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CAPÍTULO I – A REFORMA EDUCATIVA NA EDUCAÇÃO

1.6. Escola e a sua autonomia – Legislação atual

O perfil da escola atual projeta-se no sentido de responder a necessidades, aspirações e valores da sociedade do futuro, através de processos de efetiva autonomia e de flexibilidade organizativa.

O ponto de partida para a abordagem do conceito de autonomia advém do facto de a escola ser considerada uma organização com caraterísticas próprias e com capacidades estratégicas, capazes de lhe concederem poder na tomada de decisões, quer relativamente a si própria como ao seu exterior.

Sendo assim, a sua especificidade e identidade estão numa dependência situada entre as suas relações internas e as relações com o exterior, sendo simultaneamente promotora e recetora de influências e de “mensagens”, em relação ao ambiente que a rodeia e à organização escolar (Afonso, 1999).

O referido autor esclarece ainda, que o funcionamento da escola não se traduz numa resposta mecânica, automática e completamente previsível em relação aos estímulos oriundos do exterior e à consequente imprevisibilidade relativa do seu funcionamento constituindo assim, “a raiz da autonomia intrínseca da organização escolar” (1999, p. 47).

Nesta ordem de ideias e ainda na linha de pensamento do mesmo autor, a autonomia da escola é constitutiva da sua própria realidade organizacional em resultado da sua aptidão de gerir as relações com o exterior e de originar internamente sua identidade, podendo confirmar-se que todas as escolas são autónomas, variando o âmago e a extensão dessa autonomia.

Desta forma, o autor supracitado refere que o conceito de autonomia surge associado ao conceito de dependência, “ou seja, a maior ou menor autonomia é a maior ou menor capacidade para gerir as dependências” (Afonso, 1999, p. 50).

Barroso (2005) alude ideias similares ao proferir que a “autonomia é, por isso, uma maneira de gerir, orientar, as diversas dependências em que os indivíduos e os grupos se encontram no seu meio biológico ou social, de acordo com as suas próprias leis” (p. 108).

Ferreira (2012) corrobora com os autores citados ao referir que em “educação, a autonomia desenvolve-se num contexto de interdependências e de ação coletiva organizada, em que a agência humana assume um lugar central” (p. 42).

Barroso (2005) distingue “ autonomia decretada” de “ autonomia construída”, indicando, por um lado, as intenções declaradas, as ideologias e as estratégias do poder

central no sentido de uma descentralização dos sistemas educativos e, por outro lado, a natureza social, relacional e edificante operada nos contextos escolares.

Por isso, na ampliação de uma política de reforço da autonomia das escolas mais do que “regulamentar” a sua prática, devem ser criadas as condições para que ela seja “construída”, em cada escola, de acordo com as suas caraterísticas e especificidades. (Barroso, 2005).

“Não existe uma “autonomia decretada”. O que se pode decretar são as normas e regras formais que regulam a partilha de poderes e a distribuição de competências entre os diferentes níveis de administração, incluindo o estabelecimento de ensino” (Barroso, 2005, p. 112).

Outra forma de entendermos a autonomia é apresentada por Derouet (1992, citado em Ferreira, 2012, p. 42) como: “a capacidade que a escola tem de construir uma definição de bem comum local, correspondente a ideias de Democracia, de criar debate democrático, disputa democrática, conquista de direito, conquista de bem comum”.

Esta ideologia está intimamente ligada à democracia no sentido de partilha de poder pelos diferentes atores educativos e do sentido da proximidade de professores, alunos, pais e encarregados de educação (Ferreira, 2012).

Nesta ordem de ideias, poderemos considerar que a autonomia das escolas é instituída numa dinâmica localmente construída, envolvendo conquista de poder, partilha de informação e, sobretudo, consciencialização do que se pretende para a escola local, implicando mudanças num espaço social aberto e comunitariamente participado, como uma organização, capaz de traduzir-se em benefícios na aprendizagem dos alunos. Inspiradas por Barroso (2005), pretendemos salientar que o reforço da autonomia das escolas constitui uma necessidade básica para a revitalização da sua democracia interna.

Só a autonomia garante os recursos, o poder e a capacidade de decisão coletiva necessários à atividade democrática de uma organização.

Retomando as considerações efetuadas por Ferreira (2012), a escola poderá desenhar o seu espaço de forma tendencialmente mais regulatória quando, se sujeitam à aprovação da administração central ou regional, de normas ou regulamentos da escola ou se executa de forma burocrática todas as indicações provenientes da administração; ou de forma tendencialmente mais emancipatória, na medida em que apela para o exercício da autonomia, o exercício da participação e do exercício da democracia.

Sabemos que desde a década de 80 a autonomia das escolas tem vindo a ganhar força no sentido de dar resposta a uma e educação para todos, “ assistimos à progressiva desvalorização dos discursos democráticos com enfoque na construção de uma escola democrática e avançamos a par dos países mais industrializados e capitalistas com preocupações de eficácia, qualidade e modernização na educação” (Ferreira, 2012, p. 77).

Emergindo assim o conceito de autonomia como complementar à regulação burocrática do Ministério da Educação e limitada, sobretudo, às questões pedagógicas, bem como às competências para a organização da socialização na escola, para ocupação dos tempos livres e para o acompanhamento dos alunos (Barroso, 2011).

Este sentido propulsor da autonomia das escolas é certificado “formalmente no Decreto-lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro, que regulamentou o regime jurídico da autonomia dos estabelecimentos de ensino básico e secundário de uma forma diferenciada, de acordo com as especificidades e os ritmos de cada escola” (Ferreira, 2012, p. 84).

Ao longo das várias décadas até ao atual momento, foram surgindo vários decretos normativos, em que, em todos os seus preâmbulos têm apresentado, um aumento progressivo, ao nível da autonomia das nossas escolas.

Atualmente a governação das escolas deve responder a uma missão de serviço público, realizada com garantia de qualidade e equidade, eficácia e eficiência, que visa dotar todos os cidadãos das competências e conhecimentos que lhes permitam desenvolver-se plenamente e explorar todas as suas capacidades.

Neste contexto destacamos o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe é dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, que aprova normas que garantem e fomentam o reforço progressivo da autonomia e a maior flexibilização organizacional e pedagógica das escolas, condições essenciais para a melhoria do sistema público de educação.

No capítulo II, art.º 8.º, do referido decreto define-se autonomia como a capacidade reconhecida de tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, curricular, da gestão dos recursos humanos, da ação social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira aos agrupamentos de escolas ou às escolas não agrupadas.

Denota-se no Decreto citado uma maior valorização e “mais dependência entre autonomia e os procedimentos autoavaliação e avaliação externa enquanto instrumentos de prestação de contas” (Barroso, 2011, p. 38).

Para efeitos da respetiva prestação de contas, são ainda estabelecidos no mesmo Decreto-Lei, como instrumentos de autonomia dos agrupamentos de escolas e das escolas não agrupadas, o relatório anual de atividades, a conta de gerência e o relatório de autoavaliação.

Consagra ainda regras claras de responsabilização e ostenta contratos de autonomia, sendo definidos como

o acordo celebrado entre a escola, o Ministério da Educação e Ciência, a câmara municipal e, eventualmente, outros parceiros da comunidade interessados, através do qual se definem objetivos e se fixam as condições que viabilizam o desenvolvimento do projeto educativo apresentado pelos órgãos de administração e gestão de uma escola ou de um agrupamento de escolas (Barroso, 2011, p. 38).

Nesta conjuntura Silva (2010) refere que

o desenvolvimento da autonomia será sempre um processo tutelado e monitorizado, sendo prestada especial atenção ao grau de cumprimento dos objectivos contratualizados, constantes do Projecto Educativo, o que determinará a continuação ou aprofundamento do regime de autonomia ou a sua cessação (p. 84).

Este paradigma deixa-nos predizer que há diferentes graus de autonomia e que esta contém, para além da dimensão política, a dimensão pessoal, social e cultural.

Neste contexto, a autonomia das escolas, será sempre um processo em construção, dinâmico, interventivo e relacional, “para isso, é preciso que se estabeleça entre a administração e as escolas uma relação de confiança, baseada em compromissos claros e com objectivos definidos” (Barroso, 2005, p.114).

Silva (2010) apresenta-nos um aspeto crítico, centrado na perspetiva do futuro que o dirá, se este é o caminho certo para a evolução do sistema educativo português, no que concerne à direção e gestão das escolas estatais, ou se é mais uma oportunidade perdida na luta contra o centralismo centenário que asfixia a autonomia.