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Estado Democrático de Direito Penal: Problematizações sobre os Conceitos d e “Estado Penal”, “Estado Policial” e “Estado de Exceção”

2. CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E OS DESDOBRAMENTOS NAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA

2.2 Estado Democrático de Direito Penal: Problematizações sobre os Conceitos d e “Estado Penal”, “Estado Policial” e “Estado de Exceção”

O que está em jogo é a forma como a sociedade tem lidado com as populações cada vez mais expropriadas pelo capital, num movimento crescente de exploração relativa e até absoluta, com a consequente precarização das condições de vida da classe trabalhadora (compreendendo- se aqui, inclusive, as alternativas na linha de menor resistência ao capital, conforme já apontado anteriormente a partir das reflexões de Mészàros).

O Estado Democrático de Direito Penal, nesse sentido, é apresentado nesta tese como um conceito que ilumina uma característica que tem se

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“A Unidade I do Complexo Prisional Público-Privado fica em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Com esta entrega, o Governo de Minas inaugura um modelo inovador de gestão penitenciária no sistema prisional do país. (...) No modelo adotado em Minas Gerais, inspirado na experiência inglesa, o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), vencedor da licitação, é o responsável por construir e administrar o complexo, obedecendo 380 indicadores de desempenho definidos pelo governo mineiro, por meio de um contrato de concessão, com prazo de 27 anos.” Disponível em: http://www.ppp.mg.gov.br/projetos-ppp/projetos-

potencializado no Estado burguês, enquanto expressão da superestrutura (a qual é erigida a partir da estrutura do modo de produção capitalista e das relações sociais concretas), que se funda a partir da noção de direito à propriedade privada, a exploração do ser humano sobre outro, utilizando-se desde seus primórdios do expediente da acumulação primitiva/relativa, expropriação e criminalização dos expropriados. Com isso, não estamos afirmando que exista um Estado Democrático Burguês que prescinda do controle penal, ou que este controle penal só exista num modelo típico de Estado Democrático que deva ser reformado, ao contrário, queremos é por em evidência que não há como subsistir um Estado capitalista (dito Democrático) sem o fundamento do Direito Penal e que a hipertrofia do sistema criminal e penal está articulada intrinsecamente com a gestão da miséria levada a cabo pelas políticas sociais que irão responder à “questão social”.

A partir das relações sociais concretas mediadas pelas trocas mercantis, as quais se tornaram hegemônicas com o advento da Revolução Francesa e disseminação do modo de produção capitalista, constitui-se a necessidade de desenvolver-se a noção de equivalência entre as mercadorias (como elemento mediador das trocas), a qual possibilita, num plano superestrutural, a regulação jurídica das trocas entre os indivíduos, em sua acepção abstrata, como sujeitos

de direitos. Assim, somente quando a força de trabalho se transforma em

mercadoria é que as trocas desses produtos (do trabalho humano e a própria força de trabalho) se dão em um fluxo mercantil, o qual passa a envolver todo o tecido social, e a forma de regular essa relação abstrata e ideal entre sujeitos

iguais ganha legitimidade a partir do desenvolvimento do Direito em sua

expressão mais complexa, ou seja, a partir do momento em que as formas jurídicas desenvolvem-se como desdobramento da forma-mercadoria.

Pachukanis, que participou ativamente da Revolução Russa e esteve envolvido em muitas das discussões relacionadas à reestruturação da superestrutura jurídica, elabora, a partir de um retorno à obra de Marx, a análise das relações entre direito, política e capital. Para este autor:

O Estado jurídico é uma miragem que muito convém à burguesia, uma vez que substitui a ideologia religiosa em

decomposição e esconde aos olhos das massas a realidade do domínio da burguesia. A ideologia do Estado jurídico convém ainda mais do que a ideologia religiosa porque ela não reflete completamente a realidade objetiva ainda que se apoie nela. A autoridade como “vontade geral”, como “força do direito” concretiza-se na sociedade burguesa na medida em que esta representa um mercado. De acordo com este ponto de vista, os regulamentos de polícia também podem ser concebidos como a encarnação da ideia kantiana de liberdade limitada pela liberdade de outrem (PACHUKANIS, 1986, p. 100).

A expressão jurídica do Estado burguês emana da realidade concreta, dos modos de produção e reprodução da vida social e não de uma autorreprodução de uma superestrutura enquanto elemento ideal. É por isso que, mesmo que o Direito seja anterior às sociedades capitalistas, ele encontra sua expressão mais desenvolvida e, simultaneamente contraditória, no modo de produção capitalista.

Contudo, em nossa análise é fundamental desvelar as múltiplas determinações desse processo, de modo a não transpor mecanicamente a relação econômica concreta para as esferas superestruturais e estas para as relações de sociabilidade que se constroem cotidianamente e sem refletir sobre as mediações que atravessam essa realidade. Nesse sentido, Pachukanis alerta que

[...] não podemos nos contentar com a explicação segundo a qual é vantajoso para a classe dominante erigir um cenário ideológico e camuflar o seu domínio de classe por trás do para- vento do Estado. Por que, embora tal explicação seja, sem dúvida alguma, correta, ela não determina a razão para que tal ideologia possa nascer e também, por conseguinte, por que razão a classe dominante possa servir-se dela. A utilização consciente das formas ideológicas é efetivamente diversa da sua origem, a qual geralmente independe da vontade dos homens. Se quisermos esclarecer as raízes de uma determinada ideologia, devemos buscar as relações reais que ela exprime. Encontraremos então, além disso, com a diferença fundamental existente entre a interpretação teológica a interpretação jurídica do conceito de “poder de Estado”. No primeiro caso, estamos frente a um fetichismo da mais pura espécie; é por isso que nas representações e conceitos correspondentes não conseguiremos observar outra coisa senão o desdobramento ideológico da realidade, ou seja, destas mesmas relações efetivas de domínio e de submissão. A concepção jurídica é, em contrapartida, uma concepção unilateral cujas abstrações nada exprimem além de

um dos aspectos do sujeito realmente existente, ou seja, da sociedade de produção mercantil (PACHUKANIS, 1986, p. 95). É a partir desses pressupostos que buscaremos problematizar, discutindo as aproximações e contraposições relativas aos conceitos que foram forjados em outras disciplinas (sociologia, filosofia e direito penal, entre outros) para nomear as contradições postas na realidade a partir de uma ação ainda mais totalitária do controle penal na sociedade, tais como: Estado Penal,

Estado Policial e Estado de Exceção, dialogando com os autores de referência

destas leituras, Loïc Wacquant, Raul Eugenio Zaffaroni e Giorgio Agamben, respectivamente.

De acordo com Wacquant (2003, p. 20), tem-se consolidado uma “política estatal de criminalização das consequências da miséria de Estado”. É o que o autor denomina de Estado Penal. Aliado à sólida estrutura carcerária e prisional, o Estado Penal se constituiu, de forma ainda mais perniciosa, também pela gradativa retirada do Estado das políticas públicas e implementação de políticas compensatórias na gestão social. Para Wacquant (2001 e 2003), o conceito de Estado Penal, portanto, abrange tanto a questão do encarceramento e endurecimento penal, quanto a política econômica e social – trata-se de uma gestão social peculiar, pelas políticas penais e sociais, voltada às classes subalternas.

O desdobramento desta política estatal de criminalização das consequências da miséria de Estado opera segundo duas modalidades principais. A primeira e menos visível, exceto para os interessados, consiste em transformar os serviços sociais em instrumento de vigilância e de controle das novas “classes perigosas”. Prova disso é a onda de reformas votadas nestes últimos anos em vários estados [dos EUA], condicionando o acesso à assistência social à adoção de certas normas de conduta (sexual, familiar, educativa, etc.) e ao cumprimento de obrigações burocráticas onerosas ou humilhantes [...] O segundo componente da política de “contenção repressiva” dos pobres é o recurso maciço e sistemático ao encarceramento. Depois de ter diminuído em 12% durante a década de 60, a população carcerária americana explodiu, passando de menos de 200 mil detentos em 1970 a cerca de 825 mil em 1991, ou seja, um crescimento nunca antes visto em uma sociedade democrática, de 314% em vinte anos (WACQUANT, 2003, pp. 27-28).

No Estado Penal, pela concepção do autor, há complementaridade entre as políticas sociais residuais e a hipertrofia das políticas de encarceramento. Wacquant (2001 e 2003) parte da compreensão de que nos EUA há um Estado Caritativo (em contraposição a um Estado de Bem Estar Social que vicejou na Europa), no qual há residual intervenção estatal no campo social, com a consequente diminuição das condições materiais dos indivíduos e da assistência que poderia ser dada pelo Estado. Para ele “[...] o princípio que guia a ação pública americana na matéria não é a solidariedade, mas a compaixão; seu objetivo não é fortalecer os laços sociais (e ainda menos reduzir as desigualdades), mas no máximo aliviar a miséria mais gritante” (WACQUANT, 2001, p. 20).

Ao analisar a substituição do Estado Caritativo pelo Estado Penal nos EUA, o autor afirma que:

Cada um a seu modo, eles respondem, por um lado, ao abandono do contrato salarial fordista e do compromisso keynesiano em meados dos anos 70 e, por outro, à crise do gueto como instrumento de confinamento dos negros em seguida à revolução dos direitos civis e aos grandes confrontos urbanos da década de 60. Juntos, eles participam do estabelecimento de um “novo governo da miséria” no seio do qual a prisão ocupa uma posição central e que se traduz pela colocação sob tutela severa e minuciosa dos grupos relegados às regiões inferiores do espaço social estadunidense. Desenha- se assim a figura de uma formação política de um tipo novo, espécie de “Estado centauro”, cabeça liberal sobre corpo autoritário, que aplica a doutrina do “laissez faire, laissez passer” ao tratar das causas das desigualdades sociais, mas que se revela brutalmente paternalista e punitivo quando se trata de assumir as consequências (WACQUANT, 2001, p. 55).

Já Agamben (2004), afirma ter se configurado uma ditadura constitucional nos EUA, estruturada como paradigma de governo. O chamado

Estado de Exceção é uma expressão de um totalitarismo moderno, que pode

ser definido como a instauração:

[...] de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis

ao sistema político. Desde então, a criação voluntária de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos (p. 13, 2004).

Por outro lado, Zaffaroni (2007), argumenta que a constituição do Estado de Direito se dá, fundamentalmente, pela contenção do Estado de Polícia, sendo que o primeiro é uma conquista societária da humanidade, fruto das lutas históricas contra o poder absoluto. Para o autor, há uma dialética contínua entre esses dois modelos de Estado. Assim, “o Estado de polícia que o Estado de direito carrega em seu interior nunca cessa de pulsar, procurando furar e romper os muros que o Estado de direito lhe coloca” (p. 170). Eis uma das contradições que revelam o movimento atual das sociedades capitalistas, pois há a introdução de uma

[...] dinâmica da guerra no Estado de direito, como uma exceção à sua regra ou princípio, sabendo ou não sabendo (a intenção pertence ao campo ético) que isso leva necessariamente ao Estado absoluto (Idem, p. 25).

Para Agamben, a emergência de um Estado absoluto no bojo das contradições entre Estado de Polícia, Estado de Exceção e Estado de Direito, caracteriza-se, fundamentalmente, pelo poder soberano do Estado, que é paradoxal em sua essência. O autor ressalta este paradoxo da soberania, afirmando que o soberano está, ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico:

Se o soberano é, de fato, aquele no qual o ordenamento jurídico reconhece o poder de proclamar o estado de exceção e de suspender, deste modo, a validade do ordenamento, então ele permanece fora do ordenamento jurídico e, todavia, pertence a este, porque cabe a ele decidir se a constituição in totum pode ser suspensa (AGAMBEN, 2002, p. 26).

Para este autor, a situação de suspensão de direitos e até mesmo de estar excluído do ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, nele inserido, caracteriza a condição do homo sacer, uma

figura obscura no paradigma jurídico romano, caracterizada pela impunidade da sua morte e o veto do sacrifício. O homo sacer, toda a horda de criminosos e inimigos vivem uma “vida indigna de ser vivida”, por isso, sua morte é insancionável, não classificável nem como sacrifício, nem como homicídio, nem como execução de uma condenação e nem como sacrilégio (Idem)28.

Contudo, as noções de Estado Penal, Estado Policial e Estado de Exceção guardam, entre si, características que apontam para uma contraposição ao Estado Democrático de Direito, ou mesmo, para um Estado que propicie garantias mínimas para a vida de seus cidadãos, assim compreendidos a partir de uma igualdade abstrata. Deriva-se disso que tais conceitos carregam uma concepção de Estado que, idealmente, subtrai-se das contradições de classe, buscando aparecer como se atendesse o bem comum a partir de seu ordenamento jurídico, político, econômico e social.

Não obstante, como vimos neste capítulo, não se trata de uma contraposição entre diferentes modelos de Estado, mas sim, de uma complementaridade entre as políticas sociais e penais sob a égide desse mesmo Estado Democrático de Direito. Engels, na obra A origem da família, da

propriedade privada e do Estado esclarece que:

[...] o Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. Não é, tampouco, “a realidade da Ideia moral”, nem “a imagem e a realidade da Razão” como pretende Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase de seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entre-devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da “ordem”. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, F. in: LENIN, V. I., 2007, pp. 24-25).

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Zaffaroni (2007) também discorre sobre a figura do “exterminável” ao tratar da constituição do inimigo no Direito Penal, contudo estes elementos que serão abordados no próximo capítulo.

Nesse sentido, resgatamos a compreensão marxista de que o Estado é produto do antagonismo das classes e compreendemos que o notório recrudescimento das políticas criminais e penitenciárias nas sociedades tidas como democráticas deve ser compreendido em suas contradições e não como algo estranho a este Estado. Além disso, a ação repressiva do Estado caminha de mãos dadas com as políticas sociais que visam responder (na aparência) à “questão social” pela via do assistencialismo e controle disseminado do excedente da mão-de-obra. Conforme já salientou José Paulo Netto (2010), “[...] a articulação orgânica de repressão às “classes perigosas” e assistencialização minimalista das políticas sociais dirigidas ao enfrentamento da “questão social” constitui uma face contemporânea da barbárie” (p. 24).

Marx (1996), ao refletir sobre o que os economistas clássicos chamavam de acumulação primitiva do capital, pontuava que desde o final do século XV já se encontrava um processo de reestruturação nas legislações para lidar com os expropriados (leis sanguinárias e de rebaixamento de salários). Ou seja, a expropriação fundiária (e não mera acumulação primitiva), ao expulsar os camponeses de suas terras, transformando-os em vagabundos, necessitou de leis que pudessem sustenta-la no plano das legalidades, constituindo, assim, o gérmen da legislação criminalizadora da pobreza e produtora/reprodutora de disciplinamento e submissão dos trabalhadores tal como a conhecemos na atualidade.

Daí ter surgido em toda a Europa ocidental, no final do século XV e durante todo o século XVI, uma legislação sanguinária contra a vagabundagem. Os ancestrais da atual classe trabalhadora foram imediatamente punidos pela transformação, que lhes foi imposta, em vagabundos e paupers. A legislação os tratava como criminosos “voluntários” e supunha que dependia de sua boa vontade seguir trabalhando nas antigas condições, que já não existiam (MARX, 1996, p. 21).

Este processo acirra-se em determinados momentos históricos e há que se registrar que a relação capital-trabalho sofre importantes mudanças gestadas na passagem para o século XIX, as quais estão na base material da construção de teorias positivistas que buscavam explicar esta realidade numa produção multifacetada e fragmentada. Assim, após a Revolução Industrial

(iniciada na segunda metade do século XVIII), fortaleceram-se as condições concretas para a expansão do capitalismo e consequente controle e exacerbação da exploração dos trabalhadores, notadamente pela via da exploração da mais-valia relativa.

Engels em seu livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, publicado em 1845, expõe as mazelas oriundas da exploração do trabalho ao relatar as condições concretas de vida dos ingleses neste momento histórico. As manifestações e livre organização dos trabalhadores na luta por seus direitos foram duramente contrapostas pela burguesia, sendo que Engels assinala que estas contradições assumiram diversas formas, dentre elas, a forma-crime:

O operário, vivendo na miséria e na indigência, via que os outros desfrutavam de existência melhor. Não podia compreender racionalmente porque precisamente ele, fazendo pela sociedade o que não faziam os ricos ociosos, tinha de suportar condições tão horríveis. E logo a miséria prevaleceu sobre o respeito inato sobre a propriedade: começou a roubar. Já vimos que o aumento da delinquência acompanhou a expansão da indústria e que, a cada ano, há uma relação direta entre número de prisões e o de fardos de algodão consumidos (ENGELS, 2008, p. 248). De fato, entre o final do século XVIII e início do XIX a Inglaterra conheceu um processo de pauperização crescente de sua população. De acordo com Rusche e Kirchheimer (2004):

Mais e mais as massas empobrecidas eram conduzidas ao crime. Delitos contra a propriedade começaram a crescer consideravelmente em fins do século XVIII, e as coisas pioraram durante as primeiras décadas do século XIX. [...] Durante este período [1821-1827], portanto, o número de condenações cresceu em torno de 540% (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 137).

É nesse contexto que a expressão “questão social” surge como conceito29 que explicava o pauperismo a que estava submetida a classe trabalhadora. Concepção polissêmica, ela apresenta significados diferentes e até contraditórios e, por isso, é importante precisarmos qual nossa análise sobre este termo.

De acordo com José Paulo Netto (2001 e 2010), o pensamento conservador atribui à “questão social” uma leitura pautada pela compreensão de sua expressão meramente fenomênica, e nesse sentido, opera um processo de naturalização da mesma enquanto um elemento que está inegavelmente posto na realidade social (como característica a priori) e que deve ser alvo de intervenções que visam minimizar os efeitos da mesma (tomando-a como objeto e objetivo desta ação intencionada, ou seja, um fim em si mesma). Esse processo de naturalização da “questão social” produziu interpretações que a coloca como problema de violência, caos, desordem e desdobra-se em uma resposta a estas demandas que se daria pela via da segurança, repressão e do

assistencialismo, além do exercício de uma relação tutelada do Estado para

com a população em situação de vulnerabilidade.

De fato, no âmbito do pensamento conservador, a “questão social”, numa operação simultânea à sua naturalização, é convertida em objeto de ação moralizadora. E, em ambos os casos, o enfrentamento das suas manifestações deve ser função de um programa de reformas que preserve, antes de tudo o mais, a propriedade privada dos meios fundamentais de

produção. Mais precisamente: o trato das manifestações da

“questão social” é expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida; trata-se de combater as manifestações da “questão social” sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. Tem-se aqui, obviamente, um reformismo para conservar (NETTO, 2010, p. 6 – grifos do autor).

29 Compreendemos “questão social” como conceito e não como categoria, a partir das

contribuições de Netto (2001), pois esta questão não existe na realidade concreta, constituindo- se como um recurso intelectivo, um conceito, eivado de ideologias reformistas e conservadoras, que visa explicar um determinado fenômeno social. “As categorias, para serem consideradas como tais, devem antes existir na realidade para que seja possível a sua abstração no âmbito do pensamento. Isto significa dizer que o que tem existência real não é a

“questão social” e sim suas expressões, determinadas pela desigualdade fundamental do modo

De acordo com Netto (2001), a partir da Revolução de 184830 possibilitou-se um vetor dinâmico que trouxe mudanças na ideologia da classe