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Espaços religiosos e opções empíricas

No documento Download/Open (páginas 41-45)

Antes de concluir esse capítulo, gostaria de fazer uma observação quanto à minha inserção nos espaços especificamente religiosos. Com relação ao ambiente católico eu participei de várias missas e festas religiosas. Para esses espaços eu não precisava, necessariamente, estar convidado para poder participar. O que mais comumente aconteceu foi

eu demonstrar meu interesse em estar presente em tais eventos e então as pessoas me informavam datas e locais onde eles ocorreriam.

Na comunidade rural na qual realizei parte da pesquisa com os agricultores ecologistas organizados no MPA, era comum eles me convidarem para tais festas. Inclusive em uma delas fui convidado para ser “Noveneiro”. Noveneiros são os convidados dos “Festeiros” e estes são aqueles que ajudam na organização e financiamento da festa.48 Constitui um ritual sócio- religioso no qual algumas famílias ficam em evidência perante a comunidade, especialmente quando consegue agregar bastante noveneiros, sobretudo quando são “de fora”. Antigamente, a posição de festeiro era muito cobiçada, especialmente pelos políticos locais. Naquela época era comum realizarem o “leilão da festa”. Ou seja, quem desse o maior lance se consagraria como festeiro com exclusividade. Algumas pessoas comentaram comigo da existência de uma comunidade que, mesmo nos dias atuais, ainda utilizavam esse sistema de leilão. Na última festa de tal comunidade, o vencedor do leilão pagou nove mil reais para ser o festeiro. Naquela ocasião, quem disputou com ele lance a lance e fez o preço chegar àquela altura foi o seu adversário político e que o havia derrotado nas últimas eleições para prefeito do município. Portanto, como se percebe, nessas festas estão em jogo vários elementos da dinâmica social e política local. A façanha de pagar nove mil reais pela festa do ano seguinte se transformou num assunto comentado por todos.49 Na festa para a qual fui convidado50 o sistema é outro. Várias pessoas e famílias são convidadas para serem festeiros e cada um deve contribuir com algo entre 30 e 50 reais. Nos cartazes de divulgação da festa constará o nome de cada festeiro e de seus respectivos noveneiros. Pode ocorrer da quase totalidade dos participantes da missa e da festa ser composta por noveneiros e festeiros. Nessa dinâmica de exposição é importante que façam comparecer muitos noveneiros e suas famílias. É, em certa medida, o momento em que os festeiros dão publicidade ao seu capital social. Pode-se dizer que nessa comunidade a fórmula foi ampliar a base de “arrecadação” e democratizar a figura do festeiro. Inclusive porque há muitos fiéis que oferecem a seus santos a promessa de serem festeiros nessas festas da comunidade. No sistema de leilão, muitos desses fiéis eram excluídos da possibilidade de fazer ou pagar tal promessa, pois o valor poderia lhe ser proibitivo.51

Sentia que este convite para ser noveneiro expressava o desejo dos meus anfitriões em fortalecer minha inserção e visibilidade na comunidade me “destacando” para além daquela rede mais restrita, a dos agricultores ecologistas, na qual eu há alguns anos estava inserido mais diretamente. Várias famílias daquela comunidade já me conheciam ao menos de vista. Também sentia que tinha o objetivo de ser uma contribuição à minha pesquisa, uma vez que eles sabiam dos meus interesses. Era uma forma de viver na prática aquilo que em várias ocasiões eu os havia questionado. Este convite me lançou alguns questionamentos: qual a centralidade do religioso quando se é convidado para um evento religioso? Será que devido ao

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Um casal de agricultores ecologistas já havia expressado a intenção de me convidar para noveneiro, mas receavam que não pudesse comparecer à festa. O convite, nesse ocasião, havia sido feito pela filha (com 14 anos de idade) de uma casal que normalmente me acolhia quando visitava a comunidade. Ela era uma dos festeiros naquela festa.

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Mesmo ali naquela comunidade que eu freqüentava e que adotava um outro sistema na organização de suas festas, sua repercussão era notada. O que indica o grau de publicidade que tal fato ganha.

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Na qual também compareceu o atual prefeito (o mais jovem do estado, com 23 anos de idade) e fez o ritual de percorrer cada uma das mesas cumprimentando a todos e fazendo questão que chamar a cada um pelo nome. O meu anfitrião comentou que político tem que fazer aquilo se não as pessoas vão dizer que ele se tornou arrogante, “passou por mim e nem me cumprimentou!”.

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Na época dos Leilões, mesmo os alimentos consumidos eram leiloados, o que promovia a reunião entre pessoas e famílias para arrematarem um frango assado, por exemplo, e dividi-los entre todos. Mesmo a festa poderia ser arrematada por um grupo de pessoas ou por vários membros de uma mesma família. Um estudo antropológico sobre as festas realizadas nessa região foi desenvolvido por Toffoli (2000).

fato de sempre questioná-los sobre a religião eles também me consideravam religioso? Ser religioso seria um pré-requisito para ser noveneiro? Não tenho respostas conclusivas, mas me pareceu que o aspecto estritamente religioso daquele evento de fato não tinha uma significância tão relevante.

Participei também de celebrações ecumênicas ocorridas no acampamento e por ocasião de algumas manifestações do MST. Já no caso dos evangélicos eu fui várias vezes convidado a comparecer às cerimônias de suas igrejas, mas não me senti à vontade em participar. Talvez devido a uma ponta de preconceito, mas principalmente por saber que em suas celebrações é forte a expectativa da conversão e, pelo fato de todas elas serem comunidades pequenas, um visitante sempre produz mudança naquela paisagem de fiéis habituais. Nenhum disfarce me tornaria camuflável naquele espaço, em qualquer situação eu seria notado, mesmo que ficasse nos fundos das suas pequenas igrejas – como quis acreditar um senhora sobre a qual voltarei mais adiante. É constante, entre todos eles, a idéia de que sempre poderão realizar alguma oração ou ação que me fará ver que o melhor dos melhores mundos é estar entre eles. Portanto, priorizei o contato direto e individual (familiar) com seus fiéis, o que me pareceu muito mais produtivo para os meus objetivos do que arriscar me ver associado à imagem de um pesquisar interesseiro que freqüenta seus cultos de uma maneira puramente instrumental, sem se deixar conduzir pelo Espírito Santo52.

Saliento ainda, que, no geral, independente da pertença religiosa, foram raras as vezes que me questionaram a respeito de minha religião. As vezes que isso ocorreu os meus questionadores eram jovens de maior formação escolar e que compunha o grupo de liderança do Movimento. Nessas ocasiões eu dizia ser proveniente de uma família católica, mas que a religião havia deixado de ter importância para mim. Não me recordo de algum sem terra evangélico ou católico me colocar esse tipo de questão. Com relação aos católicos notava que deduziam que eu só poderia ser como eles, ou seja, católico, pois participava em seus espaços religiosos e, além do que “todo mundo é católico” já dizia uma Mãe de Santo da Bahia ao ser questionada por um pesquisador53. Provavelmente os evangélicos também deduziam que eu era católico.

No capítulo seguinte farei uma aproximação histórica e conceitual de certas categorias importantes para compreender o universo empírico com o qual trabalhei. Ainda que muito se tenha escrito sobre o MST, CPT e outros assuntos aqui abordadas, farei uma discussão suficiente para situar o leitor frente a certos elementos que estarão presentes ao longo da tese, sempre remetendo a outras bibliografias. Também problematizarei algumas categorias que auxiliarão na compreensão de algumas questões que emergiram no desenvolvimento dessa pesquisa.

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Mesmo levando em consideração suas especificidades, os argumentos apontados por Novaes (1985, p.20-21), corroboram minhas suspeitas e confirma que a opção feita é mais recomendada para esse tipo de pesquisa.

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