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EFICÁCIA HORIZONTAL DO DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PESSOAL

PÚBLICA: UM SISTEMA DE INFORMAÇÃO INOVADOR PARA O AVANÇO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

4. EFICÁCIA HORIZONTAL DO DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PESSOAL

O debate em torno da vinculação dos particulares a direitos fundamentais – também chamado eficácia horizontal dos direitos fundamentais – é relativamente novo na dogmática constitucional brasileira. Como explica Silva (2005), embora muito debatido na Alemanha após a promulgação da Constituição de 1949, o tema não foi objeto de muita atenção entre nós até 2004, quando duas obras pioneiras, oriundas das teses de doutorado de Wilson Steinmetz e Daniel Sarmento, de notável qualidade acadêmica, tornaram-se o divisor de águas. O autor destaca que o ponto essencial no enfrentamento da questão consiste em como se conciliar a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares com a autonomia privada que é o cerne dessas relações, e explica que, quanto a isso, Sarmento e Steinmetz apresentam propostas diferentes. Enquanto Sarmento atribui um peso determinante à assimetria entre os particulares envolvidos, Steinmetz, sem desconsiderar esse aspecto, preconiza a aplicação do princípio da proporcionalidade (SARMENTO, 2004, p. 175).

Temos que para os fins desse artigo, a perquirição da eficácia do direito à segurança pessoal entre particulares, a obra de Wilson Steinmetz é mais apropriada, especialmente pela análise que faz acerca da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais como direitos à proteção, como se verá adiante.

Steinmetz (2004) expõe que existem quatro teorias acerca da vinculação dos particulares a direitos fundamentais, a saber: teoria da eficácia mediata, teoria da eficácia imediata, teorias de imputação ao Estado e teoria integradora. Expõe que a teoria da eficácia mediata ou eficácia indireta teve como precursor Günther Dürig e se consolidou ao ser aplicada pelo Tribunal

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Constitucional alemão no célebre Caso Lüth, em 1958. Suas características principais são assim apresentadas:

(i) as normas de direitos fundamentais produzem efeitos (eficácia nas relações entre particulares por meio das normas e dos parâmetros dogmáticos, interpretativos e aplicativos, próprios do direito privado (direito civil, direito do trabalho, direito comercial), isto é, no caso concreto, a interpretação-aplicação de normas de direitos fundamentais não se processa ex constitutione, mas é operada e modulada mediatamente pelas (através de) normas e pelos parâmetros dogmáticos hermenêutico-aplicativos do direito privado; (ii) a eficácia de direitos fundamentais nas relações entre particulares está condicionada à mediação concretizadora do legislador de direito privado, em primeiro plano, e do juiz e dos tribunais, em segundo plano; (iii) ao legislador cabe o desenvolvimento “concretizante” dos direitos fundamentais por meio da criação de regulações normativas específicas que delimitem o conteúdo, as condições de exercício e o alcance desses direitos nas relações entre particulares; (iv) ao juiz e aos tribunais, ante o caso concreto e na ausência de desenvolvimento legislativo específico, compete dar eficácia às normas de direitos fundamentais por meio da interpretação e aplicação dos textos de normas imperativas de direito privado (interpretação conforme aos direitos fundamentais), sobretudo daqueles textos que contêm cláusulas gerais (e.g. ordem pública, bons costumes, boa-fé, moral, abuso de direito, finalidade social do direito), isto é, devem fazer uso das cláusulas gerais, interpretando-as e aplicando-as em conformidade (“preenchidas”, “informadas”, “influídas”) com os valores objetivos da comunidade que servem de fundamento às normas de direitos fundamentais ou com os valores que defluem dessas normas. As cláusulas gerais – por terem a função de oportunizar a introdução judicial de juízos valorativos, jurídicos (intra-sistêmicos) e metajurídicos (metasistêmicos), limitativos do princípio da autonomia privada e do exercício de direitos ou interesses subjetivos legais – serviriam como cláusulas de abertura para a “influência” ou “irradiação” dos direitos fundamentais no direito privado (STEINMETZ, 2004, p. 137/138).

Ao abordar as premissas básicas da teoria da eficácia mediata, Steinmetz (2004) assevera que ela se mantém fiel à noção de que os direitos fundamentais são direitos subjetivos de defesa ante o Estado, titularizados pelo indivíduo e com o Estado apenas na condição de destinatário. Nessa moldura, os direitos fundamentais não vinculam diretamente os particulares porque num conflito entre estes, todos os envolvidos deles são beneficiários. A teoria preconiza que em caso de vinculação direta, ter-se-ia a indesejável consequência de cerceamento das escolhas individuais, fulminando a autonomia privada e eliminando a liberdade cuja proteção é uma das finalidades dos direitos fundamentais.

Relativamente à teoria da eficácia imediata, Steinmetz (2004) assevera que sua formulação é atribuída a Hans Carl Nipperdey e Walter Leisner e, conquanto não exerça forte influência na Alemanha, tem sido prestigiada em

89 países como Itália, Portugal e Espanha. Para essa teoria, a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é direta, independe de qualquer medição legislativa ou judicial, de modo que “direitos e obrigações [...] podem e devem ser deduzidos diretamente das normas constitucionais de direitos fundamentais.” (p. 168). A proteção jurídica outorgada pelos direitos fundamentais pode ser oposta não só ao Estado, mas a outros particulares, numa extensão que deve ser definida em cada caso concreto, mediante ponderação dos direitos, interesses ou bens em jogo.

Ao dissertar sobre a teoria da imputação ao Estado, Steinmetz (2004) preleciona que há duas principais elaborações. A primeira é a denominada “Teoria de Schwabe”, que entende que toda violação a direito fundamental é de responsabilidade do Estado, já que não atuou de forma a impedi-la por meios dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Já a teoria “State action doctrine”,

desenvolvida nos Estados Unidos da América, tem estrita relação com o teor ideológico liberal da constituição americana, que busca limitar a intervenção estatal e não confere ao cidadão direitos perante outros particulares. Somente a lei outorgaria direitos individuais oponíveis em relações entre particulares. Entretanto, o âmbito de proteção dos direitos fundamentais é expandido pela via interpretativa, ao se reconhecer hipóteses em que o lesante exerce atividade típica de Estado ou em que haja “contatos ou cumplicidades suficientemente significativas para implicar o Estado na conduta de um ator privado” (p. 179).

Por fim, a “teoria integradora” idealizada por Robert Alexy unifica propostas das teorias da eficácia mediata e imediata e da imputação ao Estado de

Schwabe. Alexy (2012, p. 532) observa que nenhuma das três teorias propõe

simplesmente substituir o Estado por um particular na relação de direitos fundamentais e que todas têm pontos em comum, como admitir que na relação cidadão/cidadão ambas as partes são titulares de direitos fundamentais e aceitar uma “modulação na força de seus efeitos”, a ser feita mediante sopesamento. Segundo tal construção, é falsa a hipótese de que uma das teorias tenha que ser perfeita para solucionar todos os casos. As três teorias contêm premissas corretas e por isso devem ser aproveitadas num “modelo de três níveis”: (i) deveres do Estado, ao qual se relaciona a teoria da eficácia mediata, que obriga o Estado a tomar em conta os direitos fundamentais na legislação e na jurisdição; (ii) direitos ante o Estado, ao qual se aplica a teoria de Schwabe, no prisma de que num conflito com outro particular, o cidadão tem um direito fundamental contra a jurisdição no sentido de que esta assegure os princípios jusfundamentais que respaldam sua pretensão, sob pena de lesar seu direito fundamental no aspecto de direito de defesa; (iii) relações jurídicas entre particulares, no que incidiria a teoria da eficácia imediata, já que “por razões jusfundamentais, na relação cidadão/cidadão existem determinados direitos e não-direitos, liberdade e não- liberdades, competências e não-competências que, sem essas razões, não existiriam” (2004, p. 182). Alexy faz uma importante observação, qual seja, que os efeitos de um direito fundamental de um cidadão perante outro não geram o

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mesmo direito que teria perante o Estado, já que seria impossível, não só por definição conceitual, mas também porque não há como se conceber que um particular possa exigir de outro algo como criar ou deixar de criar determinadas leis (2012, p. 538).

Ao final da percuciente abordagem dogmática das teorias ilustradas, Steinmetz (2004) conclui que a ordem constitucional brasileira encampou a teoria da eficácia direta ou imediata, não de forma absoluta, mas sim “matizada” ou “modulada”. Explica que, seja no âmbito das relações contratuais ou extracontratuais, e quer se trate de colisão entre direitos fundamentais em sentido estrito (direito fundamental x direito fundamental), ou em sentido amplo (direito fundamental x bem constitucionalmente protegido), o Poder Judiciário deve interpretar e aplicar os preceitos fundamentais diretamente, o que não o afasta do dever de respeitar e dar prioridade à eventual disposição legislativa de hierarquia inferior, caso seja específica, necessária, suficiente e conforme à Constituição. Dada a imposição da separação dos poderes, somente poderá recusar a aplicação da regulação legislativa caso cumpra adequadamente um “sério ônus de argumentação constitucional”, isto é, apresente “razões jurídico- constitucionais de peso” (2004, p. 274). No entretanto, se não houver a previsão legislativa, o Poder Judiciário deverá solucionar a colisão de direitos fundamentais entre particulares mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade. Justifica que essa metodologia resguarda o princípio democrático, a separação dos poderes e a autonomia privada, além de ser comprometida com a lógica da Constituição como estrutura normativa básica do Estado e da sociedade e ensejar a máxima efetividade dos direitos fundamentais, garantindo-lhes posição preferencial na ordem constitucional.

Steinmetz não se furta a debater, outrossim, a complexa problemática da vinculação dos particulares a direitos fundamentais de proteção. No ponto, sua primeira observação é de que o tema aparenta ser um non sense jurídico, dada a definição conceitual dos direitos à proteção como direitos perante o Estado, conforme, aliás, já analisamos acima. Mas habilmente desconstrói essa ideia ao exemplificar com o crime de omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal, que constitui um claro reconhecimento do legislador de que não só o Estado tem um dever de proteção, mas também o particular, ao menos em relação a determinados direitos fundamentais de maior envergadura. Argumenta que tal proceder é amparado constitucionalmente, o que induz ao raciocínio de que o legislador, com fundamento nos deveres de proteção, está autorizado a impor ao particular um dever de proteção de direitos fundamentais de outros particulares, ressalvando, porém, que “em princípio, isso vale somente para o direito fundamental à vida e à liberdade, em situações de extrema gravidade” (STEINMETZ, 2004, p. 289).

Alusivamente ao direito fundamental à segurança pessoal – que gera, como tentamos demonstrar, um dever estatal de proteção consistente em prestar

91 segurança pública – é imprescindível recordar que o artigo 144 da Constituição Federal dispôs que a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. Nos parece clara a opção constituinte de vincular o cidadão, senão a assegurar o direito fundamental dos demais, ao menos a contribuir em larga extensão a que se concretize o dever estatal.

Ante essa percepção e sob a orientação formulada na obra de Steinmetz, se nos afigura perfeitamente viável que o legislador possa, sem incorrer em qualquer violação à autonomia privada - estabelecer a particulares deveres relacionados à segurança pública e à segurança pessoal dos demais cidadãos, dentre os quais podemos cogitar: dever de isolar estabelecimentos prediais que possam ser utilizados como acesso para outros imóveis; dever de coibir o uso abusivo de instrumentos sonoros ou a emissão de ruídos por terceiros em ambientes particulares, que possam gerar perturbação da tranquilidade alheia; dever do empreendedor de realizar busca pessoal nos ingressantes em eventos em que haja aglomeração de pessoas, para impedir o acesso de armas; impedimento da venda e fornecimento de combustíveis e substâncias altamente inflamáveis em vasilhames portáteis; proibição da venda de bebidas em continentes de vidro em eventos culturais e esportivos.

Destaca-se, por fim, que as intervenções legislativas de tal ordem estarão sempre sujeitas ao crivo do Poder Judiciário, a quem incumbirá examinar se são conformes aos valores albergados na ordem constitucional e definir a prevalência cabível em cada caso concreto, no caso de colisão, mediante a regra da proporcionalidade.

5. CONCLUSÃO

Pode-se concluir que o emprego tecnicamente mais adequado para a locução “direitos fundamentais” é a definição de direitos assegurados no ordenamento jurídico de determinado Estado, de forma a conferir-lhe uma demarcação temporal e espacial, isto é, direitos garantidos num determinado território em dada época, por meio de positivação constitucional. Importante assinalar, outrossim, que tal categoria não se limita aos direitos formalmente normatizados na constituição, pois abrange também os denominados “direitos materialmente fundamentais”, que são aqueles cuja fundamentalidade decorre do conteúdo axiológico que representam. Segundo a teoria do Professor Vieira de Andrade, o elemento identificador desses direitos materialmente fundamentais é a dignidade humana. Tem-se então que a fundamentalidade dos direitos ocorre nos aspectos formal e material, este a partir da vinculação com o princípio da dignidade humana.

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Nessa ordem de ideias, existe na ordem constitucional brasileira um direito fundamental à segurança pessoal, não somente por estar enunciado normativamente no artigo 5.º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, mas por força de sua vinculação axiológica com a dignidade humana, que o erige a tal hierarquia por estar intimamente entreçalada com a proteção da incolumidade pessoal do indivíduo.

Em razão do status positivo do direito à segurança pessoal, aliado à concepção de que gera “direitos à proteção” – coexiste um dever estatal de prestar a segurança pública, por intermédio da estruturação de órgãos voltados à proteção daquele direito e apuração de lesões contra ele perpetradas por atos de terceiros.

Paralelamente a essa eficácia vertical do direito à segurança pessoal, coexiste uma eficácia horizontal, que vincula os particulares em determinada medida a deveres de ação e abstenção para preservar tal direito de outras pessoas. Essa modulação, no caso de direitos à proteção, deve ser feita pelo Poder Legislativo, a quem incumbe sopesar eventuais conflitos entre direitos fundamentais ou entre direitos de tal categoria e outros bens constitucionalmente protegidos, como a autonomia privada, a fim de estabelecer deveres de proteção relacionados à segurança pessoal dos particulares. Ao Poder Judiciário cumpre, tão-somente, avaliar a constitucionalmente de regras dessa índole, mas não estabelecer diretamente deveres de proteção por meio de sopesamento entre direitos fundamentais.

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TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 14 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2016.

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VIVER SEM VIOLÊNCIA: DISCURSOS E PERCURSOS EM

QUESTÕES DE GÊNERO NO RIO GRANDE DO SUL

Thaís Janaina Wenczenocicz

RESUMO: É notável o aumento de ações de violência contra as mulheres no

Brasil. Em sua maioria estas ações vêm impulsionadas pela discriminação e imposições feitas à mulher por milhares de anos por meio da natureza sócio- históricos, com destaque ao patriarcalismo. Tais atos estendem seus efeitos até os dias de hoje, sendo as ações afirmativas e políticas públicas e privadas meios eficazes e céleres para modificar relações de poder, buscando-se, assim, a efetivação das garantias constitucionais de igualdade e dignidade. O presente trabalho trata de antecedentes históricos que contribuíram para efetivação de ações afirmativas e políticas públicas dirigidas à proteção da mulher, acrescido de apresentação de dados e estatísticas de violência contra mulher no Estado do Rio Grande do Sul (2012-2018). Utiliza-se enquanto procedimento metodológico o bibliográfico-investigativo.

Palavras-chave: Gênero. Mulher. Violência.

1. INTRODUÇÃO

Durante muitos séculos a mulher foi deixada a sombra da História e por consequência de sua efetiva participação enquanto cidadã. O movimento de mulheres que, incansavelmente, vinham lutando para conquistar respeito e espaço na sociedade, enfrentando a discriminação - que remonta aos primórdios das civilizações - já bem cientes da existência da violência de gênero e da violência doméstica, com dimensões de uma epidemia social não denunciada foi efetivando seus direitos por conta da inclusão no mercado de trabalho e amparo legal.

A discriminação e a violência contra a mulher estiveram ocultas durante séculos, e refletem a desigualdade histórica nas relações de poder entre homens e mulheres. Eles sempre tiveram seu espaço e valor reconhecidos na sociedade, ao passo que elas tiveram que lutar e até pagar com a vida pelo direito de estudar, trabalhar e votar pelo direito à igualdade. Sabe-se que essa dinâmica posta está diretamente relacionada com o moderno conceito de “violência de gênero”, que leva em conta não as diferenças biológicas, mas sim, as diferenças na dimensão social, que implicam nas desigualdades sociais, econômicas e no exercício do

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poder entre homens e mulheres. A violência contra a mulher não pode ser vista de forma isolada do contexto socio-histórico da cultura da violência.

Com o advento dos Direitos Humanos e as legislações correlatas foi possível aprofundar o debate e buscar melhorias substanciais. Embora a Constituição Federal, no artigo 5º, I, tenha reconhecido a igualdade formal entre os gêneros masculino e feminino, quando diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações...”, isto não bastou para promover a igualdade material ou real, que decorre da mudança de valores, de cultura e de mentalidade. Daí, na busca da igualdade material entre homens e mulheres, surge a necessidade da discriminação positiva, consistente em medidas especiais, capazes de assegurar o progresso de grupos ou segmentos sociais, acelerando o processo de busca pela igualdade (também chamadas de ações afirmativas). Entretanto, urgem do mesmo modo políticas públicas voltadas à prevenção e à erradicação da violência de gênero, como por exemplo, no debate enquanto eficácia dos Direitos Humanos.

O devido artigo divide-se em três partes. A primeira parte intitula-se Mulher e trajetória histórica e apresenta elementos constituintes da formação sociocultural da figura feminina no decorrer da temporalidade histórica. A segunda parte analisa a mulher no contexto constitucional e algumas conquistas jurídicas. A terceira parte traz elementos e ações afirmativas frente ao combate à violência contra a mulher no Estado do Rio Grande do Sul, associada a apresentação de índices de violência registradas contra as mulheres. Importante salientar que os dados presentes neste estudo representam um recorte temporal, retratando os fatos registrados na data da extração da base de dados, por vezes sujeito a alterações provenientes da revisão de ocorrências duplicadas, apuração de informações oriundas de investigações, diligências, perícias, correção do fato no final da investigação policial, segundo informa o setor responsável da Polícia Civil do Rio Grande do Sul.

O procedimento metodológico aqui utilizado é o analítico-interpretativo de investigação bibliográfica (Constituições e Legislação acerca das questões de Gênero) e secundária (diversos autores) escritos no decorrer da primeira década do século XXI relativo à historicidade da trajetória da mulher e as políticas públicas que cercam a temática. Enquanto metodologia de campo foi realizada pesquisa nos arquivos da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente nos arquivos e bases estatísticas da Polícia