• Nenhum resultado encontrado

Política Pública de Segurança e Direitos Humanos: uma contradição insolúvel?

Eixo 7 – Diretrizes para o Sistema de Prevenção, Atendimento Emergenciais e Acidentes [Não foram

5.4. Mediações e Reflexões Teóricas: Análise das Propostas para a 1ª CONSEG

5.4.2. Política Pública de Segurança e Direitos Humanos: uma contradição insolúvel?

Dentre as propostas elaboradas pelo GTSPJC e encaminhadas para a 1ª CONSEG nesta temática, pudemos observar que orbitam em torno da noção de segurança como direito, a qual deve ser garantida a todos os indivíduos, independente de sua condição social, além de propostas que tratam da eficácia das ações de segurança.

A compreensão de segurança como direito se contrapõe, na aparência, à concepção meramente repressiva das políticas públicas de segurança e a coloca na urgência do diálogo e transversalização com as denominadas

políticas sociais. Nesse sentido, cabe-nos indagar o que revela a concepção de

uma Segurança Pública Cidadã, que está na base da reorientação da política pública de segurança proposta pelo PRONASCI e que foi levada como um dos eixos orientadores da 1ª CONSEG?

Baratta (2001) afirma que é possível compreender as políticas públicas de segurança sob duas perspectivas: pela ótica de garantia de direitos à segurança ou de segurança dos direitos. Isso significa, dentro da dinâmica da sociedade capitalista e dos limites do direito penal, duas formas contrastantes de se operar a política: de um lado, fortalecendo a veia repressiva e ostensiva do Estado e, de outro, articulando noções de prevenção e de garantia de direitos sociais. Contudo, como já vimos, tanto as políticas repressivas quanto as políticas sociais atuam de maneira complementar na constituição de um

Estado Democrático de Direito Penal, ou seja, propostas oriundas do campo do

Direito Penal Mínimo acabam, de certa forma, produzindo condições para fortalecer essa articulação complementar entre ações sociais (em sua acepção abstrata) e ação penal e repressiva do Estado.

Eis o debate que está posto nestes enfrentamentos: será que uma das possibilidades táticas da classe trabalhadora, ainda sob a égide do sistema capitalista de produção, seria a de investir na luta pela diminuição da incidência do direito penal na sociedade, de modo que este atue de maneira subsidiária apenas, aplicando a eficácia penalizadora para aqueles grupos detentores dos meios de produção, ou que representam a burocracia desse mesmo Estado Democrático de Direito Penal? Nunca é demais lembrar que esses enfrentamentos, em última análise, configuram-se também como luta pelo direito à vida: contra o extermínio da população jovem, negra e pobre, contra o encarceramento em massa dessa mesma população.

Em verdade, direcionar a ação do Direito Penal para os indivíduos que detém a concentração de riquezas e voltar a ação penal para os chamados de

crime de colarinho branco, simultaneamente diminuindo o encarceramento dos crimes de bagatela, pode, em alguma medida, apresentar-se como solução

intermediária para a crescente criminalização e encarceramento da classe trabalhadora. Mutatis Mutandis, esta ação também fortalece a ideologia de um Direito Penal formal e positivo que regulará as normas de convivência social, de modo a manter as condições de exploração da mais-valia e de constrangimento dos trabalhadores para que se submetam à venda cada vez mais precarizada de sua força de trabalho.

Temos, pois, que compreender, para avançar em nossa análise, qual a tendência que se apresenta atualmente na gestão da política pública criminal e de segurança e quais os seus efeitos. Conforme já discutimos, segundo Dieter (2012), esta tendência tem se caracterizado atualmente pela preponderância da lógica atuarial para o controle da criminalidade: os discursos de ação repressiva eficiente e de capacidade de prevenção unem-se para consolidar esta reorientação no modus operandi do Estado em empenhar esforços para a garantia da segurança.

Em rápida síntese, entende-se por Política Criminal Atuarial o uso preferencial da lógica atuarial na fundamentação teórica e

prática dos processos de criminalização secundária64 para fins de controle de grupos sociais considerados de alto risco ou perigosos mediante incapacitação seletiva de seus membros. O objetivo do novo modelo é gerenciar grupos, não punir indivíduos: sua finalidade não é combater o crime – embora saiba se valer dos rótulos populistas, quando necessário – mas identificar, classificar e administrar segmentos sociais indesejáveis na ordem social da maneira mais fluída possível. (DIETER, 2012, p. 8).

Nesse sentido, podemos reposicionar a questão da seguinte forma: qual(is) a(s) saída(s) para a práxis social no enfrentamento à (eficiente) gestão da miséria provocada pela exploração da mais-valia e avalizada pelo direito penal? Decerto, empenhar-se na luta revolucionária, emancipatória e que de fato promova a superação das condições objetivas que determinam a superestrutura que se ergue para produzir legitimidades a este sistema. Mas, quais os caminhos a percorrer, o que fazer diante das condições sociais e históricas atuais, que apontam para o recrudescimento dessa superestrutura e reconfiguração do próprio modo de produção capitalista, tendo em vista o extermínio, encarceramento e a gestão penal das massas mais precarizadas dos trabalhadores?

A luta pelos direitos (enquanto práxis social) não deve se restringir à noção idealista posta pelo jusnaturalismo que compreende os direitos como naturais, pois estes direitos, ainda que sob a égide do Estado Burguês, são frutos dos embates e lutas sociais da classe trabalhadora, travados na realidade concreta e constituem-se no e pelo movimento contraditório e dialético da história. Não se trata, assim, de rejeitar a possibilidade de enfrentar as limitações mesmo dentro da ordem social burguesa e deixar de vincular-se a lutas pontuais que vão garantir, minimamente, o direito à vida e à reprodução da vida, pois, a questão que se coloca é como conseguir ter em nosso horizonte não só a reprodução da vida que se dá pela via da exploração da mais-valia, mas sim a luta pela emancipação humana, ainda que em muitos

64

Nota do autor: “Criminalização primária é ato ou efeito de criar uma lei penal, isto é, de uma norma que defina hipóteses de conduta com pena cominada ou estabeleça critérios para imputação de fatos típicos.

Criminalização secundária, por sua vez, descreve o processo de seleção de um indivíduo concreto pelo

sistema de justiça criminal em função da possível realização ou participação em crimes. Normalmente, este processo se inicia com a investigação policial, seguindo-se a submissão às agências judiciais de controle e, na pior das hipóteses, aplicação e execução de pena, cuja máxima expressão é, no Brasil, a privação da liberdade ambulatorial cumprida em penitenciárias.” (DIETER, 2012, p. 8).

momentos a tática seja a luta pela emancipação política. Como disse Pachukanis (1988): “o aniquilamento das categorias do direito burguês significará nestas condições o aniquilamento do direito em geral, ou seja, o desaparecimento do momento jurídico das relações humanas” (p. 27).

Essa equação não se resolve com facilidade e está eivada de questões que complexificam sua execução, como as apontadas anteriormente nos capítulos teóricos e aquelas que se apresentam como propostas da sociedade civil para a 1ª CONSEG. Nesse sentido, vale a pena mencionar o alerta dado por Pavarini (2002), ao tratar da má consciência do criminólogo:

No es muy distinta la perspectiva de quien se mueve en una perspectiva marxista: la interpretación materialista de los processos de criminalización no está lejos cualitativamente del análisis realizado por los teóricos del conflicto y de la reacción social, salvo para remitir toda contradicción a la que existe entre capital y trabajo y para obviar el escepticismo de los criminólogos radicales con un acto de fe en una cada vez más improbable metamorfosis social. Finalmente, la reflexión de la criminología crítica se detiene en los umbrales de un nudo teórico que devela el equívoco sobre el que se funda la misma conciencia criminológica en la sociedad burguesa: aceptar el

status quo legal como presupuesto inimpugnable y poder así

desarrollar un conocimiento de la diversidad criminal o bien contraponerse a este poder y com ellos deslegitimar todo saber criminológico como no científico [...] Pero al mismo tiempo el "buen" criminólogo sabe también que, en cuanto parcial y signado por opciones políticas, su conocimiento permanece acaso siempre como el único conocimiento del crimen en esta sociedad: aunque al servicio de este orden social - mejor: precisamente porque está al servicio de esto - la criminologia burguesa es la única verdad a la que podemos acceder en esta sociedad. Y entonces, con toda probabilidad, el "buen" criminólogo continuará haciendo" criminologia... pero con la conciencia infeliz (PAVARINI, 2002, pp. 172-173).

Ora, se nem a garantia dos direitos humanos pode configurar uma ruptura na estrutura de produção que condiciona uma vida social pautada pela desigualdade e pela corrosão do trabalho e, no caso das políticas de segurança, pela tendência ao encarceramento em massa e às políticas ampliadas de controle social da população, o que nos resta?

Parafraseando Marx e Engels65, a história de nossa sociedade é a história da luta de classes e é neste contexto que podemos encontrar elementos para compreender o movimento atual da história no que diz respeito às lutas potencialmente revolucionárias.

Ao marxismo, enquanto concepção de mundo sob a perspectiva

dos interesses dos explorados e oprimidos, cabe emular essas

conquistas, mesmo parciais e insuficientes, e integrar a sua defesa em uma plataforma política de resistência, a plataforma própria a este interregno histórico de defensiva, até que a ultrapassagem revolucionária do capitalismo volte a ser concretamente colocada na ordem do dia pelas lutas e reabra, assim, as portas para a humanidade retomar sua caminhada em direção a uma sociabilidade integralmente emancipadora de todos os indivíduos (TRINDADE, 2011, p. 301).

5.4.3 Sistema Prisional e a resistência ao encarceramento em massa e à