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5.O TRATAMENTO DE MULHERES ENCARCERADAS À LUZ DAS REGRAS DE BANGKOK

O SUPERENCARCERAMENTO FEMININO E A LEI DE DROGAS: reflexões sobre o tratamento de mulheres presas à luz das regras de

5.O TRATAMENTO DE MULHERES ENCARCERADAS À LUZ DAS REGRAS DE BANGKOK

O sistema penitenciário foi estruturado sob a ótica masculina, e esse modelo tem sido regra para o contexto prisional, assim como as políticas penais, que são dirigidas aos homens. As mulheres presas possuem demandas muito especificas e são dotadas de peculiaridades, como a maternidade e a gestação.

As diferenças entre homens e mulheres devem ser analisadas, principalmente pelos vínculos e relações familiares estabelecidas, sobretudo pelas razões que levaram a mulher a se envolver no crime. Muitas enfrentaram antes de serem presas situação de violência doméstica, a maternidade, são estrangeiras e não falam a língua portuguesa, e a maioria são hipossuficientes.

O marco internacional normativo que tratou sobre tais dificuldades para as mulheres presas são as chamadas Regras de Bangkok26. Estas são regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres encarceradas visando priorizar medidas não privativas de liberdade. Tais regras sugerem um tratamento diferenciado tendo em vista as peculiaridades de gênero no encarceramento feminino. Esse olhar diferenciado reflete ainda no campo da execução da pena, e também na priorização de medidas não privativas de liberdade.

As Regras de Bangkok orientam que ao invés do aprisionamento, devem ser priorizadas alternativas penais, sobretudo àquelas decisões onde não haja trânsito em julgado.

O Conselho Nacional de Justiça vem promovendo periodicamente o “Encontro Nacional de Encarceramento Feminino”27, um evento coordenado pelo Departamento de Monitoramento

e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ).

26 Regras de Bangkok, Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas

de liberdade para mulheres infratoras, Conselho Nacional de Justiça 2016. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/a858777191da58180724ad5caafa6086. pdf> acesso em 07 de junho de 2017

27 Encontro Nacional de Encarceramento Feminino, Conselho Nacional de Justiça,2016. Disponível em junho de

2017 < http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucaopenal/cursos-e-eventos/encontro-nacional-do- encarceramento-feminino> acesso em 07 de junho de 2017

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Durante os eventos já realizados, foram debatidas questões sobre o tráfico de entorpecentes, o tratamento de mulheres grávidas, prisão domiciliar, revista intima, mulheres em manicômios judiciários, entre outros. Os encontros, direcionados aos operadores do direito, como os juízes, defensores públicos, promotores e os gestores executivos das questões do sistema carcerário para debater o universo de situações que envolvem as problemáticas do sistema prisional feminino.

O resultado dos debates, foi o documento denominado “Carta de Brasília”28, cujo

conteúdo pede revisão, na esfera legislativa, acerca da previsão da Lei de Execução Penal (Lei 7.210-84), tendo como objetivo ampliar a visão e fazer conhecido às questões e problemáticas que envolvem mulheres privadas de liberdade.

A denominada “Carta de Brasília” demonstra e exige da União e dos Estados brasileiros, bem como do Judiciário, a efetivação das Regras de Bangkok.

O item 6 da “Carta de Brasília” traz considerações relevantes sobre o aumento de mulheres encarceradas no país. Inicialmente aponta que em sua maioria, as mulheres presas não representam um risco para a segurança pública, sendo assim, a inserção dessas mulheres em um regime fechado apenas tornaria mais difícil sua futura reinserção social.

Desta forma, por meio do documento proposto ao Congresso Nacional, sugere-se a criação, de recursos necessários para uma melhor classificação de periculosidade dessas presas, possibilitando medidas alternativas ao cárcere, sobretudo nos casos de mulheres grávidas à época da prática do crime, ou as que possuam filhos.

Nota-se, de maneira positiva e surpreendente, que atualmente é possível perceber decisões nesse mesmo sentido, ou seja, decisões que dependendo da análise do caso concreto, possibilitam às mulheres grávidas ou com filhos menores, a chance de um cumprimento de pena diverso da prisão, impedindo o rompimento de maneira violenta do laço materno. Exemplo disso foi a permissão na Execução Provisória 0004825-14.2015.8.26.0502, que uma detenta, condenada a 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, por tentar levar drogas ao marido preso em um presídio de São Paulo, recebeu em dezembro de 2014, de cumprir o resto da pena em regime aberto e prestando serviços à comunidade.

28 Carta de Brasília, Conselho Nacional de Justiça, 2011. Disponível em

<http://www.cnj.jus.br/images/eventos/encarceramentofeminino/carta_%20de_brasilia.pdf> acesso em 07 de junho de 2017

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O juiz responsável pela decisão, seguiu as recomendações da Carta de Brasília ao transformar a pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos. Ao julgar o caso, o magistrado levou em conta o fato de a réu ter filhos para cuidar e um deles sofrer de câncer.

Entretanto, a decisão acima citada ainda é uma exceção no sistema carcerário. Sendo necessário que haja cada vez mais cobrança por parte do sistema de justiça criminal e da sociedade civil para a real efetivação dos direitos dessas mulheres.

Vale ressaltar que a decisão ora exposta não reflete de forma de majorada o posicionamento dos tribunais, sobretudo por tratar-se de assunto complexo, que necessita de uma análise minuciosa do caso concreto. Para o Ministro Ricardo Lewandowsk embora o governo Brasileiro tenha participado ativamente das negociações para a criação das Regras de Bangkok, obtendo aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas, o Brasil ainda não conseguiu efetivar as regras de maneira eficaz, e que o não cumprimento destas regras, apenas demonstram a necessidade de implementação no Brasil de normas de direitos humanos e conclui que cumprir a Regra de Bangkok é um compromisso que o Brasil assumiu internacionalmente29.

Enfatiza que ao sentenciar ou aplicar medidas cautelares a uma mulher gestante ou a pessoa que seja fonte principal ou única de cuidado de uma criança, medidas não privativas de liberdade devem ser preferidas sempre que possível e apropriado, e que se considere impor penas privativas de liberdade apenas a casos de crimes graves ou violentos.

6.CONCLUSÃO

No tocante ao artigo em tela, restou demonstrado a necessidade de criação e efetivação de medidas públicas capazes de diminuir os problemas do cárcere feminino, que aumentou com a tipificação penal prevista na Lei 11.343/2006, principal responsável pelo superencarceramento feminino no Brasil.

29 Regras de Bangkok, Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas

de liberdade para mulheres infratoras, Conselho Nacional de Justiça 2016. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/a858777191da58180724ad5caafa6086. pdf> acesso em 07 de junho de 2017

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O presente artigo analisa inicialmente a maneira como essas mulheres chegaram à prisão, demonstrada historicamente a mudança do perfil feminino para uma mulher mais competitiva e independente frente as relações sociais.

Seguidamente, aborda o superencarceramento feminino, como um reflexo da Lei 11.343/06, demonstrando que com o passar do tempo, a lei de drogas fez crescer cada vez mais o abismo existente entre o traficante e o usuário, sendo o primeiro, o traficante pequeno e selecionado pelo sistema penal ao cárcere.

Sendo assim, devido à alta vulnerabilidade a qual estas mulheres estão inseridas, recorrem a este tipo de criminalidade, e ao serem presas, por se tratar de crime hediondo, já entram condenadas no processo, já que não há diferença entre as posições ocupadas dentro desta esfera criminosa, sendo todas processadas com incurso nas penas destinadas ao tráfico de entorpecentes. Acerca do papel peculiar que a mulher ocupa no seio do lar, temos que não apenas tais mulheres são punidas, mas sobretudo, seus filhos.

Posteriormente, trata sobre os reflexos do cárcere para a mulher presa inserida em um sistema prisional pensado sob a ótica masculina, não tendo os direitos mais básicos respeitados, sobretudo a maternidade e a gestação.

Demonstrando que, tais mulheres são naturais de camadas menos favorecidas economicamente, em sua maioria exerciam trabalhos informais antes de serem presas, e em razão da alta vulnerabilidade, muitas são capturadas para este tipo de criminalidade pelos mais diversos motivos.

Por fim, a pesquisa demonstrou que a Carta de Brasília, tem sido de aplicada, mesmo de que forma tímida em determinados casos concretos, onde há a permissão para que a mulher cumpra penas alternativas diversas a prisão.

Sendo assim, a pesquisa demonstrou medidas públicas adotadas para reverter à situação da mulher no cárcere, como a Carta de Brasília, documento que exige da União e dos Estados brasileiros, bem como do judiciário a efetivação das Regras de Bangkok para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade, aprovadas em 2010 pela Assembleia Geral da ONU.

7.REFERÊNCIAS

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: erro do profissional da