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Participação Social e Democracia: os desafios no interior do Estado Democrático de Direito Penal

Eixo 7 – Diretrizes para o Sistema de Prevenção, Atendimento Emergenciais e Acidentes [Não foram

5.4. Mediações e Reflexões Teóricas: Análise das Propostas para a 1ª CONSEG

5.4.1. Participação Social e Democracia: os desafios no interior do Estado Democrático de Direito Penal

Em relação à temática Participação Social e Democracia, encontramos propostas que se referem à exigência de haver mais espaços de participação dos representantes da sociedade civil nas instâncias deliberativas e fiscalizadoras das políticas públicas de segurança, fundamentalmente na composição dos Gabinetes de Gestão Integrada, no fortalecimento dos

Conselhos de Segurança Pública (CONSEGs) e Conselhos de Comunidade, na

constituição de um Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP) tripartite e na articulação entre estes Conselhos dos diferentes níveis de entes federados. Há também menção à participação de militantes de movimentos populares específicos nestas instâncias, como movimento de mulheres, movimento de população de rua e movimento negro. Estes são mencionados também no tema Política Pública de Segurança e Direitos Humanos.

Para analisarmos na radicalidade o tema Participação Social e

Democracia temos que avançar na reflexão sobre a relação entre Sociedade

60 Relatório da Conferência Livre realizada em 21/03/2009, Relatório da Conferência Livre

realizada em 03/07/2009 e o documento que sistematiza as propostas, intitulado: “Propostas Populares”.

Civil e Estado e, para isso, é fundamental resgatarmos a contribuição de Engels já apresentada anteriormente61, na medida em que nos alerta para a condição intrínseca à constituição do Estado como produto de antagonismos de classes – os quais não podem ser objetivamente conciliados. Neste sentido, a possibilidade da participação popular envolve, necessariamente, o que está circunscrito pelo objetivo fundante do Estado Burguês, a saber: o fato de ser “[...] um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma ‘ordem’ que legalize e consolide essa submissão” (LENIN, 2007, p. 25).

Assim, como nos alerta Lenin (2007), há a impossibilidade de o Estado empenhar a tarefa de conciliar as classes, num movimento de coesão, pois não há conciliação possível na relação capital-trabalho, sendo que a superação dessa realidade concreta não se encontraria, certamente, nas entranhas burocráticas do Estado Burguês. A própria ideia de conciliação de classes já apresenta notadamente um conteúdo ideológico de que o conflito resolve-se a partir da expressão de uma forma jurídica conciliatória – algo idealista e meramente retórico – mas eficazmente utilizado no discurso de legitimação desses conflitos.

Assim, o Estado é, essencialmente, formalizado pelas relações jurídicas entre sujeitos de direitos, ou seja, pauta-se pela noção abstrata e ideal de igualdade e de direitos iguais para todos os, assim considerados, cidadãos. Ao desvelarmos este discurso jurídico, temos que o Estado possui o monopólio da violência e é responsável por dar condições e legitimidade para a continuidade do modo de produção vigente, para a exploração da mais-valia.

61

Capítulo 1, seção 1.2, página 46: “O Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. Não é, tampouco, ‘a realidade da Ideia moral’, nem ‘a imagem e a realidade da Razão’ como pretende Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase de seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar- se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entre-devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da ‘ordem’. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado”. (ENGELS, F. in: LENIN, V. I., 2007, p. 24-25).

A utilidade deste enfoque, para o direito, está em demonstrar que a violência está no cerne do Estado, corresponde ao que ele é de fato. A força bruta que emprega é a força que a burguesia está impedida de empregar diretamente, e que é imprescindível para a manutenção do modo de produção capitalista. Trata-se da violência que cimenta os tijolos de um mundo de exploração, de um universo em que uma camada inteira da população é agredida economicamente, usurpada na riqueza que fabrica e no seu tempo de vida. (BIONDI, 2012, p. 35)

Para Pachukanis (1986), as principais categorias das formas jurídicas, enquanto expressões na superestrutura das contradições inerentes à vida social concreta, são o sujeito de direito e as relações jurídicas. Como já discutimos anteriormente, a noção de sujeito de direito repousa-se numa concepção idealista, caracterizada pelo jusnaturalismo e pela compreensão de que há um direito natural e universal (por isso a-histórico) que rege a vida em sociedade. Ao mesmo tempo, a partir do fortalecimento do modo de produção capitalista e com a disseminação de sua sociabilidade regulada pela norma jurídica, as relações travadas entre os indivíduos no seio desta sociedade se tornam, assim, relações abstratas mediadas pela regulação jurídica entre seus cidadãos dotados de direitos naturais. Nesse sentido,

[...] a troca mercantil sempre se dá pela via contratual, queira a autoridade instituída ou não. Outrossim, estando generalizadas as trocas, toda a vez que os indivíduos compuserem seus interesses nivelados pela igualdade formal (ou por gradações desta), estarão se comportando como sujeitos de direitos entrelaçados por relações jurídicas (BIONDI, 2012, p. 30). Esse formalismo jurídico contribui para a abstração das contradições e conflitos sociais, pois, nessa lógica, são todos sujeitos de direitos postos no mesmo nível de relação contratual. Isso traz desdobramentos para a noção de

democracia que viceja em nossa sociedade, como um governo do povo e de sua maioria. Portanto, a vivência de uma democracia que se dá no Estado

capitalista, partindo-se dessa compreensão, assemelha-se a uma farsa, uma

democracia burguesa, a qual deixará de aparentar-se democrática se houver

qualquer manifestação de mudança que, em alguns contextos, vise até mesmo apenas algumas reformas mais contundentes dentro da ótica do capital. Afinal,

é a ideologia da democracia que também serve de verniz para tingir de bons modos a exploração da mais-valia, parafraseando Trotsky62.

Além disso, há que se questionar sobre qual é este horizonte da democracia a que se refere, pois, nunca é demais lembrar, a ascensão de Hitler ao poder se deu a partir de um movimento também dentro de um jogo

democrático. Devemos ter como ponto de partida a crítica sobre a medida em

que a chamada democracia nos leva para a conquista dos direitos humanos de todos os seres humanos, ou, ao contrário, nos encaminha para um modelo em que o fascismo e a barbárie sejam democraticamente escolhidos como forma de sociabilidade e, até mesmo, como marco legal do Estado.

De fato, as lutas da classe trabalhadora se colocam na realidade concreta e, nesse sentido, se propõem a superar os limites colocados neste contexto. Em algumas sociedades ditas democráticas pode-se encontrar uma correlação de forças mais favoráveis às mudanças no campo da reforma do Estado. Contudo, como pudemos discutir anteriormente, em nosso país muitas dessas pautas políticas não encontram ressonância junto à base social da própria classe trabalhadora (como aquelas afeitas até mesmo ao Direito Penal

Mínimo). Nesse sentido, além de se discutir a necessária participação de

representantes da Sociedade Civil nos espaços legitimados pela lógica da

democracia participativa inaugurada pela criação dos Conselhos de Gestão Pública, há que problematizar que tipo de contribuição será levada a estes

espaços e em que medida haveria uma integração mínima das demandas oriundas das camadas populares. Será que essas pautas expressam projetos de superação na via histórica da emancipação humana (ainda que se constituam, taticamente, de propostas no âmbito da garantia de direitos)?

A institucionalização da participação social nas políticas públicas via o modelo da democracia participativa na modalidade de Conselhos de Gestão Pública e de Direitos, foi fruto de ampla mobilização e luta da classe trabalhadora na garantia de seus direitos sociais e foram introduzidos pela

62“A exploração do homem sobre o homem é uma constante, mas sua forma mudou, é menos

‘grosseira’, dissimula-se com o cenário da igualdade, recobre-se com um verniz de boas maneiras”. (TROTSKY, Leon. Questões do modo de vida. A moral deles e a nossa. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2009, p. 51)

Constituição Federal de 1988 também no sentido de superar a gestão autoritária do regime anterior. De outro lado, as Conferências, como grandes

assembleias de participação popular, a exemplo da 1ª CONSEG, têm se

pautado fundamentalmente pelas questões atinentes às demandas da gestão (Governos), em detrimento das necessidades oriundas da classe trabalhadora, diluída, nesse contexto, sob o título de Sociedade Civil.

O Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP) foi, de fato, reconfigurado após a 1ª CONSEG63, de modo a organizar-se pela representação tripartite e com a incumbência de:

a. Atuar na formulação de diretrizes e no controle da execução da Política Nacional de Segurança Pública;

b. Estimular a modernização institucional para o desenvolvimento e a promoção intersetorial das políticas de segurança pública; c. Desenvolver estudos e ações visando ao aumento da eficiência

na execução da Política Nacional de Segurança Pública;

d. Propor diretrizes para as ações da Política Nacional de Segurança Pública e acompanhar a destinação e aplicação dos recursos a ela vinculados;

e. Articular e apoiar, sistematicamente, os Conselhos de Segurança Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com vistas à formulação de diretrizes básicas comuns e à potencialização do exercício das suas atribuições legais e regulamentares;

f. Propor a convocação e auxiliar na coordenação das Conferências Nacionais de Segurança Pública e outros processos de participação social, e acompanhar o cumprimento das suas deliberações;

g. Estudar, analisar e sugerir alterações na legislação pertinente; e h. Promover a integração entre órgãos de segurança pública

federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais.

Porém, a questão que se coloca neste contexto é a de compreender se esses espaços formais de Conselhos de Gestão Pública constituem, de fato, em uma das possibilidades de resistência possível ao Estado Democrático de Direito Penal. Uma investigação acerca dos embates e proposições do CONASP nas gestões após a 1ª Conferência poderia problematizar esses

63 Decreto nº 7.413, de 30 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a estrutura, composição, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP, e dá outras providências.

elementos e nos ajudar na análise da práxis social pela via da democracia

participativa (em todas as suas contradições e limites) vigente em nosso país.

5.4.2. Política Pública de Segurança e Direitos Humanos: uma contradição