• Nenhum resultado encontrado

Eixo 7 – Diretrizes para o Sistema de Prevenção, Atendimento Emergenciais e Acidentes [Não foram

5.4. Mediações e Reflexões Teóricas: Análise das Propostas para a 1ª CONSEG

5.4.4 Sistema de Polícias: para! Quem precisa?

No tocante ao Sistema de Polícias, há propostas que vão desde a melhoria das condições de trabalho dos profissionais da segurança pública, formação permanente e de base humanista, voltada aos direitos humanos, e até propostas como a de desmilitarização das polícias. Estas últimas giram em torno daquilo que se convencionou chamar de mudança de paradigma do sistema de polícias, a partir do modelo da polícia de proximidade, policiamento voltado para a comunidade e para a solução de problemas. Nesse sentido, o debate orbita em torno da questão das estratégias do policiamento comunitário.

De acordo com Adriana Alves Loche (2012):

O policiamento comunitário é frequentemente definido como uma estratégia de policiamento baseada em parcerias entre a polícia e a comunidade70, e voltada para a melhoria da segurança pública através da identificação e resolução dos problemas da comunidade que aumentam o risco de crimes (Correia, 2000). Esta forma de policiamento associa três elementos que estavam dissociados e eram poucos valorizados pela polícia: prevenção de crimes, parcerias entre a polícia e a comunidade, identificação e resolução de problemas da comunidade (descentralização e responsabilização) (LOCHE, 2012, p. 26). De acordo com a autora, o que define essas estratégias é a postura de alinhar a prática policial a ações de “prevenção do crime”, “parceria entre polícia e sociedade” e “descentralização de tomada de decisões” (LOCHE, 2012, p. 27). Essas propostas vêm a partir de um movimento de exigência, por parte da população, de uma maior transparência e fiscalização em relação ao trabalho dos policiais, visando mudanças no modo em que suas atividades são desenvolvidas.

A literatura aponta, ainda, que policiamento comunitário configura-se muito mais como uma retórica do que como uma prática: um meio de camuflar – e de legitimar – os antigos padrões de policiamento no controle do crime. “O policiamento

70

Nota da autora: “Neste contexto, a noção de comunidade é instrumental e refere-se a uma área geograficamente definida [...]”

orientado à comunidade é uma excelente ferramenta de relações públicas de uma organização que não pode ‘solucionar o crime’, mas que busca assegurar à comunidade que está ‘fazendo alguma coisa’” (Brogden & Nijhar 2005 apud Somerville, 2009:267), ou seja, trata-se apenas de uma resposta rápida aos anseios da população, intermediada por reuniões de consultas comunitárias. De acordo com Kappeler & Kraska (1998), a tradicional ênfase no controle do crime permanece, mas de forma mais sutil, por meio de práticas aparentemente não repressivas, mas que vigiam territórios e controlam populações que representam ameaça à nova racionalidade contemporânea (LOCHE, 2012, p. 36).

Nesse sentido, a polícia comunitária seria uma resposta da gestão pública no sentido de melhorar a imagem que a população tem sobre a corporação policial, restaurando, assim, a confiabilidade nestes agentes da segurança pública. Esta reorientação baseou-se em pesquisas e encaminhamentos também advindos do campo acadêmico e tem se configurado como uma das propostas tidas como mais avançada no que diz respeito ao modelo de policiamento.

Não obstante, como já vimos, é esta modalidade da polícia de

proximidade que legitima ideologicamente, inclusive no campo considerado

mais progressista dos estudiosos e gestores da segurança pública, a constituição da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). De acordo com o

Instituto de Segurança Pública (ISP) da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro:

As UPP têm por objetivos consolidar o controle estatal sobre comunidades, sob forte influência da criminalidade ostensivamente armada, e devolver à população local a paz e a tranquilidade públicas necessárias ao exercício da cidadania plena que garanta o desenvolvimento tanto social quanto econômico. 71

Esse modelo preventivo, voltado para a melhoria de qualidade de vida dos indivíduos da comunidade, se daria a partir de uma

[...] prevenção por meio da dissuasão dos criminosos e da intensificação do policiamento a fim de reduzir a desordem e comportamentos que geram a insegurança. Trata-se do policiamento de atividades não criminais, tais como: consumo de álcool em lugares públicos, pichações, barulho, mendicância etc. Esta modalidade de policiamento tende a oferecer respostas de caráter mais repressivo, estimulando “programas de tolerância zero”, inspirados na teoria das “janelas quebradas” (LOCHE, 2012, p. 28).

A aproximação da polícia com a comunidade neste modelo, portanto, cumpre um papel ainda mais perverso ao por em movimento a política da tolerância zero como parâmetro para a regulação das relações sociais cotidianas. Alastra-se o poder de polícia para questões que não são da ordem do crime ou da contravenção como tipificações do Código Penal, e situações como festas de batizados, comemorações de aniversários, encontros de jovens em espaços públicos são exemplos de situações sociais que passam a ser controladas pela polícia (militarizada) de proximidade. Em 2006, o Governo do

Estado do Rio de Janeiro (Estado que é carro-chefe no programa de pacificação das favelas), lançou o Decreto Nº 39.355, de 24 de maio de 2006

que, entre outros artigos, regulamenta:

Art. 1º - A realização de eventos artísticos, sociais e esportivos, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, depende do conhecimento, com antecedência mínima de 08 (oito) dias, e respectiva autorização, por si dos órgãos públicos abaixo nominados, de acordo com a respectiva área de atuação, a saber:

I - Do Comandante da unidade do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro – CBMERJ, da Secretaria de Estado da Defesa Civil - SEDEC, quanto à segurança das instalações físicas do local destinado ao evento, no termos do Decreto nº 16.695, de 12 de julho de 1991;

II - Do Comandante da OPM, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro - PMERJ, da Secretaria de Estado de Segurança Pública - SSP, responsável pelo policiamento da área, de modo a ensejar, com a antecedência necessária, o seu planejamento tático operacional, considerada a dimensão do evento, por força do disposto no § 5º do Art. 144 da CF, e Art. 2º do Decreto nº 16.695, de 12 de julho de 1991;

III - Do Delegado-Titular da Unidade de Polícia Administrativa e Judiciária - UPAJ, da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro - PCERJ, da Secretaria de Estado de Segurança Pública - SSP, da circunscrição onde se observar o evento, com vistas à

prevenção e à repressão de fatos delituosos relacionados, sobretudo ao porte ilegal de arma, o uso e o tráfico de substância entorpecente, o furto e o roubo de veículos, enfim, às ações do crime organizado, além de outras práticas atentatórias à moral e aos bons costumes, por força do disposto no § 4º do Art. 144 da CF, e Art. 2º do Decreto nº 16.695, de 12 de julho de 1991 (DECRETO No. 39.355, de 24 de maio de 200672).

Em relação à pauta de desmilitarização da polícia, há que considerar os argumentos postos neste campo e que emanam das lutas sociais pelo fim do extermínio programado perpetrado pelos agentes do Estado. De fato, os índices de violência e letalidade das Polícias Militares apontam para a necessidade de superação de um modelo que, ao contrário do que aparentemente é denunciado quando se argumenta que há falta de preparo na

polícia, garante total preparo para se lidar com o inimigo interno de maneira

eficiente, aniquilando-o, inclusive.

No tocante à abordagem policial, Batista (2003) nos alerta sobre a mudança ocorrida na construção da figura do inimigo no Brasil, que passa, com o final da ditadura civil-militar, para a disseminação de um inimigo interno, sendo que a transferência do foco dos subversivos políticos para os outsiders encontra no combate às drogas (e, fundamentalmente, aos seus vendedores no varejo) a tônica dominante da segurança nacional. Há, portanto, uma pretensa difusão do poder de alcance das políticas de segurança73 a partir dessa reorientação do inimigo para um inimigo próximo, mas uma seletividade incontestável nas práticas que efetivam essa política. Em sua pesquisa de mestrado, ao investigar a juventude e criminalidade no Rio de Janeiro, Batista (2003) afirma que:

O artifício da atitude suspeita faz parte do universo dessas medidas. Se estas medidas apontam para a contenção de uma periculosidade difusa, a atitude suspeita aponta para uma seletividade nas práticas da implementação dessas medidas. Dos dezenove detidos por atitude suspeita, onze são pardos,

72 Disponível em:

https://s3.amazonaws.com/meu-rio-production/Decreto+Estadual+39355.2006.pdf

73 Mais um exemplo da complementaridade das políticas penais e criminais com as políticas

sociais no trato com a “questão social”, como pelo exemplo atual do Plano Nacional de

Enfrentamento ao Crack que prevê ações de políticas sociais e de saúde aliadas à repressão

seis são pretos e apenas quatro brancos. Desse universo, apenas cinco não trabalham. Os outros quatorze são jovens trabalhadores distribuídos em serviços tais como venda de jornais, trabalho em feiras livres, pintura de paredes, estofamento de carros etc. (BATISTA, 2003, p. 102).

Em 2012 a Organização das Nações Unidas recomendou ao Brasil que desmilitarizasse sua polícia, proposta rechaçada pelo nosso país por ser considerada inconstitucional, conforme foi noticiado em 20/09/2012 pela Agência Brasil:

A embaixadora do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), Maria Nazareth Farani de Azevêdo, apresenta hoje (20), no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH) em Genebra, na Suíça, as respostas às recomendações feitas por 78 delegações estrangeiras ao governo brasileiro. Das 170 recomendações, o Brasil atenderá a 159. [...] As recomendações foram divididas em dois blocos: o sistema prisional brasileiro e a realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Na relação de sugestões aparecem em destaque as questões sobre denúncias de irregularidades nas prisões brasileiras, como superlotação e torturas, a desmilitarização da polícia e a violação de direitos dos indígenas, além de questões de gênero, como a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo. Além das 159 recomendações que o governo vai acatar, dez serão atendidas apenas parcialmente. O documento preliminar não traz detalhes sobre as propostas. A maior parte das informações é disposta de acordo com números relacionados a documentos anteriores. “[No documento o Brasil] expressa a aceitação de quase todas as recomendações formuladas, 159 de um total de 170, na medida em que o país compartilha os ideais e está comprometido com a sua implementação”, diz o texto preliminar. A proposta rejeitada é a que trata da desmilitarização das polícias, apresentada pela Dinamarca. 74

O agravamento da violência e letalidade policial é também explicado pela maneira como se organiza esta carreira no Estado Democrático de Direito Penal brasileiro e, nesse sentido, a militarização das polícias consiste em um elemento que fortalece ainda mais esse tipo de ação. Ainda carregamos o marco constitucional herdado da época da ditadura civil-militar, pois a Constituição Federal de 1988 não modificou a estrutura do sistema de polícias,

74 Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-09-20/brasil-responde-na-onu-

permanecendo a ótica militar como fundante desta corporação, e uma subordinação às Forças Armadas daqueles policiais que irão proceder às ações de segurança em território nacional. Ainda que se configure como uma pauta por reforma do sistema de polícias, seu horizonte não se basta num

reformismo, pois traz em seu ventre a possibilidade de haver a superação de

uma real violência perpetrada pelos trabalhadores da segurança pública contra os trabalhadores considerados suspeitos pelo primeiro grupo.

Os reformistas não estão errados quando postulam que os direitos humanos representam melhoras para as classes populares, e é altamente admirável o engajamento de alguns autores que criticamos neste sentido. A crítica que lhes dirigimos não é contra as reformas, no âmbito jurídico, pelas quais se empenham, e sim contra a ilusória crença no direito como ferramenta redentora. Campanhas pela redução da jornada de trabalho e pelo fim da criminalização dos movimentos sociais, apenas para citar alguns exemplos, são elogiáveis e necessárias. Nosso inconformismo é destinado, que fique claro, à ideia falsa de que o direito seja determinante nestes avanços, e que este mesmos avanços, ao se exprimirem juridicamente, lancem luz sobre uma estrada de emancipação até então ignorada ou desdenhada (BIONDI, 2012, pp. 171-172).

Diante dessas considerações, cabe-nos refletir, portanto, sobre as perspectivas e limitações da práxis social no enfrentamento ao Estado Democrático de Direito Penal, trazendo alguns elementos que se propõem como síntese provisória para a análise ensejada nesta tese.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: APONTAMENTOS SOBRE A PRÁXIS