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Preconceito linguístico e dislexia

No documento SUMÁRIO ISBN 978-65-5608-074-1 (páginas 60-65)

Francisca Angela de Araújo Silva

4 DISLEXIA: DISTÚRBIO DE APRENDIZAGEM DE LEITURA

4.2 Preconceito linguístico e dislexia

No Brasil o índice de evasão escolar ainda é alto, especialmente quando se fala em Educação Inclusiva. Os motivos dessa evasão são inúmeros: por parte dos pais que, muitas vezes, não têm recursos financeiros para manter os filhos nas escolas, ou por necessitar do auxílio deles nos trabalhos domésticos e externos, ou, ainda, por medo de deixar os filhos longe de seus cuidados pessoais; por parte dos próprios filhos, pelas dificuldades de aprendizagem ou problemas de variadas ordens (pessoais, psíquicas, financeiras etc.), e até a desmotivação por alguma outra razão que vai além da síndrome; por parte da escola e do Estado, que pouco investem na Educação Inclusiva e no tratamento de distúrbios de aprendizagem.

Talvez um dos maiores problemas para a continuidade dos estudos seja, de fato, o desconhecimento de como tratar a dislexia. O disléxico, muitas vezes, pode se sentir frustrado por esforçar-se e não ver nenhum resultado, podendo tornar-se uma pessoa agressiva, revoltada por ninguém compreendê-la. Na realidade, nem eles próprios entendem o que se passa consigo, e até mesmo chegam a acreditar que não possuem inteligência. É assim que podem se sentir depois que pessoas ignorantes, que não sabem do problema da criança, preferem julgar ao pesquisar mais sobre o assunto.

Sobre isso, Bagno (1999, p. 13) afirma:

Parece haver cada vez mais, nos dias de hoje, uma forte tendência a lutar contra as mais variadas formas de preconceito, a mostrar que eles não têm nenhum fundamento racional, nenhuma justificativa, e que são apenas o resultado da ignorância, da intolerância ou da manipulação ideológica.

Encontramos vários tipos de preconceituosos, aqueles que riem porque a criança não sabe ler, outros porque sua caligrafia não atende a um padrão, outros porque ela não saber calcular e, principalmente, por ela ter dificuldades de falar.

Uma pessoa disléxica, que tende a trocar fonemas, procura ocultar suas dificuldades para não passar vergonha em ocasiões de atividades de escrita, de leitura ou de cálculo, mas se o problema está relacionado à fala, ficará mais difícil para um disléxico interagir, pois fica vulnerável ao preconceito linguístico.

Preconceito linguístico ocorre quando uma pessoa se sente inferior por não falar igual à outra, que se julga uma pessoa que “fala certo”, tendo em vista que este

“falar certo” é o que se apoia na norma padrão da língua.

São perceptíveis as diferenças quanto à comunicação/fala da mulher, gay, homem do campo, advogados, juízes, surfistas etc. Ferdinand de Saussure

considerava essas diferenças na fala como algo que não precisava ser analisado.

Diferentemente de Saussure, que dizia que a língua é homogênea, William Labov, linguista estadunidense, afirma que a língua é heterogênea, pois, para ele, o importante é analisar as diferentes formas de língua e sem julgamentos. Neste sentido, podemos perceber que:

Saussure, que definiu a língua como um fato social, exclui dos objetivos da linguística o estudo dos elementos de ordem social e propõe a homogeneidade como um princípio básico para a descrição de uma língua.

Esse princípio foi a base do Estruturalismo e foi levado aos extremos por Chomsky na teoria gerativista (1965), que delimitou como objeto de sua teoria gerativista “a competência de um falante-ouvinte ideal, membro de uma comunidade linguística completamente homogênea e possuidor de um conhecimento excelente da língua (MONTEIRO, 2000, p. 15 apud PRETI, 2005, p. 187).

Essa foi uma das grandes contribuições de Labov, que reflete sobre sobre as diferenças linguísticas que existem no mundo, respeitando cada uma delas. A relevância de estudar o preconceito linguístico na dislexia é muito importante, para que se possa entender como se dá o processo de variação defendida por Labov e assim entender a língua como heterogênea.

É de suma magnitude que as pessoas aprendam a respeitar todo e qualquer linguajar, afinal, nunca se sabe quando a pessoa que alguém desrespeita pode tratar-se ou não de uma disléxica ou com baixo índice de escolaridade. O prestígio está na compreensão da fala e nunca na formalidade que ela apresenta.

Conforme a visão opositiva desses dois linguistas (um é defensor da língua homogênea [estruturalismo] e o outro é defensor da língua em suas múltiplas vertentes, portanto heterogênea [variacionista]), observa-se que a língua pode ser compreendida a partir da seguinte analogia: a língua é como uma roupa. Sim, porque a língua formal pode ser usada em tribunais e em ocasiões mais sérias, assim como os trajes que são utilizados nesses espaços.

No entanto, não há necessidade de usar roupas formais ao ir à praia, em casa ou ao estar entre colegas. Assim, a roupa não precisa ser formalizada entre íntimos ou no dia a dia, a menos que a pessoa queira. No caso do disléxico, que não usa a língua de acordo com a possibilidade de adequação ou não a um contexto.

Diante disso, o que se pôde verificar foi que a dislexia não limita uma criança de ter uma vida normal ou brilhante, sendo capaz de alcançar e fazer diferenças impressionantes no mundo. A criança disléxica requer compreensão, jamais pena ou descrença em sua capacidade cognitiva. Algumas pessoas com essa síndrome, geralmente, conseguem ter uma vida saudável. Há, inclusive, pessoas muitos conhecidas no meio social, político, científico e artístico, que apresentam esse quadro, é o caso de Leonardo da Vinci, Albert Einstein e Pablo Picasso. Esses verdadeiros gênios da humanidade têm em comum a dislexia, como apreendemos do trecho:

Neste capítulo volta-se o olhar para os famosos disléxicos que venceram críticas, preconceitos por terem um jeito diferente de ver e entender as coisas, mas graças a muitos deles hoje pode-se desfrutar de invenções e

descobertas que sem as quais seria muito difícil viver da maneira que vive-se. Imagine-se o que seria das pessoas sem o telefone, inventado por Alexander Graham Bell, ou sem a lâmpada criada por Thomas Edison;

pessoas possuidoras de uma inteligência incontestada, porém disléxicos.

Pode-se também citar pintores (artistas plásticos) como Vincent Van Gogh, Pablo Picasso, Leonardo Da Vinci; cientistas como Charles Darwin, Albert Einstein; atores como Tom Cruise, Robin Williams, Whoopi Goldberg, entre várias outras pessoas de grande prestígio (OLIVEIRA, 2013, p. 22).

Uma pessoa que não consegue ler bem algum texto pode ter outras habilidades, pode, inclusive, tornar-se um gênio, como Albert Einstein, que comprovou a existência de átomos; Pablo Picasso, que foi um artista plástico famoso e controverso; Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da humanidade, foi um gênio em diversas áreas, como na pintura, arquitetura, escultura, Geologia, Astronomia, Matemática, dentre outras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo propôs, fundamentalmente, uma análise do problema de aquisição da linguagem, dos problemas enfrentados por quem tem dislexia e como os professores, pais e responsáveis podem ajudar crianças disléxicas, que são pessoas com muitas habilidades. Os disléxicos são pessoas portadoras de uma síndrome que não precisam de pena. Elas precisam, sim, de atenção, respeito e assistência especializada.

Pode-se chegar, assim, a algumas conclusões: tendo Albert Einstein, Pablo Picasso, Leonardo da Vinci, e tantos outros (que tiveram apoio) como exemplo, por que duvidar da capacidade de desenvolvimento cognitivo de pessoas disléxicas?

Ressaltar que os problemas de dificuldade dos disléxicos são apenas em áreas específicas nunca é o bastante, assim como não devemos oprimir e duvidar da capacidade de quem apresenta essa condição.

Constata-se, ainda, ausência de profissionais da educação capacitados sobre tal déficit nas escolas, o que não deixa de ser uma grande preocupação, pois é na escola que a dislexia de fato aparece, a escola é local onde a maior parte das pessoas tem seu primeiro contato com a leitura e a escrita.

A escola que conhecemos, certamente, não foi feita pensando nos disléxicos.

Não por acaso muitos portadores de dislexia não sobrevivem à escola. Esse lugar que era para auxiliar a criança/adolescente acaba “congelando”, muitas vezes, o aluno, fazendo com que ele se sinta incapaz diante de tantas atividades desafiadoras. O aprendizado do aluno se dá sempre que existem pessoas capacitadas para tornar essa aprendizagem viável.

O presente estudo refletiu, também, acerca do que pode ser feito por parte dos não disléxicos, ou seja, enfatizou a necessidade de se pensar acerca do que pode ser feito para impedir que os portadores da síndrome não se transformem em pessoas frustradas ou revoltadas. As crianças e jovens com dificuldade de aprendizagem precisam de mais atenção dos adultos, pois estes desempenham papel fundamental no futuro deles.

O ideal seria conduzir os disléxicos a um desafio em nível adequado, gerando neles sentimento de capacidade e desenvolvimento. É importante que os

responsáveis sejam encorajadores e estejam sempre em contato com a vida escolar de seus filhos.

Professores, pais e responsáveis hão de entender que cada criança portadora de dislexia tem um ritmo próprio no processo de aprendizagem, sendo desnecessárias as comparações. Ao contrário, todos devem estar ao seu lado, respeitando suas necessidades e lhes encorajando para que eles tenham uma vida normal. Assim, eles poderão descobrir grandes habilidades neles, como é o caso dos grandes gênios citados.

Para finalizar, temos que pensar também acerca do respeito da língua de cada indivíduo, tendo em vista que nem sempre pessoas que não falam dentro do que é considerado padrão o faz por falta de alfabetização, pois vimos que alguns disléxicos podem apresentar problemas na fala, e o natural seria que a gente conseguisse lidar com a homogeneidade existente na vida.

REFERÊNCIAS

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http://www.dislexia.org.br/o-que-e-dislexia/. Acesso em: 25 jul. 2019.

BAGNO, Marcos. O preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.

CABRAL, Gilson Maroni. A alfabetização de crianças com patologia de dislexia e/ou tdah. Revista Eletrônica do Curso de Pedagogia das Faculdades OPET, Brasília, p. 1-12, 2013. Disponível em:

http://www.opet.com.br/faculdade/revista-pedagogia/pdf/n5/ARTIGO-GILSON.pdf. Acesso em:

20 dez. 2018.

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AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NA LÍNGUA

No documento SUMÁRIO ISBN 978-65-5608-074-1 (páginas 60-65)