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Micheline Fernandes, Tânia Passos1

Fulvia de Aquino Rocha2

Introdução

A memória e a aprendizagem vivenciada pelo grupo de bolsistas responsáveis pela im- plantação do debate acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID)/Subprojeto de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal da Bahia, dão embasamento à escrita deste texto. Buscamos refletir,

1 Bolsistas PIBID – Graduandas em Pedagogia

descrever e tecer considerações acerca das experiências realizadas nas escolas Vivaldo da Costa Lima e Ruy de Lima Maltez, a partir de atividades experimentais, construídas por nós bolsistas, tendo como conteúdo principal dessas práticas o exercício do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pensadas para as classes de 1ª série do ciclo de aprendizagem I, conhecido como Ciclo de Alfabetização, contaram com a participação de crianças, na faixa etária entre 6 e 8 anos de idade, professores e supervisores.

A aproximação Escola/Universidade, possibilitada por nosso trabalho de pesquisa e intervenção, foi desenvolvida durante os anos de 2010 (a partir de abril), 2011 e 2012 (até fevereiro). As escolas citadas pertencem ao contexto da Cidade de Salvador/Bahia. São ins- tituições públicas de ensino fundamental, vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer (SECULT), e têm, como público, cidadãos das camadas populares da cidade. Assim, estão inseridas numa realidade baiana marcada por profundas desigualdades nos âmbitos social, regional, político, econômico, de gênero, raça e etnia.

A sistematização da experiência partiu da premissa de que as crianças, bem como os adultos, atribuem significados ao que está ao seu redor. Assim, como previsto na Constituição Federal Brasileira de 1988 (CFB), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são reconhecidos como sujeitos de direi- tos, com voz ativa em seus espaços, logo capazes de opinar sobre as práticas escolares. Tais concepções levaram-nos a nortear nosso trabalho de ação/investigação pelas vozes e ações dessas crianças.

Compreendemos que os textos, sob a forma de lei, são gêneros textuais construídos so- cialmente. Em uma sociedade democrática, estes servem como meio de organizar, controlar e disciplinar a sociedade, bem como de operar mudanças nas práticas sociais cotidianas, destinando-se a todos os cidadãos, que também necessitam conhecer o que dizem essas mesmas leis a que estão submetidos, para se apropriarem criticamente de seus textos e exi- girem seus direitos e qualidade de vida. A lei outorga direitos e deveres quando estes ainda não existem formalizados no cotidiano.

A partir do século XX, o trabalho constante das organizações e movimentos sociais com- prometidos com a promoção dos direitos da infância resultou em conquistas. Em 1959, temas

específicos da infância passam a figurar na Declaração Universal dos Direitos Humanos; na Assembleia Geral das Nações Unidas foi aprovada e promulgada a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente, tratado que visa à proteção de crianças e adolescente de todo o mundo.

No Brasil, foram elaboradas diversas políticas públicas para serem implementadas pelo Estado, com a participação da sociedade. Estes documentos destacam a condição particular da infância, em relação à sobrevivência, à autonomia e ao crescimento, que necessita de cuidados especiais, da prevenção contra situações de negligência, violência, pobreza e discri- minação, situações que colocam esse segmento da sociedade em estado vulnerável. Em 1980, o país vivenciou um período de redemocratização, rompendo com o regime militar, repressor e excludente. O Estado representado por diversos segmentos da sociedade civil organizada elaborou a nova carta constitucional do país. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, também conhecida como “Constituição Cidadã”, que diz no artigo 227, Emenda Constitucional nº 65, de 2010:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona- lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Baseado nos direitos assegurados pelo artigo 227 da CFB, no dia 13 de julho de 1990 foi promulgado a Lei n° 8.069/90, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), legitimando a situação específica das pessoas na faixa de 0 aos 18 anos e criando diversas políticas básicas voltadas à educação, à saúde, ao esporte, à cultura e à profissionalização.

Nessa perspectiva, o popularmente conhecido ECA passa a embasar os documentos oficiais de ensino do governo nacional. Em 25 de setembro de 2007, foi promulgada a Lei n° 11.525, que acrescentou ao §5° do Art. 32 da Lei n° 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a seguinte medida:

O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático adequado. (BRASIL, 1996)

O pedagogo e um dos redatores do ECA, Antônio Carlos Gomes da Costa, numa entrevista, pontuou a diferença fundamental entre o ECA e a LDBEN. Enquanto esta é um documento que trata da oferta, dos deveres dos estabelecimentos de ensino, o ECA trata da demanda da educação, dos direitos daqueles que a demandam, ou seja, do direito das crianças e dos adolescentes perante a escola. Dessa forma, a educação deve promover o espaço da gestão democrática, “[...] o espaço onde direitos e deveres se encontram”. (ECA NA ESCOLA..., 2006)

Nessa perspectiva, continua a ser urgente que as instituições educativas se movimentem no sentido de transformar suas práticas pedagógicas em atitudes cada vez mais democráticas. Sendo a educação um dos direitos fundamentais para o exercício da cidadania, faz-se neces- sário, portanto, propiciar, desde a infância, experiências que favoreçam o desenvolvimento de uma nova relação de convívio, onde o diálogo, o respeito e a ação cooperativa são impres- cindíveis. Como destaca Morin (2001), a educação do futuro, e o presente que vivemos já é a construção de nosso futuro, por isso, ensino necessita estar centrado na condição humana e isso só é possível a partir do entendimento de nossa própria posição nesse mundo. Contri- buir para o desenvolvimento dessa consciência é um dos compromissos de nosso trabalho. Portanto, na concepção teórica do programa PIBID – Pedagogia, o desenvolvimento de uma prática pedagógica voltada a grupos sociais inseridos em contextos singulares, não poderia propor o acesso às tecnologias de leitura e escrita de forma mecânica, descomprometida com a cidadania.

Nossa defesa é por um processo de alfabetização e letramento que se proponha ensinar a ler, a escrever, a refletir criticamente a realidade da qual se faz parte, possibilitando as construções de maneira contextualizada, situando o ato da leitura e da escrita no cotidiano das crianças e dando a possibilidade de atribuírem sentidos às suas vivências.