da seletividade penal do próprio processo legislativo.

Neste sentido, os dizeres de Moraes28: “a falta de legislação codificada e, em especial,

a revisão periódica dos códigos, permite tipos penais com penas absurdamente desproporcionais frente a outros bens jurídicos mais relevantes”. O autor prossegue criticando os excessos nos usos do Direito Penal simbólico, tipificando incontáveis condutas com penas insignificantes. Aponta desproporcionalidades específicas, como no caso da aplicação de menor pena ao curador de idoso que se aproprie de seus bens do que no caso de outra pessoa que o faça, diante da incompatibilidade entre Estatuto do Idoso e Código Penal; ou ainda no caso de leis especiais que fixam penas rigorosas a crimes que ofendem bens jurídicos de pouca relevância, como a pena de 2 a 5 anos por pesca de cetáceos (Lei n. 7.643/1987) e de 6 meses a 2 anos por produção e comércio clandestino de açúcar (Decreto-Lei n. 16/66), ambas maiores do que penas aplicáveis a crimes que ofendem bens jurídicos relevantes, como integridade física ou psíquica, previstos no Código Penal, como ameaça ou lesão corporal29.

Não obstante, os legisladores brasileiros tipicamente legislam menos por necessidade e mais por clamor social. Busca-se satisfazer anseios momentâneos da sociedade, muitas vezes motivados por eventos de repercussão, para criar-se a norma penal incriminadora. Isso acaba por acarretar nas próprias desproporcionalidades intrínsecas aos microssistemas penais que

27 DEZEN JÚNIOR, Op. Cit., p. 49-53.

28 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. O princípio da codificação e a adequada proteção dos bens jurídicos.

Momentum – UNIFAAT, v. 1, n. 1, p. 25-36, 2013.

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foram mencionadas. “A tentativa de responder a demandas sociais ampliadas, mediante leis, é um fenômeno quase mundial. Temos uma proliferação legislativa como dado geral, que leva a um quadro de grande insegurança jurídica”30.

Assim, multiplicam-se os delitos na busca de fornecer uma rápida resposta social, enquanto pouco se investe numa efetiva mudança na abordagem de segurança pública que seja compatível com os parâmetros basilares do Direito Penal. Neste cenário, deturpa-se a finalidade da pena, criando uma incompatibilidade entre a resposta social momentaneamente esperada e a busca de um sistema penal justo e equânime.

Neste sentido, dentre os vários fundamentos da existência da pena estabelecida pela sentença penal condenatória, cabe destacar no presente estudo os aspectos da dissuasão, desaconselhando as pessoas, de um modo geral, e particularmente o próprio criminoso à prática delitiva; e da denúncia, fazendo com que a sociedade desaprove a prática do crime. Estes fundamentos justificam seu caráter preventivo geral positivo e negativo, onde o primeiro reafirma à sociedade, com a imposição da pena, a existência e força do direito penal, e o segundo fortalece o poder intimidativo estatal com a pena concretizada, representando um alerta a toda sociedade, destinatária da norma penal31.

De forma mais específica, considera-se que o papel do Direito Penal é o de “[...] auxiliar no processo de transformação social, desde que irmanado a algumas políticas públicas e comprometido com a construção de política criminal de Estado”32. É, no mínimo, questionável,

se o Direito Penal brasileiro tem cumprido este objetivo de estruturação de um sistema de justiça, ainda mais quando se observa uma legislação penal antiga no que tange às normas incriminadoras gerais, datada de mais de 80 anos, aliada à multiplicação de subsistemas jurídicos penais, uns extremamente rigorosos, chegando ao ponto de intensificar a punição dos delitos de perigo abstrato, outros extremamente brandos.

A discussão não se refere aqui, de forma específica, a defender um ou outro sistema de justiça penal, se mais garantista ou mais punitivista, mas sim de compreender que para o Direito Penal oferecer a resposta que dele se espera devem ser eliminadas as suas inatas desproporcionalidades. Tamanho o cenário de volume e dispersão legislativa no país, faz

30 MENDES, Op. Cit., p. 57.

31 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 6. ed. São Paulo: Forense, 2014, p. 56-57.

32 PONTE, Antônio Carlos da. Infrações Penais Previstas na Lei de Incorporações Imobiliárias. Revista Opinião

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parecer que a recodificação é um caminho não apenas necessário, como irreversível, embora não se esteja diante de um cenário totalmente benéfico ao fazê-la.

A respeito, sobre os malefícios e benefícios trazidos pela codificação, Ponte33 aduz:

Afigura-se como imperioso, nesse desiderato, a acolhida do princípio da codificação, remetendo ao corpo do Código Penal a proteção de bens jurídicos relevantes, que não encontrem em outros ramos do Direito salvaguarda. Existem fatores positivos e negativos, tanto na codificação quanto na não codificação.

A codificação permite o desenvolvimento de um projeto político-criminal homogêneo, que deve obedecer a uma sistematização e estar em consonância com os princípios gerais atinentes ao Direito Penal. A harmonia propiciada pela codificação é evidente, na medida em que os microssistemas e subsistemas são regidos pela parte geral do Código Penal, não permitindo dispersão e, tampouco, o próprio desconhecimento da lei.

A não-codificação, por seu turno, está compromissada com constantes estados de emergência, permitindo que a cada situação ou fenômeno novo, o legislador penal atue imediatamente, não ficando à mercê de novas formas de criminalidade que não se adaptam ao Código Penal e ficam à espera de regulamentação. Ademais, a legislação extravagante, dadas suas particularidades e especificidades, permite um enfrentamento mais técnico da matéria, além de sua melhor compreensão.

É evidente que a não-codificação atende melhor aos interesses dos governantes que, por intermédio de medidas paliativas, sem maior relevo e desprovidas de qualquer compromisso com a efetiva solução do problema, procedem a constantes modificações na lei penal, fornecendo a falsa imagem de que a legislação penal acompanha em tempo real as constantes modificações do mundo globalizado. Infelizmente, há muito o princípio da codificação foi abandonado pelo Direito Penal brasileiro, o que justifica o estado de incerteza vivenciado pelos profissionais que atuam na área.

Desta forma, para que a existência e força do Direito Penal sejam reafirmadas perante a sociedade, com a segurança jurídica sobre o que é permitido e o que é proibido, a possibilidade de melhor formulação da acusação, permitindo que o contraditório seja realizado com maior eficácia, bem como a devida intimidação dos destinatários da norma penal, é necessário que a lei penal não apenas seja conhecida e de fácil acesso, como também seja clara e coesa, o que não é perceptível no contexto atual.

É evidente que é preciso revisar, de forma sistemática, as penas de toda a legislação penal, valorando-se adequadamente os bens jurídicos. [...] Somente com a recodificação de toda a legislação penal, será possível a adequada ponderação dos bens jurídicos, a descriminalização de inúmeros tipos penais meramente simbólicos e a verdadeira legitimação social. Isso porque a codificação serve para expor as incongruências à falta de sistematização, permite a seleção dos bens jurídicos constitucionalmente relevantes, afastando

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o modelo de Direito Penal simbólico que contamina todo o sistema. Além disso, a adequada ponderação de bens jurídicos, permite a delimitação das diferentes (e inevitáveis) velocidades do Direito Penal, adotando-se políticas criminais claramente diversas para crimes graves, de médio e pequeno potenciais ofensivos. [...] Poder-se-ia começar pela discussão de um novo Código, estabelecendo a periodicidade para sua revisão, sem juízos apriorísticos sobre o verdadeiro interesse da sociedade – destinatária da lei34.

Nesta visão, a recodificação parece ser inevitável e isso já foi percebido pelo Poder Legislativo, que intensificou seus trabalhos na análise do Projeto de Lei do Senado n. 236/2012, conhecido como Projeto do Novo Código Penal, o qual unifica diversas iniciativas de reforma do Código Penal num projeto com propósito unificador e uniformizador. No Relatório Final emitido pela Comissão de Juristas como parecer em relação ao projeto, atenção especial é conferida à questão da recodificação.

O Relatório destaca o projeto ambicioso de trazer no novo Código Penal toda a legislação extravagante acumulada ao longo de 70 anos de vigência do Código Penal atual, que de tão esparsas muitas vezes se mostravam como pequenas partes gerais, a exemplo da Lei n. 9.605/1993 – Lei dos Crimes Ambientais, e que sem sombra de dúvidas causam mais prejuízos do que vantagens, os quais se refletem notadamente em desproporcionalidades intrínsecas entre as leis. Debateu-se sobre a caracterização dos “microssistemas” e se seria o caso de transformá- los em títulos ou capítulos dentro do Código Penal. Neste ponto, ganha destaque a iniciativa de exclusão da Lei de Contravenções Penais do sistema brasileiro, havendo transformação das contravenções mais graves em crimes e exclusão de todas as demais, reforçando o caráter subsidiário do Direito Penal35.

Importante sublinhar que se fez levantamento de toda a legislação penal extravagante em vigor. Toda lei com alguma implicação de direito penal material foi analisada pela Comissão, com o fim de propor as revogações necessárias. Foram usados os critérios constantes do Plano de Trabalho da Comissão, aprovado no dia 18 de outubro de 2011, para a análise da legislação extravagante: a) da necessidade de adequação às normas da Constituição de 1988 e aos tratados e convenções internacionais; b) da intervenção penal adequada e conforme entre a conduta e a resposta de natureza penal por parte do Estado; c) da seleção dos bens jurídicos imprescindíveis à paz social, em harmonia com a Constituição; d) da criminalização de fatos concretamente ofensivos aos bens jurídicos tutelados; e) da criminalização da conduta apenas quando os outros ramos do direito não puderem fornecer resposta suficiente;

34 MORAES, Op. Cit., p. 33-35.

35 BRASIL. Senado Federal. Relatório Final da Comissão de Juristas para a Elaboração do Anteprojeto de

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f) da relevância social dos tipos penais; g) da necessidade e da proporcionalidade da pena. Tais critérios formam um conjunto que concebe um direito penal mais voltado para a sua funcionalidade social, em sentido forte, conjuntamente com o respeito à dignidade da pessoa humana – ou seja, um sistema em perfeita sintonia com a Constituição de 1988, e que traduz uma leitura rigorosa do constitucionalismo penal36.

Para além da unificação da legislação extravagante, o novo Código tem a pretensão de trazer maior clareza aos tipos do próprio Código atual:

Cada crime previsto na parte especial do Código Penal atual ou na legislação extravagante foi submetido, portanto, a um triplo escrutínio: I) se permanece necessário e atual; II) se há figuras assemelhadas previstas noutra sede normativa; III) se as penas indicadas são adequadas à gravidade relativa do delito. Esta tarefa resultou em forte descriminalização de condutas, em regra por serem consideradas desnecessárias para a sociedade brasileira atual, insuscetíveis de tratamento penal ou incompatíveis com a Constituição Brasileira de 1988. As penas foram redesenhadas para coibir excessos ou insuficiências37.

Com efeito, o projeto de novo Código Penal ainda tramita e não sem controvérsias. Por isso, ainda não há expectativas acerca de sua efetiva aprovação por parte do Congresso Nacional ou sobre quando isso deve ocorrer. Simplificar e organizar um novo corpo legislativo é verdadeira decisão política e, como tal, encontra com as barreiras típicas que a atividade política impõe. Entretanto, é preciso se atentar que esta codificação não deveria ser vista como um simples movimento político, mas sim como uma verdadeira questão técnico-legislativa, que afeta diretamente a segurança jurídica e a credibilidade sistêmica do Direito Penal pátrio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se observa a história do Direito Penal brasileiro, é possível notar a emergência de inúmeros processos de uniformização legislativa de tempos em tempos. Por vezes, quando o maior problema era o de acesso às normas dispersas permitindo maior coerência na interpretação destas, utilizava-se da consolidação. Noutras vezes, quando o problema excedia o campo interpretativo devido à dispersão legislativa e esbarrava em problemas mais complexos de desatualização ou de desproporcionalidade da lei penal, era necessária uma solução mais radical, a codificação.

36 Ibid. 37 Ibid.

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Tais movimentos sistêmicos são naturais e necessários periodicamente e, hoje em dia, quando se depara com uma codificação penal vigente há quase oitenta anos e totalmente imersa numa vastidão legislativa extravagante, é inevitável voltar a esta discussão. Assim, a controvérsia que fica é se o sistema jurídico-penal brasileiro está apenas disperso, caso em que bastaria a consolidação das leis penais, ou se efetivamente está inadequado às atuais necessidades da sociedade ou se adquiriu desproporcionalidades inatas que apenas podem ser corrigidas com verdadeira inovação legislativa.

Desta forma, o presente estudo já permite detectar o tom uníssono dos juristas brasileiros em afirmar não apenas o problema do excesso legislativo, mas o das injustiças inerentes ao sistema construído.

O sistema jurídico-penal brasileiro não se adequa à realidade social e ao posicionamento contemporâneo acerca do caráter mitigatório do Direito Penal, proliferando-se incontáveis tipos penais com penas insignificantes e que dificilmente serão aplicadas; nem consegue esconder as