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4 EMMA BOVARY – UMA ALMA ATORMENTADA EM BUSCA DE AMOR

No documento SUMÁRIO ISBN 978-65-5608-074-1 (páginas 109-118)

Andreza Furtado de Sousa

4 EMMA BOVARY – UMA ALMA ATORMENTADA EM BUSCA DE AMOR

A obra Madame Bovary foi publicada em 1856. Considerada uma obra precursora do Realismo no mundo, trata-se de um romance que tem como base a temática do adultério e o tratamento realista e psicológico profundo das fraquezas humanas.

Madame Bovary evoca em seu título Emma Bovary, uma jovem moça criada no campo que almeja ter uma vida de acordo com os costumes burgueses. Suas maiores paixões são inspiradas nos livros românticos que ela lê fervorosamente. Ela deseja que sua vida seja igual aos amores intensos e aventuras vividas pelas moças desses romances.

Em busca de possuir uma vida melhor, ela se casa com o médico de província Charles Bovary. A partir desse momento, toda sua vida irá se resumir a momentos deprimentes e tediosos que contrariam toda expectativa criada por ela. Frustrada por viver uma vida tão medíocre e monótona, Emma começa a se envolver em novas aventuras. Com isso, ela acaba por viver duas relações extraconjugais e, no decorrer dessas relações, ela percebe que a realidade da vida é bem diferente da realidade presente nos livros.

Emma possui no nome, se pensamos a construção do verbo no “passé simple”

(passado simples) do idioma francês, a sonoridade que indica a ideia de alguém que amou (Elle aima = Ela amou). Seu nome está vinculado, portanto, à ideia de uma pessoa que viveu um amor que pode ter ficado no passado, mas que, apesar disso, foi vivido.

Emma, aquela que amou, foi educada em colégio de freiras, em meados do século XIX. Um governo autoritário e uma burguesia anticlerical, no entanto, estão em pauta no contexto histórico em que ela está inserida. A ironia se encontra presente na construção dessa personagem quando o narrador relata que a educação que ela recebe não possui vestígios de religiosidade. Toda a educação da personagem se constrói na literatura. Ela passa a ler romances e, a partir deles, espera encontrar na vida uma espécie de salvador que a tornará feliz, como propõe Maria Rita Kehl (2008, p. 107):

Emma faz parte das primeiras gerações de jovens educadas, isto é, cultivadas: que frequentou um seminário de freiras, não para se tornar religiosa, mas para educar-se. Desde menina, Emma lê os romances que vão formando o painel fantasioso de suas expectativas sobre o futuro que, como todo futuro de mulher de sua época, só poderia realizar-se no amor.

Emma se prepara para vivenciar o amor de uma forma diferente. Com o casamento com Charles Bovary, porém, ela se depara com um homem que a ama, mas que se mostra incapaz de entender a infelicidade dela. Estando ao lado desse homem, ela se frustra – o que a impulsiona a produzir fantasias que a conduzem à ruína existencial, já que elas não se concretizam. O ideal romântico de amor, que ela colhe nos livros que lê, torna sua existência infeliz e irrealizada.

Segundo Kehl (2008, p. 108): “A solução de fugir da vida de casada pelas mãos de um amante não teria mudado sua vida, nem a de outras mulheres oitocentistas”.

Mesmo Emma possuindo amantes, nenhum deles é capaz de levar essa aventura erótica para um status de “grande amor”, o qual ela idealiza ser a salvação de sua vida medíocre.

Ao casar com Charles, Emma imagina que aqueles dias seriam os mais belos de sua existência, mas ela é tomada, logo na sequência, por um sentimento de mal-estar intenso que a atordoa, como é perceptível no trecho:

O seu pensamento, primeiro sem ponto fixo, vagabundeava ao acaso, como a sua galgazinha, que dava corridas pelo campo, ladrava para as borboletas amarelas, caçava as aranhas ou mordias as papoulas à beira dos montes de trigo. Depois suas ideias se fixavam, pouco a pouco, e, sentada na grama, castigava-a com a ponteira da sombrinha, repetindo para consigo: – Mas, meu Deus! para que me casei? – E perguntava a si mesma se não haveria um meio, por quaisquer combinações do acaso, de encontrar outro homem; e diligenciava em imaginar quais teriam sido os que ela não conhecia. Com efeito, nem todos se assemelhavam àquele.

Teria podido ser belo, inteligente, distinto, atraente, tal como eram, sem dúvidas, os que se tinham casado com suas companheiras de convento (FLAUBERT, 2003, p. 55-56).

Mesmo com pensamentos que contrariam a lógica social em que vive, ela busca manter, inicialmente, certo controle. Procura ter a postura típica de uma mulher casada, do século XIX, dedicada ao marido, disposta a afastar de si as fantasias que costuma criar. A ascensão social que ela procura no casamento mostra-se, em pouco tempo de vida conjugal, ser uma ilusão. Seu casamento monótono e equivocado a impede de sentir-se plena – ela supõe ter feito a escolha errada em relação ao homem com quem ela deveria permanecer durante toda a vida.

Ao ser convidada para o baile no Castelo de Vaubysseard, Emma vive intensamente a alegria que o baile poderia lhe proporcionar. Ter que retornar para casa, após o baile, faz com que ela sinta ainda mais vergonha da vida medíocre que leva ao lado do marido. Daí em diante, ela começa a almejar uma existência de aventuras e encantos – que ela só poderia viver se tivesse conquistado um homem que a levasse ao mundo idealizado por ela. Nesse sentido, vejamos como o narrador menciona uma das cenas do baile:

Um dos valsistas, a quem chamavam familiarmente de visconde, e cujo colete muito aberto parecia ter sido moldado no seu próprio peito, foi pela segunda vez convidar a sra. Bovary, afirmando-lhe que a guiaria e que ela havia de sair-se bem. Começaram lentamente, e depois mais rápido.

Giravam; tudo girava em torno deles: os candeeiros, os móveis, as paredes e o sobrado, como um disco sobre um eixo. Junto das portas, o vestido de Emma colocava-se pela orla à calça do par; as pernas de ambos

cruzavam-se reciprocamente; ele baixava o olhar para ela, ela erguia o olhar para ele;

cheia de languidez, parou (FLAUBERT, 2003, p. 63).

Após esse baile, nada volta ao normal para Emma. Toda mediocridade da vida doméstica vivenciada com Charles a irrita e desperta nela fantasias, luxúria e, consequentemente, o desejo de entregar-se a casos extraconjugais. Ao retornar para o tedioso lar, tendo que conviver com os costumes da vida provinciana, ela acaba desenvolvendo uma doença nervosa, como apreendemos do trecho:

Custava muito a Charles sair de Tostes depois de quatro anos de residência, e justamente quando começava a tomar pé. Mas assim faria, se fosse necessário! Contudo, levou-a a Rouen para consultar seu antigo mestre. Era uma doença nervosa, convinha-lhe mudar de ar (FLAUBERT, 2003, p. 77).

Para Charles, a mudança deveria fazer bem a sua amada, pois os novos ares a ajudariam a curar sua melancolia. Na mesma noite em que chega a Yonville, Emma é apresentada ao jovem Léon, um escrivão, que logo chama sua atenção por possuir uma paixão pela literatura e por temas poéticos. O narrador descreve a cena do primeiro diálogo entre Emma e Léon da seguinte forma:

– Como eu tive a honra de explicar ao senhor seu esposo – disse o farmacêutico – a respeito daquele pobre Yanoda que fugiu, o caso é que os senhores, graças às loucuras que ele fez, vão gozar de uma das casas mais confortáveis de Yonville. O que ela tem principalmente de cômodo para um médico é uma porta que dá para a avenida e que permite entrar e sair sem ser visto. Além disso, tem tudo quanto possa ser agradável a um casal:

tanque para lavar roupa, cozinha com despensa, sala de trabalho, copa etc.

Ele era um folgazão que não olhava despesas! Na extremidade do jardim mandou construir, à beira do lago, uma espécie de pavilhão, expressamente destinado a se tomar cerveja no verão, e se a senhora gostar de jardinagem, poderá...

– Minha mulher não dá importância a isso – disse Charles. – Apesar de lhe recomendarem exercícios, prefere permanecer sempre no quarto, lendo.

– É como eu – declarou Léon. – De fato, não há melhor coisa do que passar a noite ao pé da lareira, com um livro, enquanto o vento bate nas vidraças e a luz vai iluminando.

– Tenho razão, não é mesmo? – disse ela, fitando-o com os grandes olhos negros e abertos.

– É que não se pensa em nada – continuou ele –, e as horas passam. Sem se sair do lugar, passeia-se por países imaginários, e o pensamento, enlaçando-se com a ficção, demora-se em pormenores, segue o contorno das aventuras. A gente roça pelas personagens e até parece que se palpita sob seus trajes.

– É verdade! É verdade! – disse ela (FLAUBERT, 2003, p. 91).

Diante disso, o narrador nos apresenta o que seria o primeiro sinal de que Emma estaria disposta à vivência de relações extraconjugais, como afirma Carpeaux (2004, p. 38):

Emma ouviu com surpresa a conversa subversiva do farmacêutico, mas o que a atraiu foram as boas maneiras e admiração indisfarçada do jovem Léon Dupuis, empregado no escritório do tabelião. É um romântico,

poderia ser o camarada dos sonhos de Emma, mas não mais que isso: ela mal percebeu seu amor tímido – é o primeiro amor do rapaz, que a considera inacessível e desesperado, foge para Paris onde continuará os estudos de Direito. Deixa Emma sozinha e, mais uma vez, desconsolada.

Outro aspecto a ser considerado nesse texto é como as personagens masculinas que giram em torno dela se constroem. Quando Charles Bovary é apresentado na obra, não ocorre inicialmente uma descrição de sua personalidade, mas sim do objeto que ele carrega: o “chapéu”. Esse objeto é descrito minuciosamente, como vemos a seguir:

O boné era uma dessas coisas complicadas, que reúnem elementos do chapéu de feltro, chapéu redondo, gorro de peles, barrete de algodão, enfim, um desses pobres objetos cuja muda fealdade possui a mesma profundeza de expressão que um rosto de um idiota (FLAUBERT, 2003, p.

16).

A descrição do chapéu de Charles já nos aponta para seu perfil psicológico:

ele é um homem medíocre, idiota e nada promissor. Depois do casamento, nós começamos a ver, pelos olhos de Emma, o quanto ele lhe parece patético. Eles não possuem muitos diálogos, de modo que o marido não se dá conta das insatisfações reais da esposa. No século XIX, a existência da esposa está totalmente atrelada à do marido, como afirma Wall (2011 p. 48):

Também é notável, em retrospecto, o fato de a história de Emma começar com essas cenas da infância de Charles; da mesma forma notável é que o livro termine com o prolongado e inglório relato de seu miserável declínio após a morte dela. A história do marido emoldura a da mulher.

No contexto histórico em que Emma vive, as mulheres eram uma espécie de reflexo de seus maridos. Elas não têm voz. Vejamos que ela só tem algum direito à voz, ao longo da narrativa, depois que se casa e recebe o sobrenome do marido.

Avessa aos valores de seu tempo, Emma tenta subverter as regras e construir sua própria história, mas não é fácil. Ela está cercada por homens que lhe impossibilitam sentir-se realizada. Sua alma traz anseios que o mundo falocêntrico em que ela vive não consegue compreender ou realizar. Assim, cabe a ela mesma a tentativa de reverter sua condição de mulher fadada à submissão de regras sociais, principalmente vinculadas ao casamento.

Somente com sua morte ela escapa, finalmente, da condição de mulher presa a esses ditames. Devemos dizer que ela, apesar de estar em contexto adverso, não aceita seu destino, tenta trapacear até mesmo quando deseja pôr fim à vida. Ela, inicialmente, tenta chantagear o marido com sua tentativa de suicídio, e vai longe demais em sua chantagem. A morte lhe parece algo inevitável, mas ela consegue estar no controle da situação.

Segundo Carpeaux (2004, p. 38): “O casamento foi o primeiro ato da tragédia de Emma Bovary; a visita no castelo, o segundo ato; o namoro com Léon, o terceiro.

Mas o quarto ato será decisivo, como sempre nas tragédias – e será cômico”.

Devemos dizer, no entanto, que em vários aspectos Emma consegue subverter essa condição de mulher secundarizada na relação que se estabelece entre

eles. Em vários momentos da narrativa, ela consegue se impor em relação ao marido, pois o caráter fraco dele a incita a realizar as mais diversas ações no sentido de sobreviver ao tédio completo de seu casamento infeliz e monótono.

Uma das ações que ela realiza, na tentativa de fugir desse marasmo, é a entrega desesperada e passional com que ela vivencia o caso amoroso com Rodolphe Boulanger, um jovem fazendeiro, rico, que, de algum modo, seria “o grande sedutor dos sonhos de Emma”. Ele, ao vê-la pela primeira vez, planeja cortejá-la para uma aventura temporária, enquanto ela o enxerga como a solução para seus males da alma e da existência. Assim o narrador apresenta a cena em que Rodolphe se refere a ela:

“É encantadora”! pensava ele. “É encantadora! Essa mulher do médico!

Belos dentes, olhos negros, pé elegante e o ar de parisiense. De onde diabos veio ela? Onde a teria encontrado aquele grosseirão?”.

Rodolphe Boulanger tinha 34 anos; era de temperamento brutal e de inteligência perspicaz, tendo, além disso, muitos conhecimentos femininos, sendo, pois, entendido no assunto. Aquela lhe parecera bonita, e ele pensava nela e no marido.

“Parece-me bem estúpido o marido. Ela está decerto cansada. Que grosseiro! Traz as unhas sujas e uma barba de três dias. Enquanto ele corre atrás dos doentes, ela fica a consertar meias. Depois vem o enfado, o desejo de residir na cidade e de dançar polcas todas as noites. Pobre moça!

Suspira pelo amor como carpa pela água sobre uma mesa de cozinha. Com três palavras de galanteio, aquilo será posse adorável, tenho certeza! Seria delicioso, encantador! Sim, mas como desembaraçar-se dela, depois?”

(FLAUBERT, 2003, p. 136-137).

Para Rodolphe, Emma é como um troféu que, de algum modo, ele precisa para fortalecer seu ego. Ao encontrar uma jovem tão bonita e atraente como ela, e casada com um médico medíocre, Rodolphe se questiona onde ele poderia ter encontrado essa jovem tão bela. Isto leva o cavalheiro ao primeiro encontro íntimo com Emma, como Carpeaux (2004, p. 38) sintetiza:

Apareceu, enfim, o grande sedutor dos sonhos de Emma: o fazendeiro Rodolphe Boulanger. Sua elegância é demonstrada pelo chapéu que usa (lembra-se do chapéu imbecil do colegial Charles Bovary?), um chapéu concedeu aos melhores criadores de gado; numa das janelas da prefeitura, Emma e Rodolphe assistem ao espetáculo, apertando-se as mãos e falando, em voz baixa, do seu amor. Os amantes trocam o primeiro beijo;

é quando juram fidelidade eterna “entre os dois”.

Ao vivenciar o primeiro encontro com Rodolphe, Emma concretiza a fantasia literária dos seus romances lidos. O narrador (FLAUBERT, 2003, p. 168) diz que ela

“lembrou-se das heroínas dos livros que havia lido e a legião lírica dessas mulheres adúlteras punha-se a cantar em sua lembrança”. No decorrer dos encontros, Rodolphe passa uma imagem não real para conseguir o que deseja. Ele monta um discurso para agradá-la e, finalmente, para conseguir realizar seus desejos eróticos.

Emma, ao se deparar com as juras de amor do amante, pensa que pode concretizar, com ele, os planos de fuga que tanto idealiza. Ela deixa-se levar pelo exagero sentimental que a caracteriza e termina por sofrer as consequências.

Nessa perspectiva, ocorre o final do caso amoroso vivido pelos dois, que se dá de forma romanesca. Quando ele escreve uma carta que menciona o suposto sacrifício que seria, para ele, ter que abandonar o amor que sentia por ela, para evitar a desgraça em sua vida, ela fica desiludida. Tudo não passa de uma grande mentira de Rodolphe para se livrar dela. O narrador nos apresenta o que seria esse sacrifício de Rodolphe no seguinte trecho:

– Vamos – disse para si mesmo –, comecemos! E escreveu:

“Coragem, Emma! Coragem! Não quero causar a desgraça da sua vida...”

– E é a verdade – refletiu. – Estou agindo no seu próprio interesse; sou honesto.

“Já analisou friamente a sua decisão? Sabe o abismo para onde estava arrastando-se, pobre anjo? Não, não é verdade? Você iria confiante e louca, acreditando na felicidade, no futuro... Ah! Desgraçados, insensatos que somos!”

Deteve-se, procurando aqui uma boa saída:

– Se lhe dissesse que perdi toda minha fortuna... Não! E, depois, isso não seria obstáculo. Daria margem a uma reconciliação, mais tarde. Vá lá a gente convencer tais mulheres!

Pensou, pensou e acrescentou:

“Eu não a esquecerei”, pode acreditar, e sempre lhe votarei uma dedicação profunda; mas, um dia, cedo ou tarde, esse ardor (é o destino das coisas humanas) diminuiria, sem dúvidas; seríamos tomados de fadiga e quem sabe, mesmo, não teria eu a dor atroz de assistir aos seus remorsos e eu próprio deles participar, pois que eu os causara. Só a ideia das suas aflições é para mim tortura. Emma! Esqueça-me! Por que havia eu de conhecê-la? Para que havia de ser tão bonita? É minha a culpa? Oh, meu Deus, não, não! Não acuse senão a fatalidade!” (FLAUBERT, 2003, p. 206).

Ao tratar sobre a passionalidade amorosa em Emma Bovary, quais são as consequências disso para ela? Em sua busca desenfreada para ser feliz, sendo infiel ao marido e correndo riscos, ela dá vazão à lógica de compra e venda típica do capitalismo que a conduz, posteriormente, para a ruína também financeira. Para viver seus amores, ela contrai dívidas. Isso a conduz ao desfecho trágico que a leva ao suicídio. As dívidas são feitas para suprir seus tédios. Aderindo à necessidade desenfreada de comprar objetos para presentear seus amantes, ela, em verdade, pretende comprar o amor.

Quando o vendedor Lheureux informa a Emma que ela possui uma dívida de oito mil francos, e que sua promissória foi passada à ordem para o Sr. Vinçart, ela tem um choque. Ela é surpreendida com a notícia após chegar de um de seus encontros com Léon, seu segundo amante. Na ocasião, sua empregada a entrega um papel branco:

Ao chegar em casa, Félicité mostrou-lhe um bilhete que se encontrava atrás do relógio. Emma pegou o papel e leu:

“Em virtude da pública-forma e na forma executória de um julgamento...”

Que julgamento? Com efeito, na véspera haviam levado outro papel de que ela não tivera conhecimento; por isso, ficou estupefata ante aquelas palavras.

“Por ordem do rei, da lei e da Justiça, a sra. Bovary...”

E, saltando algumas linhas, viu:

“Dentro de 24 horas, termo de espera”.

– O que é isso? “A pagar a soma de oito mil francos”. E, mais abaixo:

“E será a isso obrigada por todos os meios de direito e sobretudo pela penhora em todos os seus móveis e imóveis” (FLAUBERT, 2003, p. 292).

O adultério não é mais suficiente para Emma. Mesmo com a necessidade de experimentar novos amores e aventuras, ela ainda não se sente completa ou realizada no campo afetivo amoroso e, desse modo, ela busca no dinheiro a tão sonhada felicidade. De algum modo, ela mergulha-se em um mar de dívidas que a leva à ruína. Sobre a dívida que a arruína, Carpeaux (2004, p. 39) afirma:

O adultério se revela tão medíocre e enfadonho como o amor legítimo;

apenas, a necessidade permanente de mentir em casa torna a situação mais difícil, e insegura. Não é tanto para reconquistar Léon, antes é para distrair-se que Emma começa a gastar cada vez mais dinheiro, comprando vestidos e sapatos. Homais, o farmacêutico, que adivinha o desastre, não quer mais emprestar dinheiro, mas o agiota Lheureux empresta dinheiro quanto Emma necessita, só insiste nos juros e nos prazos. Ele consegue no tribunal uma ordem de 8.000 francos dentro de 24 horas, uma impossibilidade. Emma procura todos os amigos sem conseguir ajuda. Ela desesperada furta na farmácia de Homais o arsênico com que se suicida diante dos olhos do marido.

O suicídio é anunciado quando Emma entra na farmácia de Homais, às escondidas, e obriga Justin a lhe entregar as chaves para que o ato possa se consumar. O narrador descreve a cena da seguinte forma:

A chave girou na fechadura e Emma foi direto à terceira prateleira, tal a justeza com que a memória a guiava. Pegou no frasco azul, destapou-o, meteu-lhe dentro a mão, tirou um punhado de pó branco e pôs-se imediatamente a comê-lo.

– Pare! – exclamou o rapaz, lançando-se sobre ela.

– Cale-se! Pode vir alguém.

O rapaz estava desorientado, queria gritar.

– Não diga nada, que tudo recairá sobre seu patrão!

Depois, voltou-se, subitamente tranquila e quase com a serenidade de um

Depois, voltou-se, subitamente tranquila e quase com a serenidade de um

No documento SUMÁRIO ISBN 978-65-5608-074-1 (páginas 109-118)